Acervo Folha https://acervofolha.blogfolha.uol.com.br No jornal, na internet e na história Fri, 19 Feb 2021 13:40:24 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 1988: Folha desmascara banda fake do hit ‘Pipi Popô’, idealizada pelos Titãs https://acervofolha.blogfolha.uol.com.br/2018/12/18/1988-folha-desmascara-banda-fake-do-hit-pipi-popo-idealizada-pelos-titas/ https://acervofolha.blogfolha.uol.com.br/2018/12/18/1988-folha-desmascara-banda-fake-do-hit-pipi-popo-idealizada-pelos-titas/#respond Tue, 18 Dec 2018 09:00:03 +0000 https://acervofolha.blogfolha.uol.com.br/files/2018/12/PIPI-POPO-320x213.jpg https://acervofolha.blogfolha.uol.com.br/?p=10583 No final de 1988, um sucesso meteórico começava a fazer barulho nas FMs. Era o proibidão “Pipi Popô”,  uma marchinha nonsense do grupo fake Vestidos de Espaço, feita para o Carnaval de 89.

Com referência clara à homossexualidade [“Seu pipi no meu popô, seu popô no meu pipi…”], o hit foi o escolhido para ser a faixa-título do único trabalho do grupo, um compacto de duas músicas.

No lado B do disco está a mais elaborada, porém menos difusa, “A Marcha do Demo”, feita em homenagem ao compositor popular Lamartine Babo (1904-1963), dos clássicos “O Teu Cabelo Não Nega” e “Linda Morena”.

O grupo era formado pelos “farsantes” Pepino Carnale, 37 –que assina as composições do disco–, Lola, 26, Zeno, 25, e Sebastian, 23, todos nomes fictícios para aumentar ainda mais o ar de mistério diante do então novo fenômeno musical.

O propósito era fazer com que o público acreditasse que o Vestidos de Espaço fosse uma banda real. Outra estratégia era salvaguardar as identidades dos músicos de estúdio e dos verdadeiros letristas.

Mas a brincadeira durou poucas semanas, já que em 3 de dezembro daquele ano, a Folha, por intermédio do repórter Mario Cesar Carvalho, tornou público o enigma.

“É tudo mentira. Vestidos de Espaço, o grupo que está nas rádios com a marchinha ‘Pipi Popô’, nunca entrou num estúdio de gravação”, revelou o jornal.

A reportagem mostrou que quem estava por trás das letras, dos instrumentos e vozes, eram os Titãs, à época em processo de gravação do seu 5° álbum de estúdio, “Õ Blésq Blom” (Warner), das músicas Miséria, Flores e O Pulso.

Os vocais tiveram também as contribuições secretas da então integrante do Kid Abelha, Paula Toller, do produtor musical e ex-Mutante Liminha, do engenheiro de som Vitor Farias e do traquejado músico, escritor e poeta Jorge Mautner, que foi quem batizou a banda. Segundo Mautner, a expressão “vestido de espaço” era usada na Grécia Antiga para dizer que uma pessoa estava despida. 

A reportagem veio acompanhada de uma entrevista exclusiva com dois dos integrantes fake: Pepino Carnale, que o jornal revelou ser o artista plástico Fernando Zarif (1960-2010), e Lola, que era representada pela modelo Bronie, uma das mais requisitadas para desfiles entre os anos 70 e 80.

Na tentativa de mostrar a verdade dos fatos, o jornal perguntou aos falsos músicos se eles sabiam que as marchinhas do compacto eram cantadas e tocadas pelos Titãs, ao que Carnale respondeu: “Quem? Deve haver algum engano. Se isso for uma intriga, eu entro na justiça e processo. Os Titãs formam um grupo interessante. Mas nós fazemos outra coisa. Rock é coisa de colonizado”.

Antes, a Folha havia questionado a banda sobre a possibilidade de “Pipi popô” ser censurada por causa de sua conotação homossexual. Carnale rechaçou o cenário ao afirmar que a música “é muito casta” e que “não existe orgasmo e nem penetração na letra”.

Sobre o poder de influência da marchinha nas crianças, Carnale e Lola, num tom intelectualizado, responderam que “a cultura de massa infantil é onanística” e que a composição foi pensada para ser “uma coisa anti-onanística”.

Os porta-vozes do grupo aproveitaram a entrevista para reforçar que o Vestidos de Espaço não era uma banda de mentira, e sim um projeto que culminaria no lançamento de um LP para o ano seguinte, que não chegou a ser concretizado pelo grupo.

