Folha acompanhou e teve participação fundamental no caso PC Farias

Nesta estreia do “Blog do Acervo Folha”, um crime que até hoje não se sabe quem cometeu e quais foram suas reais motivações. Há 20 anos, o empresário Paulo César Cavalcanti Farias, também conhecido como PC Farias, e sua namorada, Suzana Marcolino, foram encontrados mortos. A Folha acompanhou todo o desenrolar dessa história e sua cobertura foi fundamental na reviravolta que o caso teve.

PC Farias ficou conhecido do público geral por ter sido o tesoureiro da campanha de Fernando Collor à Presidência, em 1989 –o primeiro eleito de forma direta pelo povo depois da ditadura (1964-1985)–, e também por ser peça-chave no escândalo de corrupção que levou o presidente ao impeachment.

Em maio de 1992, a revista “Veja” divulgou um dossiê que implicava PC Farias em um grande esquema de movimentação de recursos no exterior. O empresário cobrava propina de empresários interessados em “favores” do governo e depositava o dinheiro em contas fantasmas. Pedro Collor, irmão mais novo do presidente, fez denúncias à publicação e afirmou que o empresário era “testa-de-ferro” de seu parente, que era beneficiado com o pagamento de suas despesas pessoais. O presidente negou.

Depois disso, uma CPI foi criada no Congresso. Nela, Pedro Collor reafirmou as acusações que já havia feito e empresários acusaram PC Farias de achacá-los. Durante o processo, a Folha obteve documentos que comprovavam relações comerciais entre o chefe do Executivo nacional e o empresário alagoano.

O jornal também revela os “fantasmas” que depositavam cheques na conta de Ana Acioli, então secretaria de Collor.

As denúncias e irregularidades não paravam de aparecer, e o andamento do processo de cassação torna-se inevitável. Em outubro, o Senado afasta Fernando Collor temporariamente e, em dezembro, cassa seus direitos políticos. Era o fim precoce de uma gestão que assumiu o país cheia de promessas, mas com os mesmos vícios corruptos de outrora.

PRISÃO E MORTE

Paulo César Farias tem sua prisão preventiva decretada pela Polícia Federal em 30 de janeiro de 1993, por sonegação de impostos. Porém, ele não se apresenta e desaparece. Foragido, é encontrado após 153 dias, em um hotel cinco estrelas de Bancoc, na Tailândia. O empresário é preso e trazido ao Brasil.

PC Farias, no voo RG 829, que trouxe da Tailândia em 2 de dezembro de 1993. Crédito da Imagem: Ormuzd Alves/Folhapress
PC Farias, no voo RG 829, que o trouxe da Tailândia para o Brasil em 2 de dezembro de 1993 (Crédito: Ormuzd Alves/Folhapress)

No começo do ano seguinte, PC e Jorge Bandeira  -seu sócio na Brasil Jet Táxi Aéreo- são condenados a quatro anos de prisão por sonegação de impostos no valor de US$ 1,7 milhão. Com isso, permanece na Companhia de Choque da Polícia Militar em Brasília, onde já estava encarcerado devido a um pedido de prisão preventiva por evasão de divisas, em outro processo que envolveu a empresa Miami Leasing, também de sua propriedade.

Em 14 de dezembro de 1994, o Supremo Tribunal Federal (STF) condena o ex-tesoureiro de Collor a sete anos em regime semiaberto por falsidade ideológica ligada às contas fantasmas. Mas, em meados do ano seguinte, deixa de vez a prisão para cumprir o restante da pena em regime aberto.

Paulo César Farias, 50, ainda deporia no STF sobre o esquema que operou, mas foi encontrado morto em sua casa de praia em Guaxuma (Maceió) ao lado de sua namorada Suzana Marcolino da Silva, 28, ambos com tiros no peito, no dia 23 de junho de 1996. Na época, funcionários disseram ter entrado no quarto pela janela e encontrado os dois corpos na cama. A polícia acredita em crime passional, mas não descarta “queima de arquivo”.

Folha - 23.mar.1999 - Primeira Página
Veja especial da Folha sobre os 20 anos do assassinato de PC Farias (Crédito: Folhapress)

A primeira hipótese levantada pela polícia foi confirmada no laudo do médico-legista Fortunato Badan Palhares, da Unicamp, em agosto do mesmo ano. O documento atesta que Suzana matou PC e depois se suicidou. Para justificar a trajetória da bala que a atingiu no peito, Badan afirmou que ela tinha 1,67m de altura e o empresário 1,63m.

Todavia, no ano seguinte o médico legista George Saguinetti contestou a tese de Badan Palhares ao afirmar que o casal fora assassinado. Ele e sua equipe fizeram uma “contraperícia” que apontou inconsistências na investigação original, como as marcas que ficaram na parede e na cadeira. Pela posição, o tiro deveria ter atingido o rosto ou o ombro de Suzana, ao se levar em consideração a altura de 1,67 m definida no laudo oficial. No entanto, o estudo de Saguinetti indica que Suzana era mais baixa -media cerca de 1,57m-, o que impossibilitava a trajetória do projétil descrita por Badan.

REVIRAVOLTA

A versão de homicídio seguido por suicídio começava a cair por terra quando a Folha, em 24 de março de 1999, publica fotos que mostram Suzana Marcolino, mesmo de salto, mais baixa que o namorado, que tinha 1,63 m.

No mesmo dia, o promotor Luiz José Gomes de Vasconcelos anuncia a retomada das investigações da morte do casal. “A Folha trouxe o elemento que faltava. Com esse elemento novo eu tenho um fato, uma prova real de que a altura não era descrita no laudo inicial. Nós passamos a vislumbrar uma nova versão para esse crime”, afirmou. Porém, no dia seguinte, o delegado Cícero Torres, responsável pelo inquérito, disse que PC Farias usava palmilhas para ficar mais alto. Versão que é prontamente derrubada pela Folha, que publica nova fotografia do ex-tesoureiro de Collor, que, mesmo descalço, parece mais alto do que Suzana.

Corpo de PC Farias no IML de Maceió; imagem foi feita por uma fresta em plástico que encobria janela. Crédito da Imagem Juca Varella/Folhapress
Corpo de PC Farias no IML de Maceió; imagem foi feita por uma fresta em plástico que encobria janela (Crédito: Juca Varella/Folhapress)

Em 31 de março 1999, a Folha mais uma vez traz novos elementos sobre o caso ao publicar imagens da necropsia de Suzana, na qual em nenhum momento o legista Badan Palhares mede a altura do corpo.

Procurado pelo jornal, o autor do primeiro laudo disse que não comentaria a necropsia e ainda afirmou que a Folha teria que “dar a informação” de como obteve as imagens. “Vocês não podem ter acesso ao vídeo”, reclamou.

Naquele momento, sobravam elementos para derrubar a tese do homicídio-suicídio. No mês de agosto do mesmo ano, um laudo inédito, de autoria do perito Ailton Villanova, da Polícia Científica de Alagoas, conclui que houve luta na sala da casa onde o casal foi morto e que funcionários mentiram na versão que contaram ter arrombado a janela para entrar no quarto onde os corpos foram achados.

Motivado pelo aparecimento das novas evidências, no dia 18 de novembro de 1999, um novo inquérito policial conclui que a morte do casal se deu pela disputa de poder e dinheiro do empresário. A polícia indicia o irmão de PC, o deputado federal Augusto Farias (PPB-AL), sob acusação de coautoria, além de oito ex-funcionários do empresário. É completamente afastada a versão de crime passional.

Foto que mostra que PC Farias era maior que Suzana Marcolino. Crédito: Reprodução
Foto que mostra que PC Farias era mais alto do que Suzana Marcolino (Crédito: Reprodução)

O relatório da polícia também constatou que a altura de Suzana era entre 1,53 m e 1,57 m, o que não a coloca na trajetória da bala que supostamente ela teria disparado contra si, descartando assim a hipótese de suicídio. O documento também enumera diversos argumentos para vincular Augusto ao assassinato, como a defesa exacerbada dos ex-seguranças suspeitos do crime, o pagamento da defesa dos ex-funcionários -mesmo depois de quatro indiciamentos- e o uso do jornal “A Tribuna de Alagoas” –de propriedade da família- para defender a versão de crime passional. A sua má relação com o irmão em questões financeiras também é questionada. Porém, Augusto não foi pronunciado pelo Ministério Público por ter foro privilegiado e quatro dos oito funcionários tiveram inquérito arquivado.

Em 24 de novembro de 2002, Folha mostra que parecer da Procuradoria Geral da República (PGR), que pediu o arquivamento do inquérito federal sobre o caso PC, ignorou provas produzidas em 1999 que derrubavam a versão inicial sobre a morte do casal. Baseado nesse documento da PGR, o STF encerra o processo.

A papelada é de autoria do vice-procurador Haroldo Ferraz da Nóbrega. Mas foi chancelada pelo titular Geraldo Brindeiro, que com essa ação se contradisse, pois, em 2000, declarou que “ficou cabalmente provado por meio de novas perícias –com o exame do corpo exumado e de fotografias da vítima- que Suzana (…) media no máximo 1,57 m, o que torna impossível a hipótese de suicídio”. Procurado, ele não explicou o porquê de ter mudado sua posição. Com o arquivamento do inquérito federal, o deputado Augusto Farias –que não conseguiu se reeleger em outubro daquele ano (perdeu o foro privilegiado)- e Badan –que se apurava suposto crime de falsa perícia- escaparam de um eventual julgamento em Alagoas. Os dois negaram ter cometido crime.

Já os ex-seguranças de PC, os policiais militares Adeildo dos Santos, Reinaldo de Lima Filho, Josemar Faustino dos Santos e José Geraldo da Silva foram levados a júri popular, em Maceió (AL). Durante o julgamento dos 4 réus, em maio de 2013, um dos peritos solicita a arma do crime para fazer uma demonstração, mas é informado que o objeto desapareceu do Fórum de Maceió. De acordo com o promotor Marcos Mousinho, o revolver sumiu durante reforma do local, entre 2008 e 2010.

No dia 10 de maio de 2013, o júri decide que casal foi assassinado, o que põe um fim na tese de homicídio-suicídio protagonizado por Suzana Marcolino. Os quatro ex-seguranças foram considerados omissos na noite do crime, mas absolvidos por “clemência”. Porém, não foi possível apontar o autor dos homicídios, algo que até hoje é um mistério, assim como o destino do dinheiro desviado por Paulo César Farias e a verdadeira motivação de seu assassinato. Teria sido uma disputa pelo poder e dinheiro do empresário, ou uma “queima de arquivo”? O tesoureiro da campanha de Collor era acusado de sonegação de impostos e enriquecimento ilícito, e poderia entregar outros envolvidos no esquema de corrupção em seu depoimento no STF, que seria na semana em que foi morto.