Há 20 anos, prisão da banda Planet Hemp em Brasília reacendeu debate sobre o uso da maconha
No final de 1997, a prisão dos seis integrantes da banda carioca Planet Hemp em Brasília, sob acusação de apologia ao uso da maconha, impulsionou as discussões acerca da legalização das drogas e da liberdade de expressão no Brasil.
O sexteto, à época formado por Marcelo Maldonado Peixoto (D2), 30, Gustavo de Almeida Ribeiro (Black Alien), 25, Eduardo da Silva Vitória (Jackson), 20, Joel Oliveira Júnior (Formiga), 34, Wagner José Duarte Ferreira (Bacalhau), 25, e José Henrique Castanho de Godoy Pinheiro (Zé Gonzales), 28, foi detido em flagrante no fim de uma apresentação para 7.000 pessoas no Minas Brasília Tênis Clube, na madrugada de 9 de novembro, por agentes da Delegacia de Tóxicos e Entorpecentes, que gravaram o show como prova do que julgavam ser crime. Músicas como “Mantenha o Respeito” (1995), “Legalize Já” (1995) e “Queimando Tudo” (1997), entre outras, trouxeram adversidades com a justiça, mas também maior notoriedade à banda.
Logo os músicos foram encaminhados para a carceragem da Coordenação de Polícia Especializada do Distrito Federal, o CPE. “A gente não deve mudar de posição, mas, por enquanto, é melhor não falar nada para não complicar ainda mais as coisas”, disse na época o principal vocalista da trupe, Marcelo D2.
Os integrantes, que estavam divulgando o lançamento do segundo álbum da banda – “Os Cães Ladram mas a Caravana Não Pára” – ficaram presos por cinco dias até serem soltos em 13 de novembro, por decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que encontrou erros técnicos no flagrante.
Depois de libertos, os músicos concederam uma coletiva no Hotel Glória, no Rio, onde falaram da perseguição à banda. ”As pessoas não estavam preparadas para o sucesso do Planet Hemp. Não esperavam que pudéssemos falar para 7.000 jovens em um show e passar tanta informação. Essas pessoas querem tratar os jovens como imbecis” disse D2. O próximo show do Planet Hemp, que aconteceria em Belo Horizonte, foi proibido pela justiça. No fim de novembro, no entanto, por meio de um “habeas-corpus preventivo”, a justiça determinou que os seis músicos não poderiam mais ser presos em flagrante durante os shows.
CONFEN X DELEGACIA
De acordo com o delegado Eric Castro, responsável pela prisão do grupo, os músicos infringiram o artigo 12 da Lei Antidrogas, que tipifica o incentivo ao uso de maconha como crime inafiançável, com penas que podem variar de 3 a 15 anos de reclusão. Castro disse ainda que a ação veio “da pressão de pais preocupados com as músicas que seus filhos podem ouvir”.
Para o Conselho Federal de Entorpecentes (Confen) e a Divisão de Repressão a Entorpecentes da Polícia Federal, o episódio não tratava de crime e sim de uma manifestação cultural ou de liberdade de expressão. O presidente do Confen, Luiz Matias Flach, classificou o ato do cárcere como “um retrocesso”.” Há o direito de livre manifestação do pensamento no Brasil”, protestou Flach.
O então ministro da Justiça, Iris Rezende, disse na ocasião que, “como cidadão evangélico” e contrário à descriminalização do uso da maconha, não poderia “permitir que, em nome da liberdade que têm, as pessoas defendam o uso das drogas”. O diretor-geral da Polícia Federal, Vicente Chelotti, em apoio ao ministro , afirmou que “a Polícia Federal vai estar em todos os shows deles”.
PROTESTOS
Artistas, políticos e fãs se manifestaram contra a detenção da banda. Em 13 de novembro, dia em que os músicos foram libertados, as cantoras Paula Toller, Fernanda Abreu e Marisa Monte, entre outros artistas, foram à capital federal em defesa ao grupo. No Rio, o deputado Carlos Minc (PT) promoveu um protesto em favor da liberdade de expressão. Fernando Gabeira, então deputado pelo PV do Rio, esteve com o sexteto na prisão. “O episódio vai possibilitar que haja uma nova política de drogas mais rapidamente”, disse Gabeira em referência ao projeto pró-legalização que tramitava no Senado naquele ano.
Na praça Charles Miller, em frente ao estádio do Pacaembu, em São Paulo, mais de 300 pessoas, entre fãs, produtores musicais e representantes do rap como Thayde & DJ Hum, Racionais MC’s, Pavilhão 9 e Primo Preto, marcaram presença em defesa à livre expressão. Vjs da MTV também discursaram no ato.
Em entrevista à Folha, a cantora Rita Lee opinou sobre o episódio ao dizer que deveria haver “algum delegadozinho de plantão querendo mostrar serviço para depois se candidatar nas próximas eleições como El Gran Caçador de Maconheiros”.
OUTRAS BLITZ
Os percalços com a Justiça, contudo, eram quase rotina nas andanças da banda pelo país. Em 29 de julho de 1997, quatro meses antes do episódio ocorrido em Brasília, e quando o grupo estava prestes a realizar dois shows em Salvador, a juíza Daisy Lago, da 1ª Vara Privativa de Tóxicos da Bahia, em cumprimento à medida cautelar solicitada pelo delegado Itamir Casal, expediu liminar proibindo apresentações dos músicos na capital baiana.
Outro show, marcado para o dia 11 de outubro de 97 na Sociedade Hípica Brasileira, no Rio, foi cancelado pelo presidente do clube, o coronel Américo Barros, que, em oposição à ideologia da banda, não alugou o espaço para o espetáculo.
Em julho de 1996, durante os shows para a divulgação de lançamento do primeiro disco, “Usuário” (1995), que passava por Vitória (ES), o grupo teve duas apresentações proibidas pela polícia, que ainda apreendeu materiais de publicidade da banda como cartazes e camisetas.
Em outro ato de censura, ocorrido em outubro, também em Brasília, a banda teve cerca de 500 CDs apreendidos em lojas da capital federal, por ordem de um promotor de justiça. Um ano antes, em outubro de 1995, ano em que começaram a aparecer na grande mídia, a polícia de Goiânia (GO) apreendeu 50 CDs do grupo, que também foi impedido de se apresentar na cidade. Em abril do mesmo ano, o clipe “Legalize Já”, faixa do primeiro disco, recebeu do Ministério da Justiça ordem para ser exibido após as 23h.
GÊNESE
Criado em 1993 da união dos vocalistas Marcelo D2 e Skunk, morto em 1995, vítima da Aids, o Planet Hemp lançou quatro álbuns ao longo dos quase dez anos de estrada. O terceiro e último disco de inéditas, foi o eclético “A Invasão do Sagaz Homem Fumaça”, que chegou às lojas em meados do ano 2000, após três anos de recesso do grupo. No ano seguinte sirgiu o derradeiro e comemorativo “MTV ao Vivo Planet Hemp” (2001). Apesar da separação, os músicos continuam se reunindo em apresentações especiais, sempre lotando casas de espetáculos pelo país.