Conforme a biografia “A Vida Até Parece uma Festa – Toda a História dos Titãs” (Record), escrita pelos jornalistas Luiz André Alzer e Hérica Marmo, lançada em 2003, as marchinhas “Pipi popô” e “Marcha do Demo” começaram a ser trabalhadas entre setembro e outubro de 87, no estúdio Nas Nuvens (Rio).

As músicas foram feitas durante os intervalos das gravações do 4º LP dos Titãs, “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas”, dos sucessos “Comida”, “Diversão” e “Lugar Nenhum”, lançado em 88 pela Warner.

“Aproveitávamos o tempo para brincar com faixas e bagunças perdidas no estúdio”, disse Charles Gavin, em 1995, em entrevista para a MTV.

“Pipi Popô é uma composição super infantil, embora com uma certa tendência homossexual. Era uma brincadeira!”, disse Paulo Miklos, também para a MTV, anos após a produção do disco.

Em janeiro de 1989, com o estouro de “Pipi Popô” nas rádios, um manifesto organizado por um estudante de nome Fábio Moura, de 24 anos e estagiário de uma agência de publicidade, pedia a censura da marchinha nas rádios.

A ideia do estudante, segundo a Folha publicou na ocasião, surgiu após o seu retorno dos EUA, onde cursou marketing por dois anos na universidade estadual do Missouri, em Springfield.

Fábio disse ter ficado chocado ao voltar para o Brasil, onde, na sua visão, “tudo estava indo para pior”, até que ele resolveu se manifestar contra um estado de coisas, entre as quais a execução de “Pipi Popô” na mídia.

Empenhado em manter a “ordem”, o estagiário reuniu alguns colegas do Mackenzie e do Anglo, onde havia estudado, para coletar assinaturas em oposição a marchinha, que ele classificou como “símbolo da corrupção no país”.

O estudante, que contou à Folha ser da Igreja Batista e confessou então ser grande admirador de Paulo Maluf, disse que sua principal oposição era ao efeito maléfico que a audição da música poderia causar aos mais velhos e, principalmente, às crianças.     

Para Fábio, que conseguiu 244 assinaturas, “Pipi Popô” estimulava o homossexualismo infantil. “Quem já tem a tendência, vai virar de qualquer jeito. Mas ouvindo essa música, a criança, que é ingênua e pura, vai querer brincar de ‘Pipi Popô’ com os amiguinhos”, afirmou.

Em 14 de janeiro, uma semana após a publicação da reportagem, a leitora da Folha Duane Barros da Fonseca, do Rio, que teve sua carta publicada na coluna “Painel do Leitor”, retrucou o manifesto do estagiário ao chamá-lo de “ridículo”. “O manifesto que pede a censura da música é simplesmente ridículo. Seu organizador devia se preocupar com problemas mais sérios. Manifestos políticos não irão melhorar a moral do país”, escreveu Fonseca.

No mesmo dia em que revelou o segredo dos Titãs e da Warner, o jornal relembrou outros episódios envolvendo bandas fake pelo mundo, como foi o caso do conjunto Klaatu, que, quando do lançamento em 1976 do seu primeiro LP (sem créditos e fotos), deixou rumores de que quem estaria por trás das gravações do álbum seriam os Beatles, por causa de similaridades com a sonoridade do álbum “Sgt. Pepper’s  Lonely Hearts Club Band”, gravado pelo quarteto inglês em 1967.

As identidades dos componentes do Klaatu eram desconhecidas até pela própria gravadora da banda. A verdade só veio à tona dois anos depois, em 1978, quando foi revelado que o conjunto era formado por quatro músicos canadenses de estúdio, que acabaram entrando no ostracismo.

Outra história citada pela reportagem é a dos célebres roqueiros Robert Plant e Jimmy Page, ex-membros do Led Zeppelin, que em 1985 gravaram um disco com “baladinhas açucaradas” sob o nome de Honeydrippers, “provavelmente, tentando escapar à fúria dos fãs conservadores do Led”.

Confira as letras das duas marchinhas do compacto “Pipi Popô”

Pipi Popô 
(Arnaldo Antunes e Branco Mello)

Seu popô no meu pipi

Seu pipi no meu popô

Meu pipi no seu popô

Meu popô no seu pipi

 

Seu pipi no meu popô

Seu popô no meu pipi

Meu popô no seu pipi

Meu pipi no se popô

 

Pipi popô, popô pipi,

Pipi popô popô pipi popô pipi

Pipi popô

 

A Marcha do Demo
(Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer, Branco Mello e Paulo Miklos)

Não foi por falta de aviso

Não foi por falta de alarde

Agora nas chamas do inferno

O seu corpo arde

 

