Dura na queda, Elza Soares chega com fôlego aos 80

Alberto Nogueira

“A melhor cantora do milênio.” Assim a rádio BBC de Londres intitula* Elza Soares, que completa 80 anos nesta sexta-feira (23).

Já a própria Elza se define como uma fênix, igual a que tem tatuada na batata de sua perna. “Porque eu sou uma delas, estou sempre renascendo de alguma coisa”, disse em entrevista à Folha, em 2015.

De fato, a cantora tem razão. De origem humilde, a artista passou por altos e baixos em sua vida pessoal e profissional.

Nascida e criada na favela de Moça Bonita, hoje conhecida como Vila Vintém, zona oeste do Rio, Elza foi obrigada pelo pai a se casar aos 12 anos com Alaúrdes Soares, então com 22.

Um ano depois da união, a jovem foi mãe pela primeira vez. Com o marido, teve outros quatro filhos. Dois deles morreram de fome, pois o casal mal tinha como se manter.

Tão precoce quanto seu casamento foi sua viuvez, aos 21. Como herança ficou com o sobrenome de Alaúrdes.

Encaixotadora e conferente em uma fábrica de sabão, Elza deu início em sua carreira musical com um teste na Rádio Tupi, em 1953, no programa “Calouros em Desfile”, de Ari Barroso (1903-1964).

Antes de se apresentar, a franzina garota negra, de marias-chiquinhas, vestida com uma saia azul de sua mãe, com ajuste improvisado com alfinetes, virou piada na boca do apresentador, que fez a plateia rir ao perguntar de que planeta ela vinha. A resposta foi arrebatadora, assim como sua performance cantando “Lama”, de Aylce Chaves e Paulo Marques: “Do mesmo que o seu, seu Ary. O planeta fome”.

Ajudada pela indicação de um irmão, Elza foi crooner da orquestra do maestro Joaquim Naegele (1899-1986). Depois, atuou no teatro ao lado de Grande Otelo (1915-1993), antes de gravar pela Odeon um disco de 78 rotações por minuto que tinha o samba “Se Acaso Você Chegasse” –de Lupicínio Rodrigues–, música que alavancou de vez sua carreira.

Já famosa, a cantora da voz rouca conheceu o jogador Garrincha (1933-1983), que, após a Copa do Mundo de 1962, no Chile, largou a mulher para viver com ela.

O casal sempre foi notícia. No início, por estarem sempre juntos, felizes em fotografias publicadas em jornais e revistas. Depois, por deixarem o país após terem sua casa metralhada durante a ditadura e pelo término do relacionamento.

Os dois tiveram uma relação intensa, mas que não sobreviveu ao vício do craque das pernas tortas: o álcool.

Além de ser conhecido como exímio mulherengo, Garrincha batia em Elza. Depois de tentar ajudá-lo, sem sucesso, a vencer o alcoolismo, Elza decidiu se separar para dar um basta na violência que sofria.

Por anos a artista, que era a vítima, foi acusada pela opinião pública de ter abandonado o bicampeão mundial de futebol e de ter sido a responsável pela ruína dele.

Não bastasse a morte de Garrincha em 1983, três anos depois a cantora perdeu o filho Garrinchinha em um acidente de carro –com o ex-jogador também adotou uma menina, Sara.

Em parte da década de 1980 a carreira também não ia nada bem. Mas, como altos e baixos sempre fizeram parte de sua trajetória, a artista se reergueu novamente com alguns trabalhos elogiados.

Só que a vida lhe daria mais um tombo, desta vez de forma literal. Em 1999, Elza caiu do palco do extinto Metropolitan. De lá para cá passou por três cirurgias na coluna, tem um pouco de dificuldade para caminhar e se apresenta sentada nos shows. Adiante, ainda passaria pela dor de perder seu quarto filho.

‘ME DEIXEM CANTAR ATÉ O FIM’

Como a cantora já disse, porém, ela é uma fênix, a ave lendária que ressurge das cinzas.

Atualmente, a artista colhe os louros do sucesso de “Mulher do Fim do Mundo” (2015) –seu primeiro disco de inéditas em mais de seis décadas de carreira–, vencedor do Grammy Latino na categoria “Melhor Álbum de Música Popular Brasileira” e escolhido entre os dez melhores álbuns de 2016 pelo jornal “The New York Times”.

Nele, Elza canta “Maria de Vila Matilde”, história que ela conhece bem, sobre uma mulher vítima de violência doméstica.

“Cadê meu celular? / Eu vou ligar pro 180 / Vou entregar teu nome / E explicar meu endereço / Aqui você não entra mais / Eu digo que não te conheço / E jogo água fervendo / Se você se aventurar…”

Ativa, Elza completa 80 anos nesta sexta-feira (23) sem pensar em aposentadoria. E isso ela deixa claro no verso “Me deixem cantar até o fim”, da música que dá nome ao seu último trabalho.

*Prêmio concedido em 2000.