DIVÓRCIO, 40: Após 26 anos, Nelson Carneiro venceu a batalha pela Lei do Divórcio no Brasil

Jair dos Santos Cortecertu

No dia 23 de junho de 1977, após o voto do deputado maranhense Luiz Rocha garantir a maioria necessária para a aprovação da emenda constitucional que possibilitou a criação da Lei do Divórcio –promulgada em 26 de dezembro de 1977-, o senador Nelson Carneiro foi cercado por uma multidão de repórteres.

Naquele momento, recebeu manifestações calorosas do público que o aguardava fora do plenário. Como uma celebridade pop, Carneiro deu autógrafos, recebeu beijos e agradecimentos pela sua luta contra a indissolubilidade do casamento.

“Essa não foi uma guerra contra a igreja. Não foi uma vitória contra a igreja. foi uma vitória da família brasileira”, afirmou o senador em sua primeira declaração após a vitória dos divorcistas.

O debate sobre a aplicação de uma lei sobre o divórcio ganhou maior intensidade em 1977 e dividiu a opinião pública. Naquela época, o desquite dissolvia a sociedade conjugal perante a lei, mas não acabava com os vínculos matrimoniais, fato que impedia um novo casamento.

A oposição da Igreja Católica, os interesses de líderes conservadores e os conceitos morais dos congressistas provocaram fortes discussões quando foi realizada primeira da votação da Emenda Constitucional nº 9 em 15 de junho. Pelo regimento da época, eram necessárias duas votações.

A emenda de Nelson Carneiro foi o ápice de sua luta pelos direitos da família brasileira, iniciada em 1947, quando assumiu uma das cadeiras na Câmara dos Deputados. Mas foi em 1951 que Carneiro apresentou seu primeiro projeto de anulação do casamento, 26 anos antes da sua festejada vitória divorcista.

Em Brasília, vibração do público e dos parlamentares no final da votação da emenda constitucional que possibilitou a criação da Lei do Divórcio, no dia 23 de junho de 1977. (Foto: Folhapress)

“O projeto foi tenazmente combatido por todo o clero, através de suas associações e, na Câmara, pelo meu amigo, mas adversário, monsenhor Arruda Câmara, que chegou a batizar esse projeto de ‘tortuoso e mascarado’ e, que no fundo, levaria a legitimidade do divórcio. Mas o amplo debate que o projeto provocou, graças aos meios de comunicação, esclareceu os justos objetivos a que me propunha”, recorda Nelson Carneiro em entrevista à Folha em abril de 1970.  

Monsenhor Arruda Câmara, um dos maiores militantes antidivorcistas, nas décadas de 50 e 60, e autor do livro “A Batalha do Divórcio”(1952), travou intensos debates com Nelson Carneiro. O parlamentar morreu em fevereiro de 1970.

“Quando Nelson Carneiro apresentou o primeiro projeto, em 1951, foi um escândalo. Foi chamado de profeta das ruínas e coveiro da família. Arruda Câmara, que era muito ativo, conseguiu rapidamente arregimentar uma parcela da Câmara para se opor ao projeto. O projeto foi derrotado, mas foi ele que deu notoriedade a Nelson Carneiro, que passou a ser convidado para debater o tema em rádios e jornais”, afirma a historiadora Tereza Cristina França, em reportagem da Folha de 2007Incansável, Carneiro chegou a declarar à Folha da Noite que a vitória de seu projeto estava assegurada quando foi aprovada uma proposta de votação secreta em 1952.

O deputado Nelson Carneiro conversa com o poeta Jamil Almansur Haddad e crítica de teatro Maria José Carvalho na estreia da peça “O Culpado foi Você”, escrita por Carneiro em 1952.

Em janeiro de 1961, ao comentar, na Câmara dos Deputados, o livro “A Batalha do Divórcio”, de Arruda Câmara, o então deputado Carneiro foi irônico ao abordar o pedido de mudança do título da publicação feito por um cardeal de São Paulo. O religioso queria que o nome do livro fosse “A Vitória Contra o Divórcio”.

“Ao fazer esse registro, sr. Presidente, quero significar, ainda uma vez, que monsenhor Arruda Câmara é o mais prudente dos homens. Melhor será mesmo chamar ‘A Batalha do Divórcio’, porque a guerra quem ganhará sou eu”, disse Nelson Carneiro.

Nascido em 1910, na cidade de Salvador (BA), Nelson Carneiro levou a bandeira política dos direitos da família e do divórcio ao Congresso Nacional, foi eleito deputado federal por três vezes e senador por outras três. O considerado pai do divórcio morreu em  1996, em Niterói, onde se recuperava de uma cirurgia abdominal.