Em 1943, Di Cavalcanti rebateu crítica de livro de Oswald de Andrade feita por Antonio Candido

Na seção “Notas de Crítica Literária” do dia 24 de outubro de 1943, publicada na Folha da Manhã, o crítico Antonio Candido (1918-2017) analisou a obra “Marco Zero 1 – A Revolução Melancólica”, do escritor Oswald de Andrade (1890-1954). Insatisfeito com a crítica, o pintor brasileiro Di Cavalcanti (1897-1976) publicou artigo em 15 de dezembro para rebater o que ele chamou de “última fornada” de críticos da literatura.

Abaixo, leia como foram publicados na época os textos de Antonio Candido e de a Di Cavalcanti.

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MARCO ZERO (24.OUT.1943)

ANTONIO CANDIDO 

Aí está finalmente, “A Revolução Melancólica”, primeiro volume da série “Marco Zero” tão largamente trabalhada e anunciada pelo senhor Oswald de Andrade.

Em artigo anterior, já tentei situar o autor no panorama da nossa literatura e indicar a importância do livro de agora, então no prelo, para o conjunto de sua obra.

Obra, como sugeri, menos relevante e menos significativa do que a ação do autor – das mais efetivas e eficientes na literatura moderna do Brasil. Talvez me objetem, dizendo que há as “Memórias Sentimentais de João Miramar”, que há o “Serafim Ponte Grande”. Eu responderei que essas duas obras, incontestavelmente de grande valor, estão presas demais a condições momentâneas, isto é, corresponderam a certas necessidades de afirmação e empenharam uma função – mas só ganhariam relevo definitivo se ele produzisse posteriormente uma obra que fosse a maturação e a realização do que nelas, obra de combate e de ensino, era inovamento, e ataque.

Quanto à técnica de “A Revolução Melancólica”, precisamos remontar até antes de mil novecentos e vinte para encontrar a sua descoberta pelo autor. Porque este livro continua fielmente o cinematografismo e a síncona d’”Os Condenados”. Se prende muito mais a este do que ao “Serafim Ponte Grande”. O “Serafim” foi um intermezzo mais sincopado dessa técnica levada nele até à elipse a língua adquirindo um valor por assim dizer telegráfico.

Num romance de grandes proporções, como é a “A Revolução Melancólica”, não podemos deixar de sentir, talvez não tanto a deficiência desta técnica quanto a aplicação deficiente que fez dela o sr. Oswald de Andrade.

Este livro é um bombardeio de pequenas cenas, muitas delas providas da sua competente chave de ouro. Processo bom, me parece, para captar a multiplicidade e os simultaneísmo do real. Que afasta, seja dito, qualquer veleidade de aprofundamento psicológico mais acentuado.

Esta técnica miudinha, este processo de composição em retalhos, só serve para as visões horizontais da vida.

Para tanto, porém, é preciso que ao cabo o leitor possa perceber uma ordenação geral, essa poeira de cenas se organizando, efetivamente, numa visão de conjunto.

O que requer uma força excepcional por parte do autor e uma habilidade de homem de qui????. Do contrário, resulta apenas um panorama detalhístico, do qual não ressaltam a unidade e a largueza desejada. É este, de certo modo, o caso do livro em questão.

Nele, o sr. Oswald de Andrade nos aprece numa posição como que de equilíbrio instável, que não é fácil de definir.

O seu assunto é maravilhoso. Uma das condições de perfeição de um livro é o fato dele encerrar em si alguns dos aspectos fundamentais da sua época. E Stendhal dando forma à luta do mérito contra os privilégios da Restauração: Balzac espelhando toda agitação humana, a mobilidade horizontal e vertical que recompunha e deslocava as classes na primeira metade do século XIX: Dostoievski e Tolstoi colocando a problemática do homem russo e o sentido da sua história.

Em “A Revolução Melancólica” não falta esta condição. Sua matéria é a revolta de Trinta e Dois, desabafo da grande burguesia golpeada no seu centro vital – o café.

