Há 40 anos, Sidney Magal surgiu como a mais nova promessa da música ‘popularesca’ no Brasil
Foi ao adotar o espírito do cigano romântico e abrasador, com calças justas e camisas abertas no peito, que, há 40 anos, o cantor, dançarino e ator Sidney Magal conquistou um frenético público de mulheres que gritavam histéricas ao vê-lo em programas de TV e em shows pelo país.
Magal, que tinha 24 anos, chegou a realizar até 40 apresentações por mês, tamanha a popularidade alcançada em 1977, ano que marcou o início da fama.
O primeiro sucesso do cantor, “Se Te Agarro com Outro Te Mato”, de 1976, ano em que assinou contrato com a Phonogram, não foi bem recebido por parte das rádios, que considerou o título “vulgar e agressivo”. O empresário do cantor na época, Roberto Livi, acreditando no potencial da canção, insistiu em retrabalhá-la ao lado da imagem cigana do cantor, até que em 1977 a música vingou nas rádios. Na carona, então, vieram “Sandra Rosa Madalena”, “Amante Latino” –transformada no filme homônimo estrelado pelo cantor em 1979–, “Meu Sangue Ferve por Você”, “Moça” e “Tenho”, entre outras trilhas que fizeram de Sidney Magal um dos grandes astros do “popularesco”.
Durante boa parte dos anos 1980, embora em plena atividade artística, Magal não emplacou novos “hits”. Só em 1990, com a gravação de “Me Chama Que Eu Vou”, faixa de abertura da novela “Rainha da Sucata”, da TV Globo, foi que o cantor voltou vigoroso, reafirmando o tipo cigano sedutor, marca sugerida pelo empresário no início da fama.
Desde então ele passou ser presença constante na TV e conquistou espaço também no teatro, no cinema e em novelas.
Nascido no Rio de Janeiro em 1953, filho de uma cantora de rádio, sobrinho de um dos compositores de Carmen Miranda e primo em segundo grau do poeta Vinicius de Moraes, Magal está comemorando 50 anos de carreira com o show “Bailamos”, transformado em DVD, gravado em agosto no Espaço das Américas, em São Paulo.
A biografia do cantor, “Sidney Magal: Muito mais que um amante latino”, de Bruna Ramos da Fonte, será lançada em 8 de novembro na Livraria Cultura, no Conjunto Nacional, também em São Paulo. O cantor prepara ainda um filme sobre os 37 de casamento com Magali West, com quem tem três filhos.
Os quase dez anos de estrada antes da fama, entre 1967 –quando tinha 14 anos– e 1976, também foram contabilizados nas comemorações do cinquentenário artístico do cantor, desde os tempos em que era conhecido como Sidney Rossi, pseudônimo adotado na Jovem Guarda.
No início dos anos 70, viajou pela Europa como Sidney Magalhães –seu nome de batismo–, primeiro como integrante de um quarteto ligado ao folclore brasileiro, depois passou a se apresentar sozinho em países como Itália, Alemanha e Suíça. “Os italianos não conseguiam pronunciar o Magalhães direito e um produtor resolveu cortar o meu sobrenome. Foi aí que nasceu o Sidney Magal”, disse o cantor em entrevistas.
De volta ao Brasil em 1973, passou a cantar em churrascarias e boates no Rio. Dois anos depois foi convidado para participar do espetáculo “O Rio Amanheceu Cantando” –homenagem a João de Barro (o Braguinha) –, com Elizeth Cardoso, Quarteto em Cy e MPB-4, experiência que marcou para sempre a vida do artista.
Essas e outras histórias do cantor, contadas através de entrevista concedida à Folha há 40 anos, podem ser conferidas abaixo, em reprodução de reportagem publicada no extinto suplemento cultural e semanal Folhetim, editado pelo jornal entre 1977 e 1989.
*
O texto a seguir foi publicado em 30 de outubro de 1977, no caderno cultural Folhetim
“Sidney Magal, vem cá, vem cá.” A mocinha estava em prantos histéricos, fazendo gestos para o cantor no “Show da Viola”, da TV Gazeta, em São Paulo. E não era só ela que estava assim excitada, era todo o auditório, formado basicamente de empregadas domésticas. Quase todas tinham uma foto colorida do cantor pregada no peito ou erguida acima da cabeça. Algumas jogaram flores no palco.