Já dizia o Capitão Nemo

Cuidado com o Demo, cuidado com o Demo

Já dizia Pero Vaz

Cuidado com o Satanás

 

Não foi por falta de aviso

Não foi por falta de alarde

Agora nas chamas do inferno

O seu corpo arde

 

Já dizia Maria Antonieta

Cuidado com o Capeta, cuidado com o Capeta

Já dizia pai Jeú

Cuidado com o Belzebu

 

Não foi por falta de aviso

Não foi por falta de alarde

Agora nas chamas do inferno

O seu corpo arde

 

Já dizia Napoleão

Cuidado com o Cão, cuidado com o Cão

Já dizia Santo Antônio

Cuidado com o Demônio

 

Não foi por falta de aviso

Não foi pro falta de alarde

Agora nas chamas do inferno

O seu corpo arde

 

Já dizia Lamartine Babo

Cuidado com o Diabo, cuidado com o Diabo

Já dizia Simbá o Marujo

Cuidado com o Dito Cujo

 

Não foi por falta de aviso

Não foi por falta de alarde

Agora nas chamas do inferno

O seu corpo arde

Agora nas chamas do inferno

O seu corpo arde

 

 

 

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1988: Morre Aracy de Almeida, jurada de TV e maior intérprete de Noel Rosa https://acervofolha.blogfolha.uol.com.br/2018/06/20/1988-morre-aracy-de-almeida-jurada-de-tv-e-maior-interprete-de-noel-rosa/ https://acervofolha.blogfolha.uol.com.br/2018/06/20/1988-morre-aracy-de-almeida-jurada-de-tv-e-maior-interprete-de-noel-rosa/#respond Wed, 20 Jun 2018 11:00:02 +0000 https://acervofolha.blogfolha.uol.com.br/files/2018/06/Aracy1-320x213.jpg http://acervofolha.blogfolha.uol.com.br/?p=9737 “Mas que putaria, eu não posso estar aqui”, afirmou Aracy de Almeida à sua afilhada Maria Adelaide Bragança minutos antes de uma embolia pulmonar  tirá-la de cena aos 73 anos, na tarde de 20 de junho de 1988, no Hospital dos Servidores do Estado (centro do Rio), onde estava internada havia 13 dias por causa de um acidente vascular cerebral.

Personagem das mais memoráveis da TV brasileira, onde encarnou a jurada “ranzinza” em quadros de calouros, o último deles no Programa Silvio Santos –onde estava desde 1975–, Aracy de Almeida foi, sobretudo, uma das mais proeminentes cantoras da era de ouro do rádio. No samba, gênero que adotou para a carreira, foi considerada a mais fiel intérprete de Noel Rosa, ao lado da cantora Marília Batista.

Aracy, que nunca se casou nem teve filhos, foi sepultada no cemitério Parque Jardim da Saudade (Rio) depois de ser velada por cerca de 20 mil pessoas no Teatro João Caetano, onde em 1981 e 1982 fez suas últimas apresentações como cantora, ao lado de João Nogueira e do grupo Coisas Nossas, respectivamente.

“O mais triste é saber que toda esta gente veio aqui para se despedir da jurada de televisão. Quase ninguém mais lembra que ela foi uma grande cantora”, disse o compositor e pesquisador da música brasileira Hermínio Bello de Carvalho, que esteve na cerimônia para dar o último adeus à cantora e amiga.

Aracy Teles de Almeida, ou “Araca”, como também era chamada pelos amigos, nasceu em 19 de agosto de 1914, na rua Guilhermina, no bairro suburbano do Encantado (zona norte do Rio), onde morou até o fim da vida. Filha de uma dona de casa e de Baltasar Teles Almeida, um pastor protestante e funcionário da Central do Brasil, Aracy, que dizia nunca ter brincado de boneca nem de ciranda durante a infância, era a única mulher entre os cinco filhos da família.

O SAMBA EM PESSOA

Durante a adolescência, a pulsação pelas batucadas do Rio levou Aracy a ser uma assídua frequentadora de escolas de samba na zona norte da cidade, onde aprendeu as gírias, os trejeitos e a ginga que acabaram se tornando marcas na vida da artista. Em entrevistas revelou que a escolha pela música veio por necessidade. “Era uma menina pilantra, safada, que não queria estudar e não sabia fazer nada. Daí, só mesmo cantando.”

Aracy começou muito jovem. O primeiro contato direto com a música foi quando integrou corais evangélicos no bairro do Méier (zona norte do Rio). Depois, contrariando os preceitos religiosos da família, passou a cantar em candomblés no Engenho de Dentro, também na zona norte.