Um momento excepcional de crise numa classe em desorganização. Em torno dela, girando sob a atração da sua órbita, os grupos dependentes: colonos, agregados, domésticos, clientes. Em oposição a ela, e tentando libertar-se da sua esfera de domínio, o número reduzido dos que procuram insuflar nos seus dependentes uma consciência de classe esbulhada e uma atitude correspondente de luta. Ao seu flanco, crescendo à sombra dos seus interesses e da sua incúria, os quistos raciais, insulados pelo particularismo, ganhando a terra pelo canal das colônias rurais.

No caso, os japoneses. O momento, as vésperas da revolução, quando todos esses grupos e todos esses problemas se extremavam em incompatibilidades agudas.
Como se vê, o material do autor é melhor possível. A sua intenção, fazer romance social, como diz em post-seriotum “Marco Zero” tende ao afresco social. É uma tentativa de romance mural”.

Para falar numa linguagem que lembraria a da prudência este livro, este livro contém muita coisa boa e muita coisa ruim. Como quase tudo no mundo se poderá responder. No caso, todavia a frase não é usada como simplificação do problema, mas com expressão muito justa da sua complexidade.

O que irá de com “A Revolução Melancólica” é um bom sólido definitivo feliz. O que há de mau nela é também um mau sólido, infeliz, definitivo. Se houvesse um ritmo do bom e do mau, se interpenetrando, tudo estaria salvo e o sr. Oswald de Andrade teria feito talvez uma obra prima.

Desenvolvimento dialético do bom e do péssimo são muitos livros de Balzac que vivem justamente da condição de ordenamento que domina um e outro aspecto, combinando-os.

N'”A Revolução Melancólica” há, todavia, um paralelismo irremediável do bom e do maus coexistindo estanques, este atrapalhando aquele e não justificando a sua existência. Faltou ao sr. Oswald de Andrade o golpe de mão para enfeixar as linhas que lançou e dar ao livro a inteireza das obras fortemente realizadas onde as deficiências se tornam como que desarmonias normais num todo complexo.

Neste livro é facilmente observável uma antinomia entre observável uma antinomia entre concepção e realização. O concebido, quase, grandioso, tendo eu já indicado o quanto há nele de vigor e de largueza. O realizado, não lhe correspondendo. E é esta antinomia irremediada que suprime no livro a possibilidade dialética de ultrapassar as fraquezas, vencendo-as num desenvolvimento fecundante.

Quantas vezes não paramos em meio à leitura d'”A Revolução Sentimental” para tomar fôlego, cansados de esperar uma solução literária para as perspectivas que o autor vai abrindo a pequenos golpes. Tem-se às vezes a impressão de rodada em falso, de movimento que não progride. Na poeira das suas pinceladinhas, o sr. Oswald de Andrade vai largando tinta de muitas cores. E não me parece que no fim elas consigam se dispor segundo o afresco que o autor diz ter intentado. Mesmo porque – palpite de leigo… – não creio que pontilhismo seja técnica mais indicada para os murais.

E essa crítica que penso poder fazer a estrutura d'”A revolução sentimental” e ao seu significado como criação literária crítica voluntariamente acentuada, pois estamos diante de um veterano cheio de louros, e não de um principiante que necessite dela.

De outra natureza são as observações sobre a língua e a psicologia.

A psicologia do sr. Oswald Andrade continua sumária. Aliás, ela não é condição essencial para o tipo de livro que quis fazer. A penetração psicológica está geralmente condicionada por um certo grau de discursividade, de desenvolvimento literário, que não se encontra nos seus rápidos close-ups.

Em compensação, a sua técnica implica um conhecimento pelo dado exterior pelo detalhe expressivo e pitoresco. Este conhecimento aparece largamente no livro. O autor possui, como poucos, a qualidade da eloquência pela elipse.

Uma rápida demão, um traço acentuado um corte hábil e um tipo, uma cena, um aspecto significativo ou simbólico. Habilidade perigosa, pela tentação do malabarismo verbal e técnico a que o autor nem sempre resiste.

A sua força em condensar e em revelar pelo traço justo o leva ao culto da imagem. Sempre o levou. A “Trilogia do Exilio” é uma série afogada pelo abraço de anteu da metáfora. No livro de agora, a forma se apresenta muito mais despojada embora o mau gosto e o primarismo de certas imagens ainda nos choquem desagradavelmente.

