Há 30 anos, Titãs lançavam ‘Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas’ e fugiam do lado A, lado B
Na semana de 23 de novembro de 1987, chegava às lojas o álbum “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas”, o quarto e um dos mais relevantes trabalhos da carreira dos Titãs. Naquele ano, o grupo de rock paulistano ainda festejava o sucesso estrondoso do disco anterior, o clássico “Cabeça Dinossauro” (1986), LP que garantiu ao então octeto a renovação do contrato com a Warner, gravadora com a qual havia feito também os dois primeiros álbuns: “Titãs” (1984) e “Televisão” (1985).
Conceitual e inventivo, “Jesus” foi pautado pela junção do rock com elementos da música eletrônica, fusão idealizada pelo ex-Mutante Liminha, que, após voltar de Londres, onde, a convite da EMI inglesa trabalhava na produção do disco da banda de rock britânica Sigue Sigue Sputinik, foi escalado pela Warner para a confecção do novo álbum dos brasileiros. Depois da gravação, o produtor voltaria à capital inglesa para a finalização do trabalho dos britânicos.
As preparações para a gravação de “Jesus” começaram com a viagem dos Titãs a Nova York, para a compra de instrumentos musicais que atendessem à sonoridade planejada pelo grupo. A partir deste disco, Nando Reis, que antes alternava o contrabaixo com Paulo Miklos, assumiria integralmente as cordas graves do grupo.
O disco fugiu à fórmula dos lados “A” e “B”, como manda a tradição dos lançamentos em vinil. Neste, os Titãs optaram por quebrar a regra ao criar o lado “T” e o lado “J”. A proposta do octeto era a de que os ouvintes não precisassem seguir uma ordem na hora de degustar as faixas do LP.
Gravado durante dois meses no estúdio Nas Nuvens, no Rio, o novo trabalho marcou pela estreia do uso de samples. Era a primeira vez que os Titãs abusavam do recurso em suas criações.
O lado “T” do disco é o mais eletrônico, a começar pela primeira faixa, a minimalista “Todo Mundo Quer Amor”, que traz os berros de Arnaldo Antunes em meio a batidas densas somadas a, por exemplo, samples de uma assadeira caindo no chão. Na sequência, vem a política e dançante, “Comida”, uma das mais executadas nas rádios. Nela a banda reivindica não só comida, mas prazer, amor, arte e dinheiro inteiro, “e não pela metade”. Em “Inimigo”, a próxima, o teclado de Sérgio Brito traz um pouco do clima new wave dos dois primeiros álbuns. O lado “T” prossegue ainda com a dançante “Corações e Mentes”, “Diversão” e “Infelizmente”.
O lado “J” é iniciado com “Jesus”, a faixa título do disco. “Mentiras”, mais melódica, é a seguinte. “Desordem”, discute a questão da justiça com as próprias mãos, rebeliões e maus governantes. Logo, a pesada “Lugar Nenhum”, também um dos grandes êxitos do álbum, é seguida por “Sem Armas pra Lutar” e “Nomes aos Bois”. Esta última traz mais de 30 nomes de personalidades controversas consideradas pela banda grandes inimigos da humanidade. Dentre os quais Médici, Stalin, Nixon, Lindomar Castilho, Doca Street, Fleury, Hitler, Reagan e Mark Chapman. Outra música, “Violência”, entraria anos depois numa outra versão do trabalho da banda.
A Folha foi o primeiro veículo a resenhar o disco, em reportagem do então secretário de redação do jornal, André Singer. O jornalista, que avaliou a maioria das faixas do álbum, classificou o trabalho dos roqueiros de clichê e pouco poético. Porém assumiu que as letras “primitivas” faziam um “contraste satisfatório” com a criatividade dos arranjos, tidos por ele como detalhistas e bem elaborados. A reportagem mostrou ainda depoimentos de alguns dos personagens citados em “Nome aos Bois”, entres os quais Afanasio Jazadji, Erasmo Dias e Nilton Cruz, que emitiram suas opiniões a respeito da faixa crítica.
A seção de fotos dos Titãs (ver galeria), feita no Cemitério São Paulo pelo fotógrafo da Folha, Jorge Araújo, para ilustrar a reportagem sobre o álbum, causou a exoneração do administrador da necrópole, Edson Romano, por ordem do então prefeito de São Paulo, Jânio Quadros, que, além de não apreciar a ideia das fotos no cemitério, deixou um recado no memorando: “Serve de lição a outros”.
Hoje, após 35 anos de estrada e 15 álbuns de estúdio, o último intitulado “Nheengatu” (2014), restaram apenas três remanescentes da formação clássica: Tony Bellotto, Sérgio Britto e Branco Mello. A última grande apresentação do trio aconteceu no Rock in Rio deste ano, quando os músicos abriram o Palco Mundo no dia da apresentação da banda inglesa The Who, no Rio.