OUTROS DIAS DA MULHER: Primeira presa política do Brasil, Pagu lutou contra opressão
“Uma escritora de vanguarda, adversária de todas as formas de cerceamento da liberdade e uma escritora de aventura, a cujas palavras a experiência política, vivida intensa e radicalmente, confere uma autoridade moral indiscutível.”
Com essas palavras, em 16 de maio de 1982, o poeta Augusto de Campos explicou, em entrevista a Mário Sérgio Conti, no Folhetim, um pouco de Patrícia Rehder Galvão, a Pagu. À época, Campos, um dos criadores da poesia concreta no Brasil, lançava o livro “Pagu, vida-obra”.
Apesar de ter sido uma das mais polêmicas personalidades femininas do Brasil, Pagu tornou-se, entre tantas definições, a primeira mulher presa política no Brasil do século 20 de que se tem notícia.
Em 1931, após participar de comício em homenagem a anarquistas italianos na cidade de Santos, Pagu, que ganhou o apelido de Raul Bopp, foi presa por ordem do governo Getúlio Vargas em 23 de agosto. E é levada para a cadeia na praça dos Andradas, que hoje abriga um centro com seu nome.
A essa altura, Pagu já incomodara. Fosse por fumar ou usar roupas curtas, fosse por incorporar uma revolucionária política, com produção de desenhos, charges e escritos panfletários, como a “Mulher do Povo” do pasquim “O Homem do Povo”, Patrícia Galvão já tinha na bagagem participação no movimento antropofágico, muitas vezes mais como ativista de que como artista.
E essa veia ativista do final dos anos 20 ferveu nos anos 30. Numa época em que as mulheres iniciavam sua jornada na política brasileira —em 1927, com o primeiro alistamento, em 1929, com a primeira prefeita eleita e em 1933, com a primeira deputada–, Pagu, além de inspirar o poema “Coco” (de Bopp), foi às ruas lutar contra toda a forma de opressão, em especial nas artes.
A união com Oswald de Andrade e a entrada no Partido Comunista reforçaram a atuação política e as críticas ao governo.
Tanto assim que teve trabalhos censurados e, ao ir às ruas, tanto no Brasil, quanto na França, foi presa 23 vezes, principalmente em 1935. Ao todo, ela ficou presa por quase cinco anos, sendo ferida em Paris e torturada pelo regime do Estado Novo getulista. E, como escreveu na Folha o professor Jorge Schwartz sobre as três grandes mulheres do modernismo paulista, enquanto Anita Malfatti pagou com a carreira (praticamente destruída após 1917), e Tarsila do Amaral, com as perdas (filha, neta, companheiro e fortuna), Pagu pagou com o próprio corpo.
Nos anos 30, como explica Augusto de Campos, foi difícil para Pagu conjugar a produção artística e a militância partidária.
Em meio a esse turbilhão, tornou-se mãe de Rudá de Andrade (1930-2009), separou-se, casou-se novamente e teve o segundo filho, Geraldo Galvão Ferraz (1941-2013).
Além de um ícone feminista e musa antropofágica, Pagu mostrou a versatilidade da mulher brasileira –foi escritora, poeta, desenhista, lanterninha de cinema, tecelã, jornalista, tradutora, militante, crítica e diretora de teatro. E, apesar de pelo menos duas tentativas de suicídio, só parou diante do câncer, que a vitimou em 1962, aos 52 anos.