A metáfora é um caso literário muito sério e o seu valor na expressão é capital, isso, porém contanto que valha por si, como realização formal de uma intenção que encontre nela, e só nela a sua plenitude. Usada como reforço amplificador, escorrega rapidamente para muleta de estilo, o estilo que precisa de muleta aleijado está.

Certas qualidades, como falei são definitivas na “A revolução melancólica” e lhe garantem um nível digno no nosso romance.

Valor documentário ele o tem e no melhor sentido. O autor penetrou no mecanismo social de uma fase da evolução brasileira e conseguiu trazer para a literatura as suas linhas significativas.

Criador, ele se mostra na própria seleção dessas linhas. A escolha do tipo de romance corresponde a sua intenção acertada: a sua realização é que não se manteve à altura.

Os personagens, em grande número e de vária espécie se ressentem da limitação que a técnica impôs à psicologia. São mais pitorescos do que impressivos, tem um significado mais alegórico do que humano. Não há um grande tipo criado neste romance de tipos. Salvo, talvez, a italiana velha – a miguelona.

Fracos individualmente os personagens do sr. Oswald de Andrade adquirem um realce maior, se tomados em conjunto como devem ser. Aí o seu valor simbólico não choca tanto, e eles vivem da ciência do relacionamento segundo a qual o autor os move.

Não seria possível encerrar esta crônica sem mencionar a perfeição com que a fala dos estrangeiros é reproduzida, sobretudo, a dos italianos e a japonesa. A sua sugestão é real e o seu efeito indubitável no conjunto da obra.

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O pintor Emiliano Di Cavalcanti (Foto: Acervo Acervo UH – 1975/Folhapress)

O DRAMA DO MARCO ZERO (15.dez.1943)

DI CAVALCANTI

Para a Folha da Manhã

De fato, deve ser muito difícil fazer o sr. Antonio Candido gostar do Marco Zero. Tudo me leva a compreender que esse crítico da última fornada não satisfaça o desejo incontido de Oswald de Andrade de ser aplaudido pelos moços.

O autor de Serafim Ponte Grande dá uma importância à mocidade de hoje e ele desejaria tê-la ao seu lado. Não vejo, porém, como isto possa acontecer. Os moços literatos de hoje preferem o outro Andrade, o Mário, não pelo que ele possui de poeta lírico, mas pelo que ele tem de professoral. Os rapazes pensam que o homem de Macunaíma sabe de tudo direitinho, tal e qual um professor da Universidade de Basileia e deixam cair o queixo com aquilo que será o bagaço na obra do grande artista do Noturno de Belo Horizonte –sua obra crítica.

A nova geração é a primeira de técnicos da literatura que o Brasil conhece. Admitamos que ela possua uma técnica deficiente, mas o de que não dúvidas é que os moços saídos das Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras são técnicos compenetrados. Querem uma literatura dirigida. Os nossos Zé Veríssimos de cueiro não admitem nada fora dos eixos. Elogiando Oswald de Andrade, mentiriam ao destino que lhes está reservado em nosso mundo de letras e que é o de cacetear o leitor com uma suposta probidade de clérigos.

Marco Zero é um livro difícil de ser apreciado sem paixão. É um livro antipático. Seus personagens são homens carregados de taras, de sectarismo, de literatura…

O exame da situação social do Brasil está feito no livro de Oswald de Andrade de maneira rebarbativa. Há uma contaminação infecciosa no leitor desde o primeiro capítulo, e é em estado de angústia que devoramos páginas e páginas de grande intensidade, que nos atiram, entretanto, num socavão de marxismo romantizado, muito a contento de pequenos burgueses exaltados e fracos.

Não sou críticos de livros, estou escrevendo mais para falar de Oswald de Andrade –o homem. Permito-me, entretanto, dizer que este livro tão esperado que nos revela um Oswald que se contradiz quando nos quer aparecer como escritor para as massas porque ele não faz, para ser compreendido pelas massas, o sacrifício de suas pequenas faceirices literárias e de seus jogos de espírito, tão de acordo com o gosto burguês.