A gritaria era tanta que mal se ouvia ali no auditório para 200 pessoas, as palavras da balada romântica “Bela Sem Alma”, que Sidney Magal entoava mesmo com os alto-falantes ligados a todo o volume. Ele, com uma calça azul e camisa preta aberta no peito, sem rendas ou lantejoulas, contorcia-se no palco, com gestos angulosos e estudados, cópia quase fiel de Elvis Presley até nas feições compenetradas e careteiras. Seu empresário Carlos Garcês, que o acompanha nos bastidores dos shows, também é seu fã: “Esta música me deixa todo arrepiado. É a melhor interpretação de Magal”.
MAS QUEM É ESSE SIDNEY MAGAL?
De repente ele surge com sucesso em todo o Brasil, vendendo mais de 200 mil cópias de seu primeiro LP em apenas sete meses, algo só conseguido por Roberto Carlos e Chico Buarque. E desse LP saíram recentemente dois compactos que venderam mais de 50 mil cada um em poucas semanas. É também um dos cantores mais tocados nas rádios e vem fazendo de 30 a 40 shows por mês. Canta só versões de músicas argentinas e italianas do chamado gênero povão, com letras bem dramáticas. Além das românticas tem várias baladas-pauleiras e, para poder variar um pouco os gingados, inclui alguns ritmos latinos durante os shows. La Bamba é uma das suas preferidas.
A julgar pela euforia das fãs, que desde o surgimento de Roberto Carlos, há 12 anos, não gritavam tanto, pode estar pintando um novo grande ídolo da música popular, porque é assim que começam os grandes ídolos.
“Sidney Magal, vem cá, vem cá.” É claro que ele não vai. Faz sinais carinhosos, mas lá do palco. Ele sabe que, se for no meio das fãs, elas o estraçalham.
ORIENTADO DESDE CRIANÇA PARA O SUCESSO
Um novo ídolo. Certamente um rapaz cheio de anéis, roupas bordadas, ar superior, cabeça vazia. Nada disso: Sidney Magal é apenas um rapaz orientado desde criança para a carreira de cantor e agora, que começa a ser conhecido em todo o Brasil, vê o sucesso chegar como consequência de um trabalho e nada mais.
“Tudo que eu tenho feito é olhar apenas esta carreira, ainda que isso me custe sacrificar algumas coisas que eu gostava de fazer antes.”
A primeira vista chama a atenção pelo tamanho, um metro e noventa de altura e 72 quilos. Depois pela simpatia e pelo bom papo. Boa pinta, não resta dúvida, mas o gênero é garotão cuca-fresca. As mulheres acham que ele é lindo e a história se repete, as mocinhas vêem nele um namorado e as mais velhas, casadas, um filho. Sidney também se acha bonitão e gosta de falar desta imagem como um fator de sucesso.
“Como todo o artista, sou narcisista. A televisão que mostrou o meu rosto ao público, me ajudou muito. E eu preciso continuar bonito e de bom corpo. Antes eu gostava de fazer esporte e ir à praia apenas por prazer. Hoje isso faz parte do meu trabalho. É assim, atlético e bronzeado que o público me quer”.
FILHO DE CANTORA, PRIMO DE VINÍCIUS, TINHA QUE SER ARTISTA
Ser de uma família de músicos não basta para ser famoso. Mas ajuda muito, como no caso de Sidney. A mãe, Sandra Maria, foi cantora de sambas-canção e boleros na Rádio Nacional do Rio. Não subiu na carreira porque, quando casou, o marido, Darci Magalhães, achava que lugar de mulher é em casa. O tio-avô, Anibal Cruz, foi autor do samba “Ela Diz Que Tem”, gravado por Carmem Miranda. O tio Hugo Brando, ator de cinema e cantor de teatro de revista, era considerado “o Tony Curtis brasileiro”.
Mas o parente mais famoso, primo em segundo grau, é Vinícius de Moraes. Vinícius nada influiu na carreira de Sidney. É apenas um fã que, outro dia, telefonou ao primo para dar-lhe os parabéns pelo sucesso. Já o resto, principalmente a mãe, quase que empurraram o garoto para a vida de cantor.
“Nas festinhas de família, minha mãe sempre pedia que eu cantasse pras visitas. Depois veio o colégio. Eu era o cantor oficial de toda a solenidade.”