NOEL ROSA

A entrada na música popular se deu no início dos anos 30, sob influência de Carmen Miranda, cantora que Aracy admirava e tentava imitar no início da trajetória. Sua dicção peculiar, caracterizada por sua voz nasalada, foi elogiada num estudo de Mário de Andrade numa conferência em 1943.

O primeiro empurrão para o profissionalismo, porém, foi dado pelo compositor Custódio Mesquita, que, em 1933, a levou para um teste no programa Pinocchio, da Rádio Educadora (depois Tamoio), onde cantou a marchinha “Bom Dia, Meu Amor” (Joubert de Carvalho e Olegário Mariano), sucesso na voz de Carmen Miranda. Foi lá que conheceu o eterno “poeta da Vila”, Noel Rosa, que no mesmo dia compôs para a estreante “Seu Riso de Criança”, após ter ouvido e apreciado o raro timbre vocal da iniciante.

Aracy e Noel se tornaram grandes amigos, construindo uma parceria que duraria até a morte do compositor em 4 de maio de 1937, de tuberculose. Dele, gravou “Feitio de Oração”, “Palpite Infeliz” e “O X do Problema”, entre outras. O último trabalho foi a melancólica “Último Desejo”, cuja interpretação Noel não teve tempo de ouvir.

Em 1934, Aracy  foi contratada pela Columbia, onde gravou o seu primeiro disco, com a marcha carnavalesca “Em Plena Folia”, de Julieta de Oliveira. Depois, assinou com a Rádio Cruzeiro do Sul. Daí não demorou muito até a sambista ser convidada pela RCA Victor, onde gravaria “Cansei de Pedir”, “Triste Cuíca” e “Amor em Parceria”, todas de Noel. Logo passou pelas rádios Philips, Mayrink Veiga, Ipanema e Tupi. Ao longo da carreira foram mais de 400 canções gravadas.

OUTROS COMPOSITORES

A trajetória de Aracy na MPB não se resumiu apenas à grandeza de ter sido uma das maiores intérpretes de Noel. A “Dama da Central”, como também ficou conhecida, emprestou sua voz a vários outros nomes do cancioneiro brasileiro.

Dentre as composições que a sambista gravou estão “Helena” (Raul Marques e Ernâni Silva), “Vaca Amarela” (Lamartine Babo e Carlos Neto), “Saudosa Favela” (Heitor do Prazeres), “Fale Mal… Mas Fale de Mim” (Ataulfo Alves e Marino Pinto), “Brigamos Outra Vez” (Wilson Batista e Marino Pinto), “Saia do Caminho” (Custódio Mesquita e Evaldo Rui) e “Camisa Amarela”, de Ary Barroso, que certa vez criticou a voz da cantora ao dizer que ela desafinava e cantava pelo nariz.

A partir de 1948, com Noel Rosa quase esquecido, Aracy decidiu revisitar a obra do poeta com apresentações antológicas na famosa boate Vogue, no Rio, que posteriormente viraram discos e ajudaram a ecoar a poesia do autor às novas gerações. Em 1950, a cantora reduziu o ritmo de shows e passou a morar em São Paulo, onde viveu até 1962.

Em 1968 gravou “A Voz do Morto”, do tropicalista Caetano Veloso, que entrou para um compacto-simples produzido para a Bienal do Samba daquele ano. “Essa música é uma coisa meio tétrica, um negócio pra tocar em castelo estranho”, disse a cantora no programa de entrevistas Vox Populi, da TV Cultura.

Um ano depois, participou do show “Que Matavilha”, com Toquinho, Jorge Benjor, Paulinho da Viola, Trio Mocotó e Trio do Luiz Melo. Apresentado no Teatro Cacilda Becker, o espetáculo teve a direção do amigo Fernando Faro.

Tida por Paulinho da Viola como a maior cantora de samba, no final dos anos 70 Aracy esbarrou no rock, quando se apresentou ao lado do grupo Joelho de Porco, em espetáculo apresentado no Teatro Célia Helena, onde interpretaram Noel Rosa, Antônio Maria e Chico Buarque, entre outros nomes.

A JURADA

Começou a trabalhar como jurada nos programas do Chacrinha e do Bolinha, até ser contratada em 1975 para o “Show de Calouros” de Silvio Santos, atração que a tornou uma das figuras mais populares da TV pela irreverência e pelo deboche com que julgava os aspirantes a artistas.

Aracy era direta e não amenizava nas críticas nem mesmo calouros mirins, que recebiam palavras duras sobre suas performances.

Quando perguntada sobre ter abdicado da profissão de cantora pela de jurada de TV, respondia: “Melhor ser jurada do que ficar em casa fazendo tricô”.