Evidentemente, Oswald de Andrade é um burguês que deseja ultrapassar seu destino de escritor de uma classe.

O mundo atual, em toda sua sordidez disfarçadas por falsas grandezas, cheira mal ao artista. A posição de Oswald é a mais louvável. Mas, sendo seu desejo integrar-se no proletariado como um escritor de proletariado, seria natural que ele abandonasse o seu antigo estilo de escritor das elites. As elites podem compreender um escritor precioso, o povo nunca.

O mal de Oswald na sua missão atual é seu preciosismo.

Marco Zero é um romance que li sentindo em cada página o seu autor. Ele está sempre presente ao lado de seus personagens, manejando-os de acordo com seus desejos. Até a paisagem, a atmosfera, as coisas nesse romance possuem a marca de Oswald.

Creio que o grande romance é aquele que foge o mais possível dos limites sensitivos de seu autor, e por isso acredito ser Tolstoi maior do que Dostoiévski e Balzac maior que Flaubert.
Sthendal sempre foi um repetidor da linguagem comum dos apaixonados. Não tem um estilo seu, quer –dizer, procuradamente– seu. Toma conta do leitor, como uma notícia de um fato cotidiano de natureza importante nos faz ler os jornais.

Oswald de Andrade poderia escrever “Salambô” se o deixassem por certos palavrões na boca de tão distante princesa. Não escreveria nunca “Germinal” de Zola…

O diabo é que estou entrando em seara alheia, falando até em Sthendal, autor tão conhecido, mas que atualmente está à disposição dos srs. Alvaro Lins, Livio Xavier e Antonio Candido, que andam dogmatizando sobre o grande homem de Grenoble com mais conhecimentos que um Saint-Beuve, um Léon Blum ou um Paulo Hazard!

Como disse acima, este artigo tem por fim falar de Oswald de Andrade –o homem, esse grande atormentado pelo mal da inteligência.

Oswald de Andrade é a inteligência agindo em permanente investida contra as nutridas usinas da estupidez. Ele não tem complacência. Sua missão no Brasil literário é a da soda cáustica. É o antídoto do literato que, pacientemente, fez sua carreira burocrática até a glória acadêmica.

Quase sempre ele anda errado, pulando de um lado para outro, num desperdício que para muito chega a ser suspeito. Ninguém, porém, como ele, na atualidade cultural do Brasil, é mais convulsivo, mais excepcionalmente artista. Oswald de Andrade tem todas as graças e malícias de um senhor do século 18. Seus epigramas irônicos, no entanto, são mais causticantes. Ele vê demasiadamente o fundo das coisas, sentenciando lucidamente sobre o destino dos homens e dos acontecimentos.

Ainda o outro dia, ele me dizia de um pobre troca-tintas que vive a dizer horrores de Lasar Segall, artista que é a glória da comunidade israelita do Brasil: –“Pobre, ele queria ser como o Segall: pintor e judeu”.

Acrescente-se que o pérfido maldizente também vende móveis antigos ou usados e se queixa sempre de seus pequenos lucros.

Oswald de Andrade ama o espetáculo. No dia de sua formatura em Direito, foi à minha casa, já encartolado, dando-me a honra de me convidar para companhia de um estranho passeio que desejava fazer antes de colar grau. Aceitei o convite com prazer. Tomamos um automóvel daquela época (1918), todo envidraçado e altíssimo. Nesse veículo de Ópera Cómica, demos três voltas pelo “Triângulo”, lentamente à maneira das elegantes que se exibiam naquela época. Em seguida, nos dirigimos à velha Faculdade. Quando descemos do precioso automóvel. Oswald me preveniu: –“Não se assuste, encomendei uma vaia para mim. Seria ridículo que eu fosse aplaudido como vai ser o…” e pronunciou com o maior desprezo o nome de um líder acadêmico então em voga sob as Arcadas.

Como estão vendo, conheço Oswald desde 1918. Admiro todos os tesouros de sua verve incomparável. Ele é um homem raro, raríssimo mesmo neste Brasil de inteligências avelhantadas, adoecidas ou acovardadas. Seu novo livro, primeiro de um ciclo de romances, demonstra mais uma vez como é marcada sua personalidade.

