OUTROS DIAS DA MULHER: Governo Dilma jogou luz sobre aborto, mas legislação continua a de 1940
O ano de 2010 apresentou mais uma barreira superada pelas mulheres, quando o Brasil elegeu Dilma Rousseff, primeira mulher na Presidência na história do país. Mas, apesar de muitas lutas e vitórias femininas, o aborto –regido pelo Código Penal de 1940– foi tema de intensos debates durante os mandatos da petista e continua sendo uma das pautas mais polêmicas em relação ao direito da mulher.
Na campanha eleitoral de 2010, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) chegou a distribuir panfletos orientando os fiéis a só votarem em “candidatos ou candidatas e partidos contrários à descriminalização do aborto.”
Em meio ao conflito ideológico, Dilma chegou a prometer que, se eleita, não proporia alterações de pontos que tratassem da legislação do aborto, contrariando o PNDH-3 (Plano Nacional de Direitos Humanos), documento que previa a descriminalização do aborto.
A decisão da petista agradou aos religiosos, e reportagem da Folha de 17 de fevereiro de 2011 mostrou que a presidente foi poupada de cobranças em relação ao tema no primeiro encontro com membros da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). “Me parece que esse tema [aborto] já foi encerrado durante a campanha”, disse dom Dimas Lara Barbosa.
Em agosto do mesmo ano, integrantes de movimentos sociais e da Marcha das Margaridas, que reuniu 45 mil trabalhadoras rurais em Brasília, listaram uma série de projetos em defesa dos direitos das mulheres. Entre diferentes demandas, falaram sobre a legalização do aborto no Congresso, ambiente habitado por maioria política masculina e conservadora.
“A mulher é obrigada a ser mãe. Nós não temos o direito neste país, hoje, de decidir sobre nosso corpo, de decidir se a gente quer ou não quer ser mãe. E esses projetos que hoje estão em pauta no Congresso Nacional não somente nos criminalizam como levam milhões de mulheres à morte”, protestou Rosane Silva, secretária nacional da mulher trabalhadora da CUT (Central Única dos Trabalhadores), durante o debate na Subcomissão em Defesa da Mulher, no Senado.
Em dezembro de 2011, na 3ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, Iriny Lopes, então ministra da SPM (Secretaria Especial de Políticas para Mulheres), afirmou que o debate sobre a descriminalização do aborto deve ser feito entre movimento social e Congresso. Iriny lembrou o compromisso feito pela então candidata Dilma de não capitanear alteração na lei nesse sentido.
“Nenhuma pessoa de gestão que tenha sensibilidade e ouça os números admite que as mulheres continuem morrendo em decorrência de aborto”, afirmou Eleonora Menicucci, ministra da SPM recém-nomeada por Dilma Rousseff em fevereiro de 2012.
Porém, durante cerimônia de posse de Eleonora Menicucci, a presidente voltou a se posicionar. “Eleonora é uma feminista que respeitará seus ideais, mas que vai atuar segundo as diretrizes do governo em todos os temas sobre os quais terá atribuições”, disse Dilma. Mesmo assim, a fala da ministra gerou protestos dos bispos CNBB. “Gostaríamos de reafirmar que a questão do aborto não pode ser entendida como questão ideológica. Nós colocamos com o sentido de vida humana”, disse d. Leonardo Steiner.
Durante os dois mandatos de Dilma Rousseff, líderes católicos, como Padre Marcelo, deputados e senadores da bancada religiosa, todos lutaram para barrar qualquer avanço em relação à descriminalização do aborto. O projeto de lei do “Estatuto do Nascituro”, que estabelece uma série de garantias ao bebê em gestação, embriões congelados e define uma espécie de “bolsa” para a mulher vítima de violência sexual que mantiver a gravidez, também foi considerado um retrocesso por diferentes entidades.
Em março de 2013, o Conselho Federal de Medicina, que defendia a autonomia da mulher em relação ao aborto, foi criticado por d. João Carlos Petrini, bispo da CNBB. “O que consideramos grave nesse contexto é o poder ‘educativo’ –que é deseducativo, na verdade– que um órgão importante como o Conselho Federal de Medicina tem, o poder de criar mentalidades”, avaliou.
A legislação eleitoral assegura a presença de pelo menos 30% de mulheres nas listas eleitorais dos partidos, mas a representação feminina ocupa apenas 51 das 513 cadeiras da Câmara dos Deputados, daí vem as principais dificuldades para o avanço das discussões sobre a legalização do aborto e políticas públicas eficazes para as mulheres. Mesmo assim, protestos e mobilizações aumentaram em todo o país.
Em 28 de setembro de 2016, no Dia de Luta pela Descriminalização do aborto na América Latina e Caribe, foi realizada uma virada feminista virtual para falar sobre a questão do aborto enquanto direito sexual e reprodutivo das mulheres.
Atualmente, o aborto continua sendo criminalizado no Brasil, a não ser em casos em que a gravidez resulte de estupro, represente risco de vida para a gestante, quando o feto seja portador de anencefalia e nos três primeiros meses de gestação.