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Há 20 anos, morria Tim Maia, o ‘síndico’ mais famoso do Brasil https://acervofolha.blogfolha.uol.com.br/2018/03/15/ha-20-anos-morria-tim-maia-o-sindico-mais-famoso-do-brasil/ https://acervofolha.blogfolha.uol.com.br/2018/03/15/ha-20-anos-morria-tim-maia-o-sindico-mais-famoso-do-brasil/#respond Thu, 15 Mar 2018 13:05:46 +0000 https://acervofolha.blogfolha.uol.com.br/files/2018/03/Tim-Maia-capa-320x213.jpg http://acervofolha.blogfolha.uol.com.br/?p=8617 Em 15 de março de 1998, a música brasileira perdia a sua principal referência dos gêneros funk e soul produzidos no país. Sebastião Rodrigues Maia, o Tim Maia, um dos mais polêmicos personagem da MPB, morreu aos 55 anos, em decorrência de um choque séptico causado por uma infecção generalizada.

Cantor, compositor e multi-instrumentista, Tim Maia estava internado havia uma semana no hospital Universitário Antônio Pedro, em Niterói (RJ), após se sentir mal durante uma apresentação no Teatro Municipal de Niterói, quando cantava a primeira música do set list, “Não quero Dinheiro (Só quero Amar)”. O show seria gravado para um especial do canal de TV Multishow.

Muitos até riram pensando ser uma brincadeira do cantor, que pouco antes havia reclamado do retorno do som. Outros gritavam “chamem o síndico”, em referência ao apelido que Tim Maia ganhou do amigo Jorge Benjor, imortalizado na música “W/Brasil”. O cantor deixou três filhos, José Carlos, Telmo e Márcio Leonardo.

Nascido na Tijuca, no Rio, em 28 de setembro de 1942, Tim Maia era o 18º dos 19 filhos do casal Altivo Maia e Maria Imaculada Nogueira, donos de uma pensão na rua Afonso Pena, no mesmo bairro.

Na infância era chamado de Tião Marmiteiro, pelo fato de trabalhar como entregador de marmitas para a família.

Show do cantor e compositor Tim Maia, no ginásio do Ibirapuera. em São Paulo (Foto: Marcelo Soubhia – 26.11.1993/Folhapress)

TIJUCANOS, SNAKES E SPUTNIKS

A afinidade com a música começou aos 9 anos, quando Tim ganhou um violão de seu pai. Nessa época, ouvia Angela Maria, Cauby Peixoto, Silvio Caldas e Anísio Silva entre outros astros da música brasileira.

O primeiro conjunto, Os Tijucanos do Ritmo, foi criado em 1956 com o apoio da igreja dos capuchinhos, localizada na rua Haddock Lobo, também na Tijuca. No ano seguinte, com o amigo de infância Erasmo Carlos, para quem ensinou os primeiros acordes de violão, integrou os Snakes, que durou poucos meses.

No mesmo ano, com Roberto Carlos, Arlênio Livio, Edson Trindade e Wellington Oliveira, fez parte dos Sputniks, grupo que fazia cover de sucessos norte-americanos da época, sobretudo do rock, que acabava de surgir nos EUA. A banda chegou a se apresentar no programa Clube do Rock, comandado por Carlos Imperial na TV Tupi. Mas uma discussão calorosa entre Tim e Roberto Carlos, que almejava seguir carreira solo, pôs fim ao quinteto.

Tim Maia, cantor e compositor carioca, criador da soul music e do funk no Brasil, recebe das mãos de Luís Eduardo Borgerth, então diretor-executivo da Globo, o troféu de Melhor Cantor e disco de ouro na TV Excelsior (Foto: 11.abr.1971/Folhapress)

EUA

Em 1959, a Bossa Nova era a bola da vez no cenário musical brasileiro, mas para Tim, era coisa para a classe média da zona sul do Rio, muito distante da realidade dos jovens “tijucanos”. No mesmo ano, com a morte do pai, Tim Maia rumou aos 17 anos para os EUA, um sonho que alimentava havia alguns anos.

Em Nova York fez um pouco de tudo, trabalhou em lanchonetes, enfermarias e de faxineiro em asilo. Influenciado pela música negra, montou o grupo de soul The Ideals. Na ocasião ganhou o codinome “Jimmy, the Brazilian”. Tim Maia ficou no país até 1964, ano em que foi deportado para o Brasil após seis meses de prisão por porte de maconha.

O cantor e compositor Tim Maia no início da década de 70 (Foto: Acervo UH/Folhapress)

O RETORNO

No Brasil, Tim começou a trabalhar como guia turístico no Rio. Mas a música ainda era o seu grande sonho.