Oswald de Andrade tem o mesmo defeito de Euclides da Cunha, no estilo. Defeito tão forte e tão excepcional para seu modo de expressão que seria verdadeiramente um milagre abandoná-lo. Há certas páginas de Marco Zero, que nos satisfazem como uma rara água-forte impressionista.

“No livro, o que evidentemente me irritou, não tira a grande significação que ele possa vir a ter na nossa história literária.

Oswald de Andrade pertencendo pequeno grupo de sua geração que verificou a pouca importância de certos movimentos de caráter permanente estético, tão ao agrado de certos corifeus do modernismo.

Quando ele fundou Antropologia, já procurou ao evadir do preciosismo escandaloso de 1922. Ele não quis também dar às suas interpretações do homem brasileiro um caráter de descoberta de um ser à mercê da cupidez pseudonacionalista de políticos reacionários. O ‘anti-verdeamarelismo’. Deste saiu o Integralismo de Plinio Salgado, cujos males para o Brasil todos conhecem.

Oswald de Andrade, saindo do drama egocêntrico de sua geração –geração que nos deu tanta literatice pedante, burilada e vazia – entrou no drama da luta social brasileira desorientado. No tumulto das paixões atuais ele possui o seu calo de filho de família abastada, seus compromissos unilaterais, suas atitudes muito fin-de-siécle um dandy das barricadas. Creio, porém, que isso não invalida sua coragem de escritor, sobretudo sua magnífica posição de polemista em nossa imprensa.

Esse livro que não me agrada é um livro que possui uma coisa rara no Brasil: coragem! Muitos literatelhos de fancaria, atrevidos e vazios, quiseram ver na minha volta à Igreja Católica uma acomodação nos quadros conservadores de nossa sociedade. Esses pobres diabos, são homens de bitola e de bitola estreita. Voltar a acreditar na presença onipotente de Deus protegendo o homem não significa fugir aos imperativos da liberdade de consciência. Esta liberdade de consciência, que me fez voltar a Deus, não me deixa esquecer os males sociais de meu povo. A Igreja tem servido para refúgio da fraqueza moral de muita gente. Estes querem uma Igreja de classe e uma religião reacionária.

No Brasil –é triste verificar– o clero, na sua maioria, voltou as costas à inteligência. Apesar, eu não vou me acovardar e fugir aos apelos de minha consciência, livre, que me faz aceitar a palavra do Cristo como a doutrina que consola e estimula o homem.

Um católico, lendo o livro de Oswald de Andrade, sente os dissabores de ver vagando nas suas páginas um mundo de transviados sofredores. Se esse católico possui uma noção exata do mundo moderno, só tem um pensamento: lutar ao lado dos oprimidos contra os opressores.

A Igreja Católica não pode ser um carro de ouro desfilando numa rua de miseráveis. E a ação social católica deve se colocar a serviço do povo. Sei que é esse seu mister.

O ateísmo do livro de Oswald de Andrade faz parte de suas atitudes atuais. Oswald, porém, está marcado pelo catolicismo. As palavras do Cristo ressoam em seus ouvidos. Ele não consegue fugir às reações íntimas de um verdadeiro crente. A dúvida, na possibilidade de um corpo social saído de métodos materialistas demasiadamente primários, anda sempre perseguindo o autor de Marco Zero. E por isso ele dá a seus personagens toda a essência satânica de seus próprios pecados. Esses revoltados como que procuram se ajoelhar desesperados com as soluções políticas. Assim é o autor desse fantoche que vive temendo a cogitação filosófica, temendo a solitude do pensamento puro.

Esse drama de Oswald de Andrade, o homem que quer cartaz, é um drama profundo: nele está escondido o drama do homem que quereria ter a paz do amor familiar sobre todas as coisas. A crítica organizada de uma geração de técnicos, que tanto magoa os artistas, não pode compreendê-lo.

Sem o consolo da penitência, Oswald de Andrade torna-se cada vez mais só na sua grandeza monstruosa. E não serão os almoxarifes ineptos do materialismo dislético os companheiros de um homem marcado pela estrela do Apocalipse.