Há 20 anos, morria de câncer, aos 74 anos, o antropólogo, ensaísta e político Darcy Ribeiro
Na segunda-feira de 17 de fevereiro de 1997, às 18h50, morria no Hospital Sarah Kubitschek, em Brasília, o educador, ensaísta, antropólogo e então senador pelo PTB do Rio, Darcy Ribeiro, vítima de falência de múltiplos órgãos, causada por uma neoplasia maligna de próstata.
Intelectual irrequieto e um dos homens públicos mais atuantes da política brasileira, Darcy Ribeiro vinha se tratando da doença desde de dezembro de 1994, quando fora internado em estado grave no hospital Samaritano, em Botafogo, na zona sul do Rio. Sedado, chegou a respirar com o auxílio de aparelhos.
Semanas após a internação e sem ter recebido alta, abandona o hospital para se dedicar à finalização de seu último livro, “O Povo Brasileiro” (1995), no qual vinha trabalhando havia mais de 30 anos, conforme relatava em entrevistas.
O câncer, contudo, não era inimigo novato do antropólogo. Em 1974, exilado no Chile depois da tomada do poder pelos militares, teve autorização do governo brasileiro para entrar no país para submeter-se a uma cirurgia para a retirada de um pulmão.
Mineiro do pequeno município de Montes Claros e filho de uma professora primária e de um farmacêutico, Darcy Ribeiro nasceu em 26 de outubro de 1922. Perdeu o pai aos três anos. Sobre o fato, ironizava: “Eu tive a felicidade de perder meu pai com três anos (…). E foi ótimo, porque um pai mandador, gritador e puxador de orelha é uma coisa que não dá para suportar. Eu fiquei um homem livre por não ter tido pai e nem filho. Por isso nunca fui domesticado e nunca domestiquei ninguém.”
Como colunista da Folha estreou em 28 de agosto de 1995, onde escrevia às segundas-feiras. Em sua penúltima coluna, publicada em 10 de fevereiro de 1997, uma semana antes de morrer, escreveu sobre uma de suas últimas criações, o “Projeto Caboclo” , cujo debate não pode participar, pois havia sido marcado para o dia 17, data de sua morte.
VIDA ACADÊMICA
Aos 17 anos, depois de uma infância regada a aventuras, Darcy Ribeiro muda-se para Belo Horizonte, onde, em 1939, inicia o curso de Medicina.
O crescente interesse pelas divergências ideológicas entre integralistas e comunistas o levam a abandonar as disciplinas médicas, e em 1942 ele começa a estudar antropologia na Escola de Sociologia e Política de São Paulo, onde se forma em 1946.
As temáticas étnicas e sociais se tornam grandes ideais de luta do recém-formado sociólogo.
Em 1947, Darcy começa a trabalhar como etnólogo no Serviço de Proteção aos Índios (SPI) – hoje Fundação Nacional do Índio (FUNAI) -, onde permanece por quase dez anos. Na época casou-se com a antropóloga romena Berta Gleiser, com quem conviveu por quase 30 anos. Foi também casado com a designe Claudia Zargos. Sua última companheira foi a cineasta Irene Ferrão.
Entre o final da década de 1940 e os anos 50, o sociólogo realiza expedições em comunidades indígenas, entre elas a dos Kadiwéu, no sul do Mato Grosso, e a dos Urubu-Kaapor, no Amazonas.
Com Cândido Mariano da Silva Rondon – ou marechal Rondon -, Darcy Ribeiro participa em 1953 da criação do Museu Nacional do Índio, no Rio. Três anos depois, começa a lecionar etnografia brasileira na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, também no Rio.
O HOMEM PÚBLICO
A participação na política começa em 1955, quando é convidado pelo presidente Juscelino Kubitschek para colaborar na elaboração de novas diretrizes na área da educação ao lado de seu discípulo, o pedagogo Anísio Teixeira.