Em 1966 gravou um disco com “Os Dominós”. No final de 1968, no programa Jovem Guarda, comandado pelo trio Roberto, Erasmo e Wanderléia, na TV Record, lançou um compacto com as músicas “Meu País” e “Sentimento”, pela CBS.

No ano seguinte, o músico foi convidado pela cantora Elis Regina para um dueto em “These are the songs”, composição de Tim que a cantora incluiu em seu álbum “Em Pleno Verão” (1970). A música já havia sido lançada pelo cantor em compacto. Ainda em 1969, o compositor teve o seu funk “Não vou ficar” gravado por Roberto Carlos, que tinha abandonado a Jovem Guarda um ano antes.

O cantor e compositor Tim Maia em show com a banda Vitória Régia em 1971 (Foto: Reprodução)

O INTRODUTOR DA SOUL MUSIC NO BRASIL

O primeiro LP de Tim Maia foi lançado em 1970, e trazia as primeiras pérolas do funk e do soul feitas no Brasil. Algumas, mescladas a vertentes regionais da música brasileira. Entre as canções de destaques do álbum estão “Primavera”, “Azul da Cor do Mar” e “Coroné Antônio Bento”.

Em 1971, Tim gravou as inesquecíveis “Não Quero Dinheiro (Só Quero Amar)”, “A Festa do Santo Reis”, “Não Vou Ficar” e “Você”. Depois vieram “Canário do Reino” e “O Que me Importa” (1972). Em Tim Maia (1973) o cantor trouxe “Réu Confesso” e “Gostava Tanto de Você”. Era a consagração de um astro.

Tim Maia em 1972, pouco antes de entrar para a seita Universo em Desencanto, que procurava pregar a filosofia “racional” (Foto: Reprodução)

TIM MAIA RACIONAL      

Em 1974, Tim Maia entrou para a doutrina religiosa Universo em Desencanto, que o distanciou da boemia e das drogas. Nessa fase, produziu dois álbuns de sonoridades e arranjos considerados excepcionais pela crítica: Tim Maia Racional Volumes um e dois, lançados em 1974 e 1975.

Em 2000, algumas faixas descartadas desse período, culminaram no lançamento de um terceiro volume, este intitulado “Racional Volume Três”.

A relação com a seita, contudo, foi interrompida quando Tim foi informado que o mestre da doutrina, Manuel Jacintho Coelho, estaria comprando terrenos no Rio às suas custas.

Em 1976, fora da religiosidade e de volta às loucuras, Tim Maia entrava nas paradas com a música “Rodésia”. Mas o álbum que fechou a década em grande estilo foi Tim Maia Disco Club (1979), com as memoráveis e dançantes “Acenda o Farol” e “Sossego”.

O cantor Tim Maia em 1975 canta durante show na época em que aderiu ao “Universo em Desencanto” e pregava a Cultura Racional. (Foto: Divulgação)

UMA NOVA ERA

Em 1983, Tim Maia atuou apenas como intérprete no LP “O Descobridor dos Sete Mares”.É deste álbum a música “Me dê Motivo”, dos criadores de hits Michael Sullivan e Paulo Massadas, que compuseram ainda “Um Dia de Domingo”, um dueto de Tim com a cantora Gal Costa, muito executado nas rádios anos depois.

Com um estilo romântico e menos sofisticado, a década continuou com as populares “Bons Momentos” (1984),  “Leva” (1985) e a contagiante “Do Leme ao Pontal/Tomo Guaraná, Suco de Cajú, Goiabada para Sobremesa” (1986) entre outras.

Em 1990, o cantor lançou “Tim Maia Interpreta Clássicos da Bossa Nova”. Cinco anos depois gravou “Arrastão”, “Corcovado” e “Aquarela do Brasil” no disco “Nova Era Glacial” (1995).

Em 1997, lançou os álbuns “What a Wonderful World”, onde revisitou músicas americanas que o influenciaram nos anos 1950 e 1960 e “Amigos do Rei”, em parceria com o grupo vocal Os Cariocas.

Tim Maia, cantor e compositor carioca, criador da soul music e do funk no Brasil, posa para foto (Foto: Homero Sérgio/Folhapress)

POLÊMICAS

Em 1977, atolado em dívidas, Tim Maia teve prisão decretada por vender um de seus carros que estavam penhorados pela Justiça. Em outra ocasião, em 1984, foi acusado de emitir um cheque sem fundos para o pagamento de uma passagem aérea. Nesta, foi processado por estelionato.

Em 1990, abandonou o palco num show realizado em Duque de Caxias, no Rio. O promotor do espetáculo entrou na Justiça contra o cantor.

