Há 50 anos, diretor de departamento de trânsito murchou pneus de carros no centro de São Paulo

Alberto Nogueira

Um dirigente de um órgão de trânsito sai em meio ao caótico congestionamento da cidade de São Paulo murchando pneus de carro. Pode parecer surreal, mas aconteceu.

Em 22 de fevereiro de 1967, o coronel Francisco Américo Fontenelle, então diretor do DET (Departamento Estadual de Trânsito), teve destaque na capa da Folha, ao lado do filho de 13 anos, esvaziando pneus de veículos estacionados em locais proibidos.

Na época, Fontenelle tinha iniciado havia quatro dias a Operação Bandeirante, cujo objetivo era melhorar a circulação de carros na região central da capital paulista, com a criação de um sistema viário baseado em rótulas e bolsões de estacionamento.

O jornal acompanhou as mudanças desde o dia da implantação. A insuficiência e a desorientação dos agentes de trânsito, a indecisão dos motoristas, ainda não familiarizados com o novo esquema de circulação, e a falta de sinalização adequada foram apontadas como os grandes problemas.

Ilustração de Francisco Fontenelle por Otavio

Sabotagem ou desespero? Naquele fatídico dia, o diretor atribuiu as falhas de seu plano a agentes do próprio DET, os quais chamou de “sabotadores”. O coronel também ordenou a sua equipe que murchasse os pneus de todo e qualquer veículo estacionado em lugar irregular.

Em meio ao caos, sobrou para pedestres, que precisavam arriscar suas vidas para conseguir atravessar a rua, para usuários de ônibus, com a demora para se chegar ao trabalho, e para comerciantes, afetados com a queda de movimento em seus estabelecimentos, em decorrência das alterações de mão de várias vias.

A insatisfação era tanta que o prefeito Faria Lima chegou a desabafar com a imprensa: “Em todo mundo, o trânsito é de responsabilidade das prefeituras. Entretanto, aqui não”. Em 1967, a alçada sobre o tema era de responsabilidade do governo estadual. O então governador Roberto Abreu Sodré, pressionado por deputados, empresários e pela opinião pública, exonerou Fontenelle.

Pouco tempo depois, o coronel, que tinha como obsessão dar um jeito no trânsito paulistano, foi até o programa “Roleta Russa”, da TV Paulista, falar sobre a Operação Bandeirante. Andando de um lado para o outro, sério, debatendo seu plano, sentiu-se mal e caiu. Fontenelle teve um infarto fulminante em frente às câmeras, aos 46 anos. Na edição de 10 de julho de 1967, a Folha relatou que o coronel foi enterrado no Rio.

Já a cidade de São Paulo parece que até hoje não conseguiu se livrar deste problema crônico.