Há 25 anos, o jornalismo perdia Otto Lara Resende
Na madrugada da segunda-feira de 28 de dezembro de 1992, uma parada cardiorrespiratória provocada por uma embolia pulmonar interrompeu a vida do jornalista, escritor e então membro do Conselho Editorial da Folha, Otto Lara Resende, aos 70 anos.
Na ocasião, amigos e familiares defenderam que houve negligência por parte do hospital Beneficência Portuguesa, onde o jornalista esteve internado duas vezes naquele mês.
A primeira internação ocorreu em 9 de dezembro, quando o escritor passou por uma cirurgia de hérnia de disco lombar, sendo liberado cinco dias depois.
Em 19 de dezembro, porém, o aparecimento de uma infecção no local da cirurgia, o fez retornar ao hospital.
O advogado Bruno Lara Resende, um dos quatro filhos do escritor, declarou na época que tinha “certeza” de que o pai havia contraído uma infecção hospitalar. Segundo contou à imprensa na época, as condições de higiene do hospital eram “péssimas”.
O sociólogo e cientista político Hélio Jaguaribe, ligado à família de Otto, afirmou ter visto “enfermeiras trocando cateteres sem luvas”, além de “baratas pelo chão do hospital”.
Do outro lado da discussão, o então presidente da Beneficência Portuguesa, Manoel Lima Costa, rebateu as alegações de Bruno e de Jaguaribe. “É uma reação normal de familiares e amigos à luz da aflição”, contou Costa, ao declarar que Otto Lara Resende estava bem e que não havia qualquer indício de que ele tivesse contraído infecção no hospital.
O corpo do escritor foi sepultado no mausoléu da ABL (Academia Brasileira de Letras), no cemitério São João Batista, na zona sul do Rio. Cerca de 300 pessoas, entre familiares, amigos e políticos prestaram as últimas homenagens ao escritor, que desde outubro de 1979, ocupava a cadeira de número 39 da ABL, em sucessão ao também jornalista Elmano Cardim (1891-1979).
Otto Lara Resende nasceu em 1º de maio de 1922, na cidade mineira de São João del Rei, a 184 km da capital Belo Horizonte. Ele era o quarto dos 20 filhos do professor de português Antônio Lara Resende e de Maria Julieta de Oliveira.
Os primeiros passos na educação foram no Instituto Padre Machado (IPEM), escola de tradição católica fundada pelo pai de Otto em 1921, e que teve em seu corpo de alunos outro mineiro ilustre, o escritor João Guimarães Rosa (1908-1967), de “Grande Sertão: Veredas” (1956).
Em 1938, com a mudança da família para Belo Horizonte, o IPEM teve de ser transferido para o centro da capital mineira. À essa altura, o jovem Otto, leitor voraz de Machado de Assis, já era intensamente conectado às escritas de Dostoiévski e dos franceses Paul Valéry e Louis Aragon, além de outros poetas e filósofos.
IMPRENSA
O primeiro contato de Otto com o jornalismo se deu em 1939, quando, aos 18 anos, começou a escrever para periódico católico “O Diário”, ligado à Cúria Metropolitana. Ao mesmo tempo, trabalhou no Serviço do Imposto Territorial da Secretaria de Finanças de Minas. Depois, foi editor do caderno literário do “Diário de Minas”.
Opositor ferrenho de Getúlio Vargas, de quem mais tarde conseguiu uma breve entrevista, chegou a colaborar para um pequeno jornal que fazia críticas ao Estado Novo.
Em 1940, Otto ingressou no curso de Direito da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Ao se forma em 1945, mudou-se para o Rio, onde passou a escrever crônicas para o “Diário de Notícias”.
Três anos depois, em 1948, casou-se com Helena Uchoa Pinheiro, neta do então governador de Minas Gerais, João Pinheiro. O casal teve quatro filhos, entre eles o economista André Lara Resende, ex-diretor do Banco Central do Brasil e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002).
No Rio, onde Otto viveu a maior parte de sua trajetória como jornalista, escreveu ainda nos periódicos “Diário Carioca”, “Última Hora”, “Correio da Manhã” e “O Globo”, além de ter assumido a direção do “Jornal do Brasil” e da revista “Manchete”, de Adolpho Bloch (1908-1995). Em Porto Alegre (RS), colaborou para o jornal “Zero Hora”.
Na década de 1950, no Rio, o jornalista integrou o que ele mesmo denominou como “os cavaleiros de um íntimo apocalipse”, grupo de intelectuais mineiros formado por Fernando Sabino (1923-2004), Hélio Pellegrino (1924-1988) e Paulo Mendes Campos (1922-1991), todos amigos do jornalista desde os anos 1940, quando se conheceram na capital mineira.
DIPLOMACIA E POLÍTICA
Em 1957, Otto Lara Resende ocupou o cargo de adido cultural na Embaixada do Brasil em Bruxelas. E entre os anos de 1966 e 1970 cumpriu a mesma função em Lisboa.
No governo de José Sarney, o escritor foi convidado para assumir o Ministério da Cultura, em maio de 1985, mas declinou da proposta.
LETRAS
Tendo se destacado mais como cronista de jornais e revistas e pelos laços que manteve com nomes relevantes da imprensa, dentre os quais Samuel Wainer (“Última Hora”), Carlos Lacerda (“Tribuna da Imprensa”), Paulo Bittencourt (“Correio da Manhã”), Roberto Marinho (“O Globo”) e Adolpho Bloch (“Manchete”), Otto Lara Resende teve uma obra literária enxuta, no entanto bastante expressiva.
