Precursor da Bossa Nova e divulgador da MPB, Agostinho dos Santos completaria 85 anos hoje

Luiz Carlos Ferreira

Há 85 anos, em 25 de abril de 1932, nascia no bairro do Bexiga, na Bela Vista –região central de São Paulo–, o compositor e intérprete Agostinho dos Santos, um dos precursores da Bossa Nova e grande divulgador da música brasileira no mundo.

Filho de dona Odila e de seu Augusto dos Santos, Agostinho, de família modesta, teve o futebol como uma de suas primeiras paixões. Atuou como volante no Boca Juniors da Bela Vista, tradicional time de várzea de São Paulo, na época. Jogou também no time do Aristocrata Clube, um grande espaço de lazer e de debate criado em 1961 pela elite negra em resposta ao racismo praticado pelos grandes clubes paulistanos e do qual chegou a ser sócio.

Como músico, começou se apresentando em pequenos circos montados no Bexiga. Em 1951, como crooner da orquestra de Osmar Milani, foi contratado pela Rádio América de São Paulo e, depois, passou a fazer parte da Rádio Nacional, também na capital paulista.

O primeiro disco foi gravado em 1953, pelo selo Star, com o samba “Rasga Teu Verso”, de Manoel Teixeira e Sereno. Dois anos depois foi convidado a integrar o casting artístico da Rádio Mayrink Veiga, no Rio, onde cantou ao lado de Angela Maria e Sylvinha Telles. Na rádio, era acompanhado pela célebre Orquestra Tabajara, de Severino Araújo.

No mesmo ano, assinou com a Polydor e gravou “O Vendedor de Laranjas” e “A Última Vez Que Vi Paris”. Em 1956, transitou pelo rock  com “Até Logo, Jacaré”, versão brasileira do clássico “See you later, Alligator”, de Bill Haley and The Comets, que estiveram no Brasil dois anos depois, em 1958.

O cantor paulista Agostinho dos Santos, em festival de rádio realizado na beira de uma piscina em setembro de 1959, em São Paulo (Foto: UH – 21.nov.1959/Folhapress)

NASCE UM ASTRO

O primeiro grande sucesso de Agostinho dos Santos veio em 1956, com a valsa “Meu Benzinho”, versão em português para a canção “My Little One”, de Howe e Gussin. A música rendeu ao cantor os troféus Disco Roquette Pinto e Disco de Ouro. No mesmo ano, gravou sua primeira composição, o samba “Vai Sofrendo”, em parceria com Osvaldo Morige e Vicente Lobo.

Na Polydor, onde permaneceu até 1958, gravou 13 discos, sendo o último “Antonio Carlos Jobim e Fernando César na voz de Agostinho dos Santos”, lançado no mesmo ano.

O álbum rendeu a Agostinho o convite para emprestar sua voz a duas canções do filme ítalo-franco-brasileiro “Orfeu do Carnaval” (1959), dirigido pelo francês Marcel Camus, onde interpretou as clássicas “Manhã de Carnaval”, de Luiz Bonfá e Vinicius de Moraes, e “A Felicidade”, também de Vinicius, em parceria com Tom Jobim.

No mesmo ano de lançamento do filme, passou a gravar pela RGE, onde estreou com o LP “O Inimitável Agostinho dos Santos”.

Carlos José, Henrique Gandelman, Agostinho dos Santos e o maestro Valdomiro Lemke, em coquetel oferecido pela gravadora Polydor, em novembro de 1957 (Foto: nov.1957-UH/Folhapress)

BOSSA NOVA

Em novembro de 1962, ano em que gravou “Agostinho dos Santos canta boleros”, o cantor foi um dos participantes da antológica noite da Bossa Nova no Carnegie Hall, em Nova York, onde também se apresentaram João Gilberto, Luíz Bonfá, Tom Jobim, Sérgio Mendes, Carlos Lyra e Paulo Moura, entre outros.

Acompanhado pelo conjunto do pianista Oscar Castro Neves, Agostinho dos Santos foi um dos artistas mais aplaudidos do evento.

Após o período em Nova York, o artista emendou apresentações pelas Américas, Europa e África.

O poeta Vinicius de Moraes (à esq.), o compositor Tom Jobim (centro) e Agostinho dos Santos na TV Paulista em abril de 1960 (Foto: abr.1960 – Folhapress)

FESTIVAL INTERNACIONAL DA CANÇÃO 

Em 1967, ano marco do Tropicalismo, e quando a Jovem Guarda de Roberto e Erasmo dominava a mídia, Agostinho dos Santos, que anos antes tentara se aventurar na Itália, encomendou a Milton Nascimento, então jovem compositor desconhecido do grande público, três músicas das quais uma seria escolhida para o repertório de seu novo disco, “Música Nova”, do selo Ritmos Codil.

As músicas apresentadas para Agostinho foram “Morro Velho”, “Maria Minha Fé” e “Travessia”, esta última a selecionada a entrar no álbum do respeitado intérprete paulistano.

Como grande admirador do jovem compositor mineiro, Agostinho dos Santos, sem avisar Milton, decidiu inscrevê-lo com as três composições no 2° Festival Internacional da Canção, promovido pela Rede Globo, no Rio.

Milton teve as três composições classificadas, e “Travessia”, que ficou em 2° lugar no festival, tornou-se um grande clássico da música brasileira, abrindo um vasto caminho na carreira do consagrado compositor mineiro.

No ano seguinte, Agostinho dos Santos participou do 3° Festival Internacional da Canção, também no Rio, com a música “Visão”, de Antonio Adolfo e Tibério Gaspari.

Agostinho dos Santos ao lado de Carlos Imperial, três meses antes de sua morte, em julho de 1973 (Foto: Folhapress)

O RACISMO E O FIM

Em 1973, após ter lançado o homônimo “Agostinho dos Santos”, pela Continental, o cantor foi convidado a participar de um festival de música na Grécia, onde apresentaria a canção “Paz sem cor”, composição sua em parceria com a filha Nancy, com então 19 anos, feita após uma conversa intensa entre pai e filha sobre o racismo.

Além do propósito de levar uma mensagem de igualdade ao festival, a apresentação serviria também como um recomeço para Agostinho, que ansiava por novos horizontes na carreira

Mas no dia 11 de julho daquele ano, às 14h30, o Boeing 707 da Varig, no qual o cantor viajava com destino à Grécia, caiu num campo a poucos quilômetros de Paris, causando a morte de 122 dos 134 passageiros, resultando em uma das maiores tragédias da aviação brasileira. Era o fim da curta jornada, aos 42 anos, de uma das grandiosas vozes da história da música popular brasileira.

Amigos e familiares durante a chegada do corpo do cantor Agostinho dos Santos em São Paulo, em 1973 (Foto: ago.1973/Folhapress)