Tim ficou conhecido também pelos “canos” em shows e atrações de TV. Em 1993, ao deixar de cumprir agenda no programa do Faustão, na Globo, o então diretor de programação da emissora, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, emitiu um memorando vetando sua presença no canal. “Tendo em vista o comportamento reincidente do cantor Tim Maia, informamos que está proibida, até segunda ordem, a sua presença em qualquer programa da Rede Globo”, decidiu Boni.

Tim Maia durante show em 1991 (Foto: Mário Fontes – 19.mar.1991/Folhapress)

O ÚLTIMO PROJETO

Uma semana antes de sair de cena, Tim Maia chamou o produtor musical Almir Chediak para retomar um projeto idealizado dois anos antes, em 1996, para o lançamento de um songbook com os maiores sucessos de sua carreira.

Contudo, assustado com os prognósticos de um vidente, disse ao produtor: “Almir, dá um tempo, porque esse negócio de songbook e biografia é para quem está com o pé na cova”.

Tim Maia durante show no Aeroanta, em São Paulo  (Foto: Silas Botelho – 13.mar.1991/Folhapress)

 

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DIVÓRCIO, 40: Igreja Católica pressionou políticos para manter matrimônio indissolúvel https://acervofolha.blogfolha.uol.com.br/2017/12/24/6792/ https://acervofolha.blogfolha.uol.com.br/2017/12/24/6792/#respond Sun, 24 Dec 2017 07:00:01 +0000 https://acervofolha.blogfolha.uol.com.br/files/2017/12/Geisel-180x132.jpg http://acervofolha.blogfolha.uol.com.br/?p=6792 “Para os católicos, em qualquer legislação, o sacramento do matrimônio é indissolúvel.”

“[…] a autoridade eclesiástica, se julgar oportuno, poderá excomungar o divorciado.”

As frases acima dão uma mostra do papel da Igreja Católica em 1977, quando a Lei do Divórcio foi aprovada. Elas foram proferidas, respectivamente, por dom Paulo Evaristo Arns (1921-2016) e dom Aloísio Lorscheider (1924-2007), secretário-geral da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) na época.

A cúpula católica entrou naquele ano disposta a impedir a aprovação de qualquer legislação divorcista. “A Igreja sabe que, com o reinício dos trabalhos legislativos, novos projetos serão apresentados no Congresso e, por isso, quer sair na frente”, disse Lorscheider.

O religioso se referia ao documento “Fraternidade e Família – Mensagem dos Bispos às Famílias do Brasil”, divulgado em fevereiro de 1977, após o encontro anual da CNBB, em Indaiatuba (SP).

No comunicado, a Igreja chama para si a responsabilidade de orientar os fieis para “o revigoramento da família em nossa pátria” e enfatiza que “o bem comum” deve ser respeitado, “não somente pela consciência do cidadão, como também pela legislação”.

Segundo Lorscheider, “a Igreja, quando defende a família, defende uma instituição natural, e não apenas a família católica”. “Somos contra o divórcio, inclusive dos pagãos.”

Por outro lado, de acordo com levantamento feito pelo “Jornal da Tarde” naquele ano, a grande maioria das igrejas evangélicas, centros espíritas e seguidores de outras religiões não se opunha à lei.

A pauta sobre a dissolução do matrimônio entraria em votação em junho, através de uma comissão mista do Congresso.

O assunto não distinguia oposição e situação. Existiam parlamentares da Arena –governistas– e do MDB –oposicionistas– favoráveis ao assunto, assim como alas contrárias, de ambos os partidos. Já o governo federal, representado na figura do presidente militar (foto acima) Ernesto Geisel (1907-1996), matinha posição neutra.

PRESSÃO DO CLERO

Com a aproximação da apreciação pelos congressistas, a campanha de líderes católicos ganhou cada vez mais espaços durante missas e outras celebrações. Constantemente a opinião destes era exposta nos jornais da época.

Deputados e senadores também foram pressionados por integrantes da Igreja, inclusive com a criação de uma suposta lista negra de divorcistas.

“Penso que as paróquias devem anotar a verdadeira mentalidade dos que se julgam representantes do povo. Por anotar, quero dizer: conservar listas dos que votaram a favor e contra o divórcio, para distinguir bem aqueles que estão afinados com nosso pensamento e confrontar suas posições por ocasião das campanhas eleitorais”, disse Lorscheider, que em outra oportunidade chegou a divulgar uma lista de advertências para quem quisesse se divorciar:

“O divorciado não poderá, enquanto estiver nessa condição, confessar-se. Não poderá, licitamente, aproximar-se da mesa eucarística, nem ser padrinho ou madrinha. O divorciado, se não arrependido, não poderá receber a unção dos enfermos e o viático. […] Não poderá ser rezada missa, a não ser em caráter particular, para o divorciado. Além disso, a autoridade eclesiástica, se julgar necessário, poderá excomungá-lo.”