Foram cinco livros de contos e um romance. Sua primeira obra foi a coletânea de contos “O Lado Humano” (1952). Depois, vieram “A Boca do Inferno” (1957) e “O Retrato na Gaveta” (1962). No ano seguinte publica seu único romance, o drama “O Braço Direito” (1963) e em 1975, “As Pompas do Mundo”. Anos mais tarde surge “O Elo Partido e Outros Contos”, uma reunião de contos publicados em seus livros.
A amizade construída com Carlos Drommond de Andrade, Augusto Frederico Schmidt, João Cabral de Melo Neto, Rubem Braga e Vinicius de Moraes também marcou sua trajetória literária.
Uma reedição da coletânea de perfis “O Príncipe e o Sabiá – e outros perfis“, está sendo lançada neste ano pela Companhia das Letras.
BONITINHA, MAS ORDINÁRIA
Otto Lara Resende e Nelson Rodrigues se conheceram nos anos 1950, na redação do jornal “O Globo”. Para o dramaturgo, as conversas e as frases de Otto faziam do mineiro um personagem à parte.
“A grande obra de Otto Lara Resende é a conversa; deviam pôr um taquígrafo andando atrás dele e vender suas anotações em uma loja”, disse certa vez Nelson Rodrigues sobre o cronista e amigo.
Uma das frases memoráveis atribuídas a Otto Lara Resende por Nelson Rodrigues, “O mineiro só é solidário no câncer”, foi negada pelo jornalista, que afirmava não ser de sua autoria.
Em 1962, Nelson Rodrigues prestou uma grande homenagem ao colega ao intitular uma de suas mais importantes peças com o nome do jornalista: “Bonitinha, mas ordinária ou Otto Lara Resende”.
A reverência não agradou muito a Otto, que, além de enxergar no título uma certa ironia por parte do dramaturgo, de birra, não compareceu à estreia da montagem.
FOLHA DE S.PAULO E TV GLOBO
Quando chegou à Folha em 1991, por intermédio do colunista Janio de Freitas, Otto estava recluso havia seis anos em seu apartamento do Jardim Botânico, no Rio, desde sua demissão em 1984 da TV Globo, onde foi diretor e apresentador em duas passagens na emissora.
Em 1967, apresentou na Globo o programa “O pequeno mundo de Otto Lara Resende”, e entre 1977 e 1978, o “Jornal Painel”, onde entrevistou grandes personalidades da arte e da política.
A saída da TV Globo, sem motivação expressa, fez o jornalista refletir sobre o que faria àquela altura de sua existência. Angustiado, deixou a barba crescer, coisa que nunca havia feito em toda a vida –nem bigode o escritor havia usado até então.
Em reportagem do jornalista Sérgio Augusto, publicada na Folha em fevereiro de 1984, o escritor expôs sua motivação pelo ineditismo estético:
“[…] Fazia pouco mais de um mês que eu havia deixado a TV Globo, estava desempregado, e me perguntei: o que um homem que chegou à indecorosa idade de 60 anos pode fazer em 1984? Foi então que decidi deixar a barba crescer. Entendi que deixá-la crescer marcaria alguma coisa na minha vida. No fundo, esta barba representa a reinvenção de um ideal adolescente de libertação”, filosofou o cronista.
Como colunista da Folha, onde integrou o Conselho Editorial do jornal, Otto Lara Resende escreveu cerca de 600 crônicas diárias sobre as mais diversas temáticas. “Bom dia para nascer”, sua primeira para o jornal, foi publicada no aniversário de 69 anos do jornalista, em 1º de maio de 1991.
O convite da Folha, no entanto, fez o escritor se questionar se seria capaz de assumir o compromisso de escrever todos os dias. Por isso, relutou em aceitar a proposta. “Meu medo é de que de repente me dê um branco e eu fique incapaz de fazer a crônica”, disse ao colega Janio de Freitas, logo que entrou para o corpo de articulistas do jornal.
Pontual na entrega de seus textos, conforme a Folha relatou em reportagem sobre sua morte, o escritor “tinha o hábito de redigir seus textos de última hora e com isso sofrer de uma crônica aflição”.
Sua última coluna na Folha, “Águia na cabeça”, publicada em 21 de dezembro de 1992, comparou a situação do então presidente afastado Fernando Collor de Mello ao caso do capitão Dreyfus, na França do século 19. E destacou ainda a importância de Ruy Barbosa para o Brasil.
Em 2011, a Companhia das Letras reeditou o livro “Bom dia para nascer” (1993), que reúne 266 crônicas de Otto escritas para a Folha enquanto colunista do jornal em 1992 e 1993.
O MEDO DA MORTE
“Tenho horror à morte. Horror. Adoro a vida, não quero me despedir dela tão cedo. Vou viver muito mais ainda. Sou de uma família longeva. Meu pai morreu com 94 anos. Espero ultrapassá-lo.”
Leia seleção com 20 crônicas escritas por Otto Lara Resende para a Folha entre os anos de 1991 e 1992, incluindo a primeira e a última coluna publicadas no jornal:
BOM DIA PARA NASCER – 1º.mai.1991
VAMOS SAIR DA FOSSA – 4.jun.1991
O CRIME DOLARIZADO – 6.jul.1991
A MALDIÇÃO DA POESIA – 8.set.1991
O PAPA E A GENTE – 12.out.1991
O CALO DA VELHICE – 16.out.1991
A BRUXA DO POETA – 1º.nov.1991
O JORNAL MORREU… E ESTA RENASCENDO – 1º.dez.1991
A FEZINHA E A ESPERANÇA – 5.jan.1992
SANGUE DE JABUTICABA – 9.fev.1992
A SOLIDÃO PROIBIDA – 9.mar.1992
SANTA JUMENTALIDADE – 6.abr.1992
DÚVIDA ETNOLÓGICA – 7.jun.1992
INICIAÇÃO À MOUQUICE – 16.jul.1992
BRASILEIRO: O QUE É – 11.out.1992