Ainda na esfera educacional, em 1959 torna-se um dos idealizadores e principal responsável pela criação da Universidade de Brasília (UNB), inaugurada em 1961, onde assume como primeiro reitor da instituição.
O ano de 1961 também foi marcado pela criação do Parque Nacional do Xingu, cujas fronteiras foram definidas por Darcy Ribeiro, Nuel Nutels e os irmãos indigenistas Cláudio, Leonardo e Orlando Villas Bôas.
Em agosto do ano seguinte, no governo João Goulart, o educador assume o Ministério da Educação e Cultura até ser nomeado em 1963 como chefe do Gabinete Civil.
Com o golpe militar, em abril de 1964, tem seus direitos políticos cassados pelo Ato Institucional nº 1 e exila-se no Uruguai, onde, atuando como educador, propaga suas ideias e programas educacionais também em outros países da América Latina.
Em passagem pelo Brasil em outubro de 1968, foi indiciado e chegou a ser preso sob suspeita de envolvimento com um movimento anti-revolucionário sediado no Uruguai, mas é absolvido no final de 1969.
De volta ao exílio, em 1970 trabalhou no Chile como assessor do presidente socialista Salvador Allende.
Durante os anos em que esteve fora do país, além de também ter assessorado o presidente peruano Velasco Alvorado, produziu algumas de suas obras mais relevantes, entre elas “O Processo Civilizatório” (1968), “A Universidade Necessária” (1969), “Os Índios e a Civilização” (1970) e o romance ficcional “Maíra (1967).
A VOLTA
O retorno ao Brasil se deu em 1976, com a aproximação do processo de anistia. No final daquela década reativa sua atuação como educador. Mas a volta à política falou mais alto.
Ao lado do velho amigo e também ex-exilado Leonel Brizola, funda em 1980, no Rio, o PDT (Partido Democrático Brasileiro), pelo qual se elege em 1982 como vice-governador na chapa do antigo parceiro de luta. No mesmo ano, publica “A Utopia Selvagem”.
Como vice de Brizola, o multifacetado Darcy acumula ainda os cargos de secretário de Estado da Cultura e de coordenador do Programa Especial de Educação.
Entre suas conquistas no governo fluminense estão a criação dos CIEPs (Centros Integrados de Educação Pública), conhecidos também como Brizolões, idealizados com a proposta de uma escolarização em tempo integral, a Biblioteca Pública Estadual e o Sambódromo da Marquês de Sapucaí, batizado oficialmente como Passarela Professor Darcy Ribeiro, onde funcionava também como escola primária.
Em 1986, ao lançar-se candidato ao governo do Rio, é derrotado pelo rival Wellington Moreira Franco (PMDB). No ano seguinte, a convite do governador de Minas, Newton Cardoso (PMDB), assume a Secretaria Extraordinária de Desenvolvimento Social do Estado, até ser eleito em outubro de 1990 a senador pelo Rio de Janeiro.
No senado, licencia-se em setembro de 1991 para colaborar com o segundo governo Brizola, no Rio, onde mais uma vez atua como secretário estadual de Projetos Especiais de Educação, até o seu retorno ao senado em 1992, quando participa da votação para a abertura do processo de impeachment do presidente Fernando Collor de Melo.
No mesmo ano é eleito para ocupar a cadeira de n° 11 da Academia brasileira de Letras (ABL). Em 1996 consegue realizar outro de seus grandes projetos de vida ao criar a Fundação Darcy Ribeiro, para pesquisas e desenvolvimento científico.
Por fim, dois meses antes de sua morte, Darcy Ribeiro recebe, segundo ele, a maior homenagem de sua vida ao ter o nome da nova Lei de Diretrizes e Bases – elaborada por ele e aprovada pelo governo FHC – renomeada para Lei Darcy Ribeiro. “Peço que todo mundo passe a falar agora em Lei Darcy Ribeiro. Estou muito contente. Todo mundo sabe que eu gosto de elogio”, declarou o senador.