Muhammad Ali: lutador dentro e fora dos ringues

Em 1981, na cidade de Los Angeles (EUA), um jovem de 21 anos ameaçava pular de um edifício e tirava o sossego da polícia local. Ao ver a aglomeração na rua e ouvir os gritos de centenas de pessoas, um morador da região, que passava de carro no momento da confusão, pediu para conversar com o suicida. Segundo a imprensa, o rapaz afirmava estar encurralado por comunistas num território do Vietnã.

Depois de uma hora, o sargento da polícia aceitou a argumentação do voluntário e deixou que o homem subisse até o décimo andar para tentar impedir a tragédia. Após alguns minutos de conversa, o jovem desistiu do salto. O oficial disse que o papo entre os dois homens teve em sua maior parte um conteúdo religioso. O potencial suicida havia declinado da ideia, tudo graças ao então tricampeão mundial de boxe, Muhammad Ali.

Três anos antes de ser diagnosticado com Mal de Parkinson, numa intervenção inusitada, um dos maiores pugilistas de todos os tempos exercia sua fé e mostrava porque era considerado um exemplo para sua comunidade, dentro e fora dos ringues.

O boxeador, nascido em 17 de janeiro de 1942, no Estado americano de Kentucky, foi registrado como Cassius Marcellus Clay Jr. Filho de um pintor e de uma empregada doméstica, resolveu aprender a lutar boxe aos 12 anos, após ter sua bicicleta roubada.

Em sua trajetória de vida, Cassius Clay fez seguidores e inimigos, causou polêmicas e surpreendeu o mundo ao anunciar sua conversão ao Islã e seu novo nome: Muhammad Ali.

Dentro dos ringues, o pugilista conquistou uma medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Roma-1960 e levantou seu primeiro cinturão dos pesados em 1964, contra Sonny Liston. Ao longo da carreira, Ali enfrentou e venceu lendas como George Foreman, Joe Frazier e Leo Spinks.

A partir de sua entrada na Nação do Islã e de sua proximidade com líderes negros como Elijah Muhammad e Malcolm X, Muhammad Ali mostrou fortes posições políticas em relação aos problemas sociais e combateu o racismo de maneira contundente.

Em 1967, entre lutas e militâncias, o atleta enfrentou o governo dos EUA ao se recusar ir à guerra do Vietnã. Como retaliação, foi ameaçado de prisão e teve seu título de campeão dos pesos pesados cassado. Na época, Ali foi tido como traidor da pátria por parte da sociedade norte-americana.

Considerado falastrão, Muhammad Ali mudou a história dos ringues ao mostrar autoconfiança e desafiar todos os seus oponentes. Eleito Atleta do Século pela revista Sport Illustrated, em 1999, Ali teve sua vida registrada em livros e filmes, como a película “Quando Éramos Reis”, de 1996, que retratou episódios marcantes de sua luta contra George Foreman, no Zaire, em 1974. Na ocasião, ele recuperou o cinturão dos pesados.

No início dos anos 1990, o pugilista mais uma vez mostrou sua influência além do esporte. Num encontro com o presidente iraquiano Saddam Husseim, o antes considerado traidor da pátria firmou um compromisso para libertação de 14 reféns norte-americanos.

Muhammad Ali morreu em 3 de junho de 2016, vítima de problemas respiratórios. No mesmo ano, o país que o boxeador enfrentou e tentou mudar ainda sofria com o racismo e o assassinato de jovens negros pela polícia, mesmo tendo um presidente negro, algo inimaginável na época de suas mais profundas batalhas. Para Ali, a luta dos negros era mais importante que o boxe.

Em seu cartel de lutas, a lenda dos ringues, em 20 anos de carreira, somou 56 vitórias e apenas 5 derrotas.