Há 25 anos, Dr. Dre lançou o disco ‘The Chronic’ e revolucionou a história do rap

Jair dos Santos Cortecertu

“Isso é bom ou não?”

O rapper Dr. Dre se fez essa pergunta no início dos 1990 ao ouvir as faixas do seu primeiro disco solo na varanda de sua casa. Naquele momento, estava acompanhado do seu parceiro de música, Nate Dogg, e refletia sobre o seu futuro depois do fim do polêmico grupo de gangsta rap N.W.A.

A dúvida surgiu após a rejeição de gravadoras especializadas em hip hop. À época todos os contatos de Dr. Dre afirmaram que o que ele fazia não era rap, pois o MC e produtor tocou instrumentos em vez de basear seu disco apenas em loops de bateria e samples, algo comum na cena e que foi uma das marcas de seu antigo grupo.

Em 15 de dezembro de 1992, “The Chronic”, o disco que inicialmente tirou o sossego de Dr. Dre, foi lançado pelo selo Death Row Records, do qual o rapper foi cofundador, ao lado do temido Suge Knigth, e distribuído pela Interscope Records. A história do rap depois disso nunca mais seria a mesma.

Naquele tempo, a população dos guetos americanos ainda sentia a tensão racial após a absolvição dos policiais que espancaram o taxista negro Rodney King, fato que desencadeou uma série de distúrbios em Los Angeles. A música “Fuck the Police”, do N.W.A., foi trilha sonora dos conflitos nas ruas.

Mas o novo trabalho do rapper e produtor do gangsta rap não seguiu a mesma linha estética repleta de colagens e samples.

O álbum solo de Dr. Dre surpreendeu o mundo do entretenimento ao ser um registro da realidade dos jovens negros de Los Angeles rimado de maneira violenta em instrumentais com apelo pop do novo estilo g-funk.

Em pouco tempo, “The Chronic” –que também expôs as rixas entre o rapper e seu ex-parceiro de N.W.A. Eazy-E— ganhou disco de platina triplo, e Dr. Dre conquistou seu primeiro Grammy, por Melhor Performance de Rap Solo, na faixa “Let Me Ride”.

Em 1993, o trabalho de Dr. Dre, que já vendeu mais de 5 milhões de cópias, ajudou a moldar a forma como o rap seria feito durante quase uma década.

Vinte e cinco anos depois, “The Chronic” é um disco cultuado por abrir caminhos na produção musical, levar o gangsta rap além dos seus limites e apresentar artistas como Nate Dogg, Rage, Kurupt e a estrela do rap em ascensão Snoop Dogg, que hoje é, com Eminem, o pesadelo do presidente Donald Trump. Recentemente, Snoop Dogg lançou o disco “Make America Crip Again”, em resposta ao slogan da campanha do atual presidente dos EUA.

O documentário “The Defiant Ones” , sobre Dr. Dre, conta como o rapper e Snoop Dogg se conheceram numa festa em que o Snoop estaria vendendo maconha. Dre ouviu o rap de Snoop por meio de Warren G, seu meio-irmão. Logo depois, ligou para Dogg, que não acreditou no início.

“Assim que eu recebi um telefonema dele e eu desliguei, pensei: esse cara não pode ser a porr* do Dr Dre. Eu disse: ‘Preto, para de mentir!’. Dre ligou novamente e disse: “É o Dre. Que merda é essa? Eu quero trabalhar com você! Cola no estúdio na segunda-feira”, recorda Snoop Dogg.

Dogg disse que quando desligou parecia que ele estava no céu. “Dre falou comigo. Quer trabalhar comigo. Só quem é do rap talvez entenda, mas foi como um religioso falar com Deus.”

LEGADO

Edi Rock, integrante dos Racionais. (Foto: Fabio Braga/Folhapress).

“Pra mim, ‘The Chronic’ é um dos melhores de discos de rap de todos os tempos. Este álbum revolucionou o hip hop. Existe o rap antes e depois desse play”, afirma Edi Rock, integrante do grupo Racionais.

Na época do lançamento do disco solo de Dr. Dre, o rap no Brasil ainda estava em transformação, tinha cerca de cinco anos. O grupo de Edi Rock acabara de lançar o disco “Escolha o Seu Caminho”, segundo trabalho dos Racionais.

Erick Jay, DJ residente do programa “Manos e Minas” (TV Cultura), tricampeão do Hip Hop DJ e campeão do DMC DJ Championships de 2016, na categoria Supremacy, concorda com Edi Rock. “O primeiro disco solo de Dr. Dre é um dos melhores álbuns que já ouvi, todas as faixas são ótimas, principalmente as clássicas ‘Nuthin’ But a G Thang’ e ‘Let Me Ride’, entre outras. Este disco revolucionou o hip hop.”

Em 1992, na capital Brasília, o rapper GOG –que lançou recentemente o álbum “Mumm-Ra High Tech”, seu 11° disco– estava gravando seus primeiros trabalhos e, ao ouvir “The Chronic”, captou a mensagem de transgressão, mas também entendeu a representatividade da inserção de um artista negro em outros ambientes. “Este disco colocou o hip hop no mundo, mas ele colocou o hip hop também no seu bairro. A partir dali, todos nós começamos a cantar a nossa casa com orgulho. Dali nasceu o discurso: eu sou daqui, eu sou o GOG, de Brasília, da periferia do DF. A gente já vinha percebendo isso desde o N.W.A, mas o grande momento pra mim é o ‘The Chronic’”, afirma o MC.

O rapper GOG. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)

Para GOG, o primeiro trabalho de Dr. Dre trouxe exemplos que vão da música ao planejamento. “Eu acredito que este disco do Dr. Dre é a descoberta do empreendedorismo, é a revanche em meio a todas aquelas tretas e guerras. ‘The Chronic’ mostrou novas formas, o estilo g-funk, o gangsta rap na sua essência. Também teve essa cena de parcerias –‘Nuthin’ But a G Thang’ foi escrita pelo rapper D.O.C. Tudo isso me alertou sobre parcerias, sobre como a gente deve trilhar pelos territórios e montar uma grande estrutura”, afirma o rapper do Distrito federal.

“No início da década de 1990, vivíamos uma fase de transição do rap entretenimento para o rap de contestação no Brasil. ‘The Chronic’ fez alguns da cena rap brasileira assumirem o lado mais sério da criação musical. Dr. Dre sempre será Dr. Dre, mas eu gostaria de ouvir mais sua voz em suas recentes produções”, fala Fábio Rogério, DJ, radialista e apresentador do programa “Espaço Rap”, da rádio 105 FM.

“The Chronic” figura na lista dos 500 melhores álbuns de todos os tempos da revista “Rolling Stone”. A inovação musical apresentada por Dr. Dre em 1992 ultrapassou gerações. Kanye West afirmou que o álbum de Dre é para o hip hop o equivalente aos trabalhos de Stevie Wonder.

O brasileiro Rashid, que prepara o lançamento do álbum “Crise” para 2018, fala sobre a atualidade de “The Chronic”. “Dre sempre foi um cara musicalmente à frente. Toda vez que resolve fazer um disco, vem pra mudar algo na cena. ‘The Chronic’ imprimiu algo muito característico da West Coast, na minha visão, uma musicalidade que em vários momentos parece até suave, mas com letras fortes e pesadas. Até hoje a gente busca o equilíbrio entre o orgânico e o digital quando vamos produzir algo, e ele já tinha encontrado naquela época.”