Há 90 anos, Coltrane nascia para mudar o jazz
Em 1967, o jornal “London Daily Telegraph” pediu ao poeta e crítico de jazz Philip Larkin que escrevesse o obituário da morte de John Coltrane.
À época, o jornal era pioneiro na publicação de obituários críticos. Mas não conseguiu nada com Larkin, que, sincero, alegou que Coltrane havia sido um dos conspiradores que tramaram a destruição do jazz “puro” e concluiu: “Lamento a morte de Coltrane, como lamento a de qualquer homem, mas não posso ocultar o fato de que ela deixa no jazz um silêncio imenso, abençoado”.
Nesta sexta, dia 23 de setembro de 2016, John Coltrane completaria 90 anos. Mas se eternizou, seja pela obra, seja pela técnica, de tal forma que, como relatou a Folha em janeiro de 2008, entre os grandes saxofonistas do jazz nenhum deve ter sido tão imitado quanto o músico norte-americano.
Nascido na Carolina do Norte (EUA), Coltrane viveu em meio à música na infância, seja em casa com a mãe (pianista na igreja) e o pai (violinista amador), seja na igreja –o avô era pastor evangélico. Depois de estudar clarinete e pistom, agarrou-se ao saxofone na adolescência.
Depois de um período servindo à Marinha e de passagens por grupos de rhythm and blues, Coltrane integrou orquestra e iniciou seu crescimento musical, de 1947 a 1954, tocando com Eddie Vinson (1917-1988), Dizzy Gillespie (1917-1993), Earl Bostic (1912-1965) e Johnny Hodges (1906-1970).
Nessa época, problemas com drogas (leia-se heroína) já o afligiam, mas seu talento crescia e se tornou celebridade ao integrar, a partir de 1955, o quinteto de Miles Davis (1926-1991), outro lendário do jazz, com o pianista Red Garland (1923-1984), o baterista Philly Joe Jones (1923-1985) e o contrabaixista Paul Chambers (1935-1969) .
Coltrane acabaria demitido por Miles (que naquele tempo tentava se manter longe dos vícios) em 1957, após ser flagrado entorpecido e quase dormindo no palco –Coltrane chegou a apanhar de Miles.
Na sequência, ao lado do pianista Thelonoius Monk (1917-1982), começou a gravar composições próprias. Superou-se tanto que voltou ao grupo de Miles Davis em 1958, participando dos históricos “Milestones” (1958) e “Kind of Blue” (1959).
“Minha música é a expressão espiritual do que eu sou – minha fé, meu conhecimento e meu ser”
Coltrane deixaria novamente a parceria com Miles e criaria sua própria banda, com o pianista McCoy Tyner, o contrabaixista Jimmy Garrison (1934-1976) e o bateirista Elvin Jones (1927-2004). E com ela foi até 1964, quando lançou a obra-prima “A Love Supreme”, na qual disse ter atingido seu “despertar espiritual”.
O experimentalismo e a obsessão de Coltrane durante esse período o tornaram lendário, no que ficou conhecido como “sheets of sound” (folhas do som), com sonoridade metálica centrada numa composição que explorava todas as possibilidades dos acordes. Ou, como Coltrane definia, “Eu começo no meio de uma sequência e sigo para ambos os lados ao mesmo tempo”.
Além de “A Love Supreme“, destacam-se em sua obra “Coltrane” (1957), “Blue Train” (1957), “Giant Steps” (1959), “My Favorite Things” (1960) e “Impressions” (1961), entre outras.
Depois disso, Coltrane trabalhou com a mulher, Alice (1937-2007), e o baterista Rashied Ali (1935-2009). Este último uma vez declarou sobre Coltrane: “Ele não parava de tocar. No camarim, parecia um lutador de boxe se aquecendo antes de entrar no ringue (…) Era implacável. Estava sempre estudando a música, tentando tirar o máximo que conseguisse dela”.
O músico norte-americano morreu aos 40 anos, em 1967, vítima de câncer no fígado, mas ao longo dos anos seu nome se tornou mais forte, com lançamento de composições inéditas, redescobertas e reedições de sua obra, homenagens e até livros e filmes.