Há 25 anos, morria Dizzy Gillespie, criador do