Sidney tem 24 anos, nasceu no bairro do Jardim Botânico, Rio. É filho único de Darci e Sandra Magalhães e, como a família, mudava muito de casa, estudou em vários colégios. E em todos tirava essa onda de cantor. A mãe não se contentava só com as festinhas e os cânticos das escolas: arranjava para o menino aparecer em programas infantis de televisão. Os Magalhães moraram dois anos em São Paulo, e o pequeno Sidney participou de um programa na TV Record, apresentado por Durval de Souza, que era um tipo de júri-mirim, com crianças representando advogados, promotores e juízes no julgamento simulado de um assunto qualquer.
“Por tudo isso é que eu posso dizer que já fui preparado para o sucesso. Se bem que, de minha parte, só levei isso mais a sério depois de minhas aventuras como cantor na Europa.”
Esta história pintou por acaso. Sidney Magal terminava o curso científico num colégio de Botafogo e disse aos pais que seu negócio era mesmo seguir carreira de cantor e que, sendo assim, não adiantaria em nada continuar frequentando escolas. Falou, inclusive, bonito, que iria encarar a carreira tão séria e honestamente como se fosse a de um médico, advogado ou engenheiro. Não visaria lucros ou pisaria em ninguém para subir na vida. Os pais “entenderam e incentivaram”.
Era 1971 e o filme Love Story” fazia sucesso. Sidney conseguiu gravar a versão da música num compacto simples para a gravadora CBS. Adotaram o nome artístico de Sidney Rossi, um nome que lhe pareceu sonoro. Só que ninguém ouviu nem o nome e nem o disco. A gravadora não trabalhou a gravação e um mês depois, um cantor famoso, Wanderley Cardoso, também lançou a versão de “Love Story”.
SE TE AGARRO COM OUTRO TE MATO
Nisso apareceu no Brasil uma empresária italiana querendo contratar um cantor para completar um quarteto desfalcado. Alguém da gravadora indicou Sidney Rossi e ele topou a turnê pela Europa. “Uma boa”, pelo menos passearia à beça. Trocou o nome para Sidney Magal, tirado de Magalhães, simplificando o sobrenome que os europeus não conseguem falar direito por causa do LH. Sidney Rossi era um nome bem italiano, mas tinha dado azar, era melhor esquecê-lo.
O conjunto atuou quatro meses na Itália e se desfez. Magal arranjou outro empresário e continuou cantando sozinho por clubes e restaurantes na Holanda, na Alemanha e ma Suíça. Seu repertório era de músicas internacionais de sucesso e, aqui e ali, entoava uma bossa nova já conhecida por lá.
“Isso me deu muita cancha, sabe? Eu me soltei, aprendi a dançar enquanto cantava, dar aquele traquejo, aquela desenvoltura que o artista de hoje precisa ter. Antes, na época em que gravei aquele compacto, eu estava muito verde para enfrentar a barra. De volta ao Rio, em 1973, tive, é claro, que começar tudo de novo. Mas aí, eu já não estava verde”.
Participou de um show na boate Sucata, “Era Uma Vez no Carnaval”, com Márcia de Windsor e, depois, passou a cantar em churrascarias. Em 1975, teve uma verdadeira aula prática de música popular brasileira, quando atuou no show O Rio Amanhaceu Cantando, que contava a vida do compositor João de Barro, estrelado por Elizeth Cardoso, MPB-4 e Quarteto em Cy.
“Foi uma barra pesada, eu tinha de segurar a peteca, no meio de tanta gente famosa. Aprendi muito com aquele pessoal. Incrível como deram todo o apoio. Recebi elogios da crítica, mas, para mim, o mais importante foram os parabéns recebidos de meus colegas. Puxa, foi a maior satisfação. Aí pintou um convite da gravadora Phonogram. Jairo Pires, que era produtor na época, me chamou para um papo e dentro de uma semana, assinei o contrato. Ficaram pensando numa música que pudesse me lançar e escolheram ‘Se Te Agarro Com Outro Te Mato’, versão de uma composição argentina.”
A LINHA “POVÃO, CAFONA, POPULARESCA”
O nome parecido com esses filmes faroestes italianos, assustou não só os disc-jóqueis como até os diretores de rádios mais conservadores que o consideravam vulgar e agressivo. E tudo indicava que esse compacto seguiria o mesmo caminho anônimo do outro gravado pela CBS. A Phonogram, inclusive, chegou a pensar em usar o cantor contratado em outro disco, noutro gênero qualquer.
