Há 30 anos, desastre nas Filipinas superou Titanic
O Titanic pode ser considerado o mais famoso naufrágio da história da navegação mundial, só que a colisão com o iceberg, que matou 1.503 pessoas em 1912, fica atrás da tragédia provocada pelo choque entre o barco de passageiros MV Doña Paz e o navio petroleiro MT Vector, que completa 30 anos.
O acidente, registrado nas Filipinas no dia 20 de dezembro de 1987, é até hoje a maior catástrofe marítima após a Segunda Guerra Mundial, com número estimado de 4.375 mortos, segundo a Folha e emissoras de TV locais.
A cinco dias do Natal, o Doña Paz, que tinha capacidade para 1.580 passageiros, transportava mais de 4.000 pessoas que iam do porto de Tacloban, na ilha de Leyte, para a capital filipina Manila.
A viagem começou na manhã de domingo de 20 de dezembro e chegaria ao seu destino no dia seguinte.
O documentário “Asia’s Titanic” (2009), da National Geographic Channel, trouxe depoimentos de sobreviventes, que relataram a superlotação, o que provocou, por exemplo, caos até na hora das refeições.
O sobrevivente Salvador Bascal, então com 44 anos, cuja filha Aludia foi a única mulher resgatada, afirma que os passageiros dormiam no deck e nos corredores e chegavam a brigar por lugares no chão. “Nós fomos como baratas ou formigas”, conta Aludia no documentário. Ela tinha 18 anos na época, sofreu queimaduras e perdeu a visão do olho direito.
O acidente ocorreu por volta das 22h, a 170 km de Manila, no estreito entre as ilhas de Mindoro e Luzon, quando o petroleiro Vector se chocou contra a lateral do Doña Paz. A maioria dos passageiros dormia no momento da batida.
O Vector, que tinha 13 tripulantes, transportava 8.800 litros de óleo diesel, querosene e gasolina.
Com a colisão, houve uma forte explosão, com o material inflamável se espalhando pela água e a fumaça e as chamas invadindo o Doña Paz.
“Eu estava na cozinha. Quando vi o fogo, joguei-me na água através de uma janelinha. Segundos depois, as chamas engoliram a cozinha. O barco explodiu, depois rodopiou duas vezes e afundou devagar”, afirmou Arnel Garlang, então com 18 anos.
Ele foi um dos 27 sobreviventes do maior acidente da navegação marítima.
Além da superlotação, de não existirem barcos ou botes salva-vidas e de a região ser infestada por tubarões, as primeiras equipes de resgate chegaram ao local do acidente somente oito horas depois do acontecido.
O barco Don Carlos, o primeiro a chegar, foi responsável pelo resgate de 26 sobreviventes (24 do Doña e 2 do Vector). Cerca de outras dez embarcações realizaram buscas no local, cuja profundidade é de 530 metros, mas nada encontraram. “Logo depois da explosão, as águas estavam cobertas com mais corpos, entre adultos e crianças, do que as equipes de resgate podiam dar conta”, afirmou o sobrevivente Renato Asistorga, então com 19 anos. Ele viajava com nove membros da família –oito deles desapareceram. Segundo o sobrevivente, a água do mar tinha gosto de gasolina.
O resgate de um menino de cinco anos –o estado de saúde dele era crítico– no dia 22 de dezembro, quase dois dias após o acidente, reascendeu a chama da esperança de encontrar mais sobreviventes e foi considerado como “presente de Natal”. No entanto mais ninguém foi encontrado com vida.
Devido à falta de registro de nome de todos os passageiros do Doña Paz, o número de mortes não é preciso. As estimativas oscilam sempre entre 4.340 e 4.390 mortos. Os números das TVs e jornais locais chegam a ser mais confiáveis pelo fato dos veículos acompanharem, nos dias seguintes ao desastre, o encontro dos corpos, resgatados por pescadores, e o relato das pessoas que tinham parentes nas embarcações.
A empresa responsável pelo Doña Paz, a Sulpicio Lines, negou que o barco estivesse superlotado. Alegou que a bordo estavam 1.586 pessoas.
Após o acidente, foi divulgado que o capitão e dois oficiais tinham deixado o comando do barco, construído em 1963, em Hiroshima (Japão), sob responsabilidade de um aprendiz –e que, no momento do acidente, o capitão assistia a um vídeo em sua cabine e os oficiais bebiam cerveja fora de seus postos de trabalho. Assim como foi informado que a tripulação do Vector não tinha qualificação para guiar o petroleiro e navegava sem licença.
No dia 26 de dezembro, a Folha informou que quase mil pessoas se reuniram em Manila para protestar contra as autoridades e criar uma lista própria de passageiros do Doña Paz.
Neste dia, foi divulgado que seria impossível resgatar todos os cadáveres, já que muitos foram carbonizados e/ou comidos por animais marinhos. Outra dificuldade, também, foi que pescadores, com medo de doenças, começaram a enterrar na areia da praia partes de corpos encontrados no mar. Restos mortais resgatados foram levados para o estádio Rizal Coliseum, na capital das Filipinas, a fim de serem identificados.
As autoridades portuárias concluíram no dia 29 de dezembro de 1987 que o sistema de radar do barco Doña Paz apresentava falhas no momento do acidente. As investigações concluíram que houve negligência por parte dos órgãos que regulavam a navegação marítima nas Filipinas, permitindo que uma embarcação partisse em viagem com excesso de passageiros e sem itens de segurança. E que também houve culpa por parte do Vector.
Após o acidente, a Sulpicio Lines trocou de nome, mas ainda assim esteve ligada a outros acidentes marítimos no país.
Em 2017, nos EUA, uma ação contra a Caltex Internacional, responsável pelo combustível do Vector, conforme informou o “BusinessMirror“, indenizou cada família com vítima no acidente com a quantia de US$ 4.343 (cerca de R$ 14.300).