Posição esta que foi criticada pela Folha em editorial publicado em 22 de junho de 1977: “Não pode se admitir como construtivo, por exemplo, ameaçar divorcistas com a possível privação de sacramentos […] Tais advertências sombrias, talvez inspiradas pelo ardor do clímax de uma campanha exaustiva, expõe a Igreja ou a descrédito, como decorrência de eventual recuo futuro, ou a uma obstinada luta punitiva, incompatível com o espírito de amor e perdão do Evangelho”.

Alguns parlamentares desabafaram sobre a pressão exercida pelos religiosos. “Este Congresso está sendo pressionado de todas as maneiras. Temos recebido cartas, telegramas, cartões e até telex oficiais, apelando para que voltemos atrás e não sejamos favoráveis ao divórcio”, disse o deputado Célio Marques Fernandes (Arena), que desafiou: “Domingo irei comungar na catedral de Brasília e duvido que algum padre vá me negar a hóstia sagrada”.

RESISTÊNCIA POLÍTICA

Mas no Congresso também haviam aqueles contrários à aprovação da emenda. Em 14 de junho, o senador Ruy Santos (Arena), relator da comissão mista, fez alerta aos colegas.

“Santo Agostinho disse: ‘O demônio é quem fez o divórcio’. Se o divórcio vier, virá depois o aborto legalizado e, depois, a prostituição legalizada. E será o fim da família e a expressão ‘família’ terá de ser substituída por outras como “da junção”, do “companheirismo.”

No entanto, segundo a reportagem da Folha enfatizou, talvez o parlamentar nunca tivesse sido tão vaiado em sua vida como no dia em que expôs sua opinião antidivorcista.

No dia seguinte, o divórcio foi aprovado, em primeira discussão, por 219 votos a favor e 161 contra. Franco Montoro (MDB), líder da oposição no Senado, e outros 42 políticos não compareceram à sessão.

A última batalha dos divorcistas estava marcada para o dia 23 de junho. Foi quando rumores de que Igreja e governo haviam feito um pacto pela não aprovação.

“O presidente Ernesto Geisel permanece e permanecerá inteiramente imparcial na questão do divórcio, e não poderia ser de outra forma.” A declaração, dada pelo chefe da Assessoria de Imprensa da Presidência, o coronel Toledo de Camargo, foi para desmentir o burburinho que ganhava cada vez mais força no Congresso e gerava embates e questionamentos entre os políticos.

O líder do governo na Câmara, o deputado arenista José Bonifácio, considerado católico fervoroso e totalmente favorável ao matrimônio indissolúvel, ia a público com frequência para negar quaisquer boato de um acordo entre Estado e católicos.

A CNBB também desmentiu que houvesse qualquer tipo de manobra com o Executivo federal.

Desde o início das discussões, Geisel, que mesmo não tendo ido a público para dar declarações sobre o tema, através de seus porta-vozes sempre deixou clara a posição de que cada parlamentar deveria decidir “de acordo com a própria consciência”.

E assim veio a segunda votação para derrubar qualquer hipótese de conluio entre religiosos e governo. O divórcio foi aprovado por 226 votos contra 159, 14 a mais que do o necessário. No dia 28 de junho, o presidente do Congresso, Petrônio Portela, assinou a promulgação da emenda constitucional nº 9, que tornava dissolúvel o vínculo matrimonial.

Após a aprovação, a pressão da Igreja ainda existia, mas foi diminuindo gradualmente.

O caminho estava aberto para que, no dia 25 de agosto, os senadores Nelson Carneiro e Acioly Filho apresentassem um projeto de lei com a finalidade de regulamentar o divórcio.

A partir disso, as discussões que se estenderam entre as duas casas do Congresso se deram apenas em torno de alterações ou não de artigos.

A aprovação pelo Senado aconteceu na madrugada de 4 de dezembro de 1977. Já a sanção presidencial, sem alterações no texto enviado, foi efetuada no dia 26 de dezembro pelo presidente Geisel, um adepto do luteranismo.

Vale ressaltar que dom Paulo Evaristo Arns e dom Aloísio Lorscheider, personagens citados no texto, apesar de contrários ao divórcio na época, lutaram contra a ditadura e ficaram reconhecidos como líderes progressistas da Igreja Católica no Brasil.

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