“Foi aí que pintou Roberto Livy. Ele era produtor de discos na Phonogram e atualmente é meu empresário. Devo todo o sucesso a ele. Roberto teve muita experiência de cantor na Jovem Guarda e é o cara que me tem orientado para estas coisas de mercado. Me disse: Não parta para o segundo disco sem arrancar o sucesso do primeiro. Para ele, o negócio não era gravar outro para tentar subir, mas sim insistir no ‘Se Te Agarro…’ pra valer. Do contrário, eu seria um cantor queimado, encarado como aventureiro. Alí, Roberto começou a trabalhar o meu compacto e me fez aparecer na televisão, nesta transa de imagem. A música que, antes, ninguém queria tocar, de repente estourou. Vendeu 50 mil cópias e chegou a ser cantada em ritmo de samba, no Carnaval de São Paulo e Salvador. Isso aí, mais a transa da imagem, me levou firme para a gravação de um LP. Foi um disco mais cuidado, já dentro da linha definitiva que eu – e Roberto Livy – encontramos”.
E a linha povão. Ou cafona. Popularesca. Músicas que dizem coisas assim, como estes versos de “Amante Latino”, versão de uma canção argentina, um dos sucessos de Magal:
“Sou como você já sabe/ Amante Latino/ Eu gosto das mulheres/ Da noite e do vinho/ Mas se você me quiser eu levo comigo/ E para toda a vida te dou meu abrigo/ E assim nos amaremos/ Até sair o sol/ E encontrará comigo/ O fogo do amor”
Ou estes outros de “A Moça”, outra versão:
“A moça já não sorri/ Nem mostra o seu coração/ Passa em silêncio as horas/ Só com sua solidão/ A moça não diz mais nada/ Quer ocultar sua dor/ Não quer mostrar a ferida/ Ferida feita de amor”.
Estas músicas fazem parte do LP com 12 versões, lançado em fevereiro (250 mil cópias vendidas). Dele foram tirados dois compactos, um com “Meu Sangue Ferve Por Você” (230 mil cópias em três meses) e outro com “Amante Latino” (50 mil em um mês).
QUEM QUER AGRADAR AOS INTELECTUAIS QUEBRA A CARA
“O pessoal da imprensa chama de música de povão, cafonice. Eu prefiro dizer que canto músicas simples, populares. Coisa que Pixinguinha fez muito e hoje é aplaudido pleos intelectuais. Os Beatles fizeram coisas simples, como Girl, If I fell ou Can’t Buy Me love. Frank Sinatra: traduza aquelas canções românticas da década de 30 ou 40 e repare como são versos simples, declarações de amor e nada mais. Elvis Presley cantava country, música caipira. Quase todos os nosso grandes cantores iniciaram com coisas simples. Cauby, Francisco Alves. O próprio Chico Buarque, cara que eu curto muito, iniciou com A Banda, marchinha bem popular. Roberto Carlos, primeira vez Calhambeque, Candinha, Vá Tudo Pro Inferno, pra hoje chegar a canções mais avançadas como Os Botões da Blusa, onde ele descreve, sem dizer um ato sexual. A música bem simples é o caminho mais bonito e por isso eu o escolhi. E é o mais duradouro, tem um público mais fiel. Quem canta querendo agradar os intelectuais quebra a cara, porque eles mudam de gosto todo dia. Estou bem, não tenho nenhum grilo. Agora, tem uma coisa: eu gosto muito de Milton Nascimento, de Chico, de Gil, Caetano. Mas só vou gravá-los depois que meu público se acostumar. Por enquanto não há necessidade”.
Sidney Magal fala muito, é o tipo de pensamento diretamente nas palavras e vai indo. Aqui e ali acaba um chavão certamente decorado, como “vivo para o meu público”, “o público me ama assim” ou “quero responder e guardar todas as cartas que recebo das minhas fãs”.
Segundo ele, recebe de 4.000 a 5.000 cartas por mês, só na gravadora. Fora isso, há as que vão para as rádios, cerca de 3.000 só num programa de São Paulo. Uma das cartas pedia uma resposta, “nem que fosse um bilhetinho”, só para saber que eu existo”. Outra fã escreveu; “Você é como o sol que pinta nas plantas e elas ficam alegres”. Mas há também cartas de rapazes, como o que veio do Norte, escrita por um lavrador: “Seu sucesso é um estímulo para todos aqueles que lutam para ser alguém”.
AS FÃS LHE ATIRAM JOIAS; OS ÍNDIOS PERGUNTAM POR SIDNEY
O jovem ídolo não sabe exatamente como surgiu a mania das fãs de jogar bijuterias –e até joias– para ele no palco, durante os shows. Comenta que, parece, foi uma cidade do Nordeste, quando uma fã pensou em dar-lhe alguma coisa para guardar como lembrança, o certo é que a moda pegou, e em cima dele chovem correntinhas, pulseiras, anéis, broches. No Rio, há pouco tempo, uma fã jogou um anel de ouro com um rubi. Ele notou que era uma joia valiosa e quis devolver. Ela até se sentiu ofendida: “Queria que você guardasse esta lembrança minha”. Ele guardou. Diz que guarda também todas as bijuterias, mesmo aquelas de lata, bem vagabundas, e enche baús e mais baús em sua casa, no Rio.
“Para mim, não é o valor da peça que conta. É o carinho, que todas, mesmos as mais humildes, têm por mim.”
No Rio, mês passado, uma mulher já quarentona vibrou tanto no auditório quando Magal cantou “Meu Sangue Ferve por Você”, que, ao invés de lhe atirar uma bijuteria, jogou sua carteirinha de doadora de sangue. Esta carteira –contou Sidney– também está guardada no baú.
Nos últimos meses, vem fazendo de 30 a 40 shows por mês, em todo o Brasil, a 40 mil cruzeiros cada um. Vai de avião até onde pode e, depois, segue de carro se apresentando, às vezes, em três ou quatro cidades no mesmo dia. Até os índios do Xingu já ouviram falar dele. Um repórter que esteve lá recentemente, contou que os índios lhe perguntaram como poderiam conseguir fotos de Roberto Carlos, Sidney Magal e Nelson Ned. A agenda de shows está completamente tomada até o final de dezembro. E segundo Carlos Garcês, sócio do empresário Roberto Livy, só não preencheram janeiro porque Magal deverá, nesta época, estar com a garganta descansada para gravar o seu segundo LP. No começo, o cantor acompanhado apenas de um guitarrista, completando com conjuntos locais. Agora já formou um quarteto. E, como Roberto Carlos, em breve terá uma banda com sete elementos.
Estes shows e os discos já lhe renderam, obviamente, um bom dinheiro , do qual –também obviamente– prefere não falar.
“Mas vou dar uma ideia. Já deu para comprar um grande apartamento na Barra da Tijuca. Não é que eu goste de luxo, sabe? Mas é importante ter uma casa boa: as fãs sabem que foram elas que me conduziram para lá.
OUTROS ÍDOLOS
Orlando cantava, o país inteiro chorava; Roberto era rasgado pelas fãs
Ainda é muito cedo para dizer que Sidney Magal repetirá o sucesso de Orlando Silva ou Roberto Carlos, os dois maiores ídolos de massa da música popular que já surgiram no Brasil. Seria até temerário. Mas acontece que o sucesso não tem lógica. Quando um calouro pisa o palco do Chacrinha pela primeira vez já pensa que será, em breve, um novo Roberto Carlos. Só que a buzina termina seus sonhos poucos acordes depois. Outros chegam ao primeiro disco, às primeiras fãs e logo não se ouve mais falar deles. Só aquela pequenina porcentagem é que consegue a glória de durar muitos anos.
Quem não aplaudiu Chico Viola? Não deixou de lavar as mãos durante dias porque pegou na mão do “brotinho” Francisco Carlos? Quem não gritou o nome do Cauby, não torceu por Malene ou Emilinha Borba, não dançou o rock nos bailinhos com Cely Campelo, não acompanhou a banda de Chico Buarque, não fez caracóis nos cabelos como Caetano Veloso? Muita gente. Mas nunca foram tantos os que choraram com Orlando Silva, na década de 30, ou mandaram tudo para o inferno com Roberto Carlos, nos anos 60.
Hoje, o sucesso se faz com talento e um empurrão publicitário. Se o empurrão for bem forte, pode-se dispensar o talento. A imagem também ajuda –e muito– porque a televisão é mais vista do que ouvida e chega ao Brasil inteiro de uma vez. Quantos intérpretes realmente bons não se perderam por aí por falta de um empurrãozinho?
No tempo de Orlando Silva não havia empresários, nem máquinas publicitárias, nem televisão. O próprio rádio era uma criança que mal sabia falar – ou cantar – tão precários eram os estúdios e as transmissões. Mesmo assim, ele já criava sucessos e sonhos.
O menino Orlando Garcia Silva, nascido há 62 anos em Engenho de Dentro, subúrbio carioca, filho de um operário da Estrada de Ferro Central do Brasil, era um dos que sonhavam cantar no rádio. Estafeta da companhia telegráfica Western e ginasiano, levava dentro dos cadernos as letras das modinhas para decorar.
Um dia, em 1934, foi a um programa de calouros na rádio Cajuti. Já estava cansado de esperar sua vez quando viu o compositor Bororó, seu conhecido, autor da obra-prima “Da Cor do Pecado”. Bororó apresentou-o a Chico Alves, o grande cartaz da época. Chico ouviu o garoto, gostou e o indicou para vários programas de rádio. Em 1936, Orlando foi um dos primeiros contratados da recém-inaugurada rádio Nacional, do Rio.
Era só a voz que contava. E Orlando, desde a primeira apresentação –a música era Mimi– já tinha seu estilo próprio que, mais tarde, os críticos chamaram de “tom lacrimejante” ou de “romantismo embusteiro”. Um seresteiro. O local preferido dos compositores, cantores e sambistas era o Café Nice e lá se reuniam, diariamente, Chico Viola, Noel, Silvio Caldas, Mário Reis, Orestes Barbosa, custódio Mesquita, Araci de Almeida. Além do rádio, se apresentavam também em teatros ou circos.
Não havia quem não chorasse, no Brasil todo, ao ouvir Orlando Silva, o “Cantor das Multidões”, cantando “Lágrimas”, “O Juramento Falso” ou “Carinhoso”. Homens e mulheres. E foi em São Paulo, numa praça do bairro do Brás, em 1937, que a maior multidão do passado se concentrou para ouvir um cantor chorar com ele: cerca de 10 mil pessoas, conforme mostra uma foto do show.
O INFERNO DE ROBERTO
Antes de buzinar seu calhambeque, Roberto Carlos Braga rodou de porta em porta procurando alguém que o ouvisse e o deixasse cantar no rádio ou na televisão. Nasceu em Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo, filho de um pequeno comerciante, e foi ainda bem jovem tentar a vida de cantor no Rio. Era época de Bossa Nova e ele imitava João Gilberto pelas boates onde conseguia poucas horas de emprego. Depois que virou sucesso, todo mundo passou a dizer que foi seu “descobridor”. O mais provável, porém, foi o seu conterrâneo Carlos Imperial. Através dele, Roberto conseguiu gravar um compacto de bossa nova que não deu em nada.
Em 1964, ele embarcou com o ié-ié-ié nacional, um ritmo que aproveitava a dica internacional dos Beatles, e gravou o “Calhambeque”. Os programas musicais tinham sede na TV Record, de São Paulo, e ele veio para cá. Não era o único cantor desta linha. Havia também Ronnie Cord –o percursor– Wanderley Cardoso, Jerry Adriani e outros que já sumiram.
Mas foi Roberto o escolhido pela emissora para apresentar o programa Jovem Guarda, criado para a juventude, aos domingos à tarde, quando todas as concorrentes só transmitiam futebol. Muita gente diz que esta escolha foi porque Roberto era o mais simpático e o menos afetado, capaz de conservar por mais tempo o amor dos fãs juvenis. Outras pessoas afirmam que tudo isso fazia parte de uma grande máquina publicitária que empurrava o cantor.
Em novembro de 1965, o sucesso dele veio pra valer, quando lançou Vá tudo Pro Inferno, o disco mais vendido no Natal e em todo ano seguinte. Roberto lançou também a moda dos cabeludos –se bem que muito mais curtos que agora–, as roupas, a gíria, os gestos, os chaveiros, os anéis e até a maneira de cantar, imitada até hoje. As fãs desmaiaram e rasgaram as roupas do cantor pelo Brasil afora e os escreviam teses sobre o fenômeno. Viam em “Vá Tudo Pro Inferno” um protesto de toda uma geração. Mas o próprio Roberto Carlos –sem entender nada destas coisas– explicou depois:
– Que nada, eu queria apenas uma rima para “inverno”.