Há 80 anos, com ‘Alô! Alô! Brasil!’, surgiu na praça Mauá ‘ondas’ que ditaram cultura do rádio no país

Seria possível uma emissora que se desenvolveu numa ditadura –e com seu diretor sendo um ex-membro do Tribunal de Segurança Nacional– contribuir para a cultura brasileira sem impor limites à criatividade? De certa forma, a história da Rádio Nacional provou que sim. Com grandes shows, radionovelas, programas de auditório e uma ligação íntima com os ouvintes, o prefixo PRK-8 se tornou um fenômeno de massa numa época em que a televisão ainda não era ameaça.

“Alô! Alô! Brasil! Aqui fala a Rádio Nacional do Rio de Janeiro.” Essas foram as primeiras palavras transmitidas em 12 de setembro de 1936, quando, às 21h, num prédio localizado na praça Mauá, o radialista e ator Celso Guimarães inaugurou o primeiro programa da Rádio Nacional ao som de “Luar do Sertão”, canção de João Pernambuco e Catulo da Paixão Cearense, tocada em vibrafone por Luciano Perrone.

A emissora nasceu num ambiente de disputa por audiência e verbas publicitárias entre os jornais e as rádios Tupi e Mayrink Veiga. Veículo da empresa A Noite –ligada à Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande–, que editava as revistas “Noite Ilustrada”, “Carioca” e “Vamos Ler” e os jornais “A Manhã” e “A Noite”, a Rádio Nacional do Rio de Janeiro passou a ser a plataforma para a difusão das ideias do Estado Novo, em 1940, no governo Getúlio Vargas, com a incorporação do grupo ao patrimônio da União. Em ondas médias e curtas, o populismo de Vargas fez parte da programação da Rádio Nacional e alcançou as regiões mais distantes do país.

SÃO PAULO, SP, BRASIL, 00-00-1950: Música: o cantor e compositor Sílvio Caldas, toca violão. (Foto: Folhapress)
O cantor e compositor Sílvio Caldas toca violão em programa da Rádio Nacional (Crédito: Folhapress)

ERA DE OURO
Com um quadro de funcionários formado em grande parte por músicos, maestros e cantores, o time da emissora teve arranjadores como Radamés Gnattali, Lyrio Panicali, Gustavo Nogueira de Carvalho, Paulo Tapajós, César Guerra-Peixe e Lindolfo Gaya, entre outros. Músicos como Wilson das Neves, Garoto, Bola Sete, João da Baiana, Heitor dos Prazeres e Chiquinho também contribuíram com os programas diários, que eram transmitidos ao vivo, num trabalho incessante que envolvia ensaios e muito planejamento.

Francisco Alves, Emilinha Borba, Marlene, Angela Maria, Silvio Caldas e Cauby Peixoto foram figuras de destaque da Rádio Nacional, que tinha ainda Mário Lago e Paulo Gracindo em seus quadros.

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Emilinha Borba em programa de rádio. (1956. Crédito: Divulgação)

Foi no início da gestão de Gilberto de Andrade, jornalista e advogado ligado ao Tribunal de Segurança Nacional, que a emissora conseguiu expandir seu alcance e arrecadar mais verbas de anunciantes. Apesar de ser uma empresa do Estado, a Rádio Nacional tinha administração financeira desvinculada do governo, com estratégias e investimentos próprios. O resultado: mais contratações de artistas e profissionais de peso. Olhando em retrospecto, podemos afirmar que a emissora era uma Rede Globo dos anos 40 e 50. A Rádio Nacional ainda ostentava um auditório com 460 lugares em seu prédio.

Atrações, como “Curiosidades Musicais”, “Caixa de Perguntas” e “Instantâneos Sonoros”, radionovelas brasileiras, como “Em Busca da Felicidade” e “O Direito de Nascer”, e programas de radioteatro, entre eles “O Sombra”, fizeram Rádio Nacional aumentar sua audiência já na década de 1940. Em 1941, o jornalístico “Repórter Esso”, criado para cobrir notícias da Segunda Guerra Mundial, foi ao ar com uma frequência de três transmissões diárias.

DECLÍNIO

No final da década de 50, com a popularização da televisão, a Rádio Nacional perdeu artistas, profissionais e, principalmente, anunciantes para o novo meio de comunicação. Em 24 de junho de 1964, funcionários da emissora, entre eles, Mário Lago, Paulo Gracindo e Dias Gomes, foram afastados da empresa, resultado direto do Ato Institucional nº 1, assinado pelo então presidente Castello Branco –na foto no alto, ex-funcionários voltaram à rádio, na década de 80, 16 anos depois de afastados.

 

O maior veículo de comunicação da época de ouro resistiu à uma ditadura, mas não aguentou a segunda. O tempo passou, hoje a Rádio Nacional do Rio de Janeiro é uma emissora do grupo EBC (Empresa Brasil de Comunicação) e sua história mostra a evolução da comunicação no Brasil e os primeiros registros do desenvolvimento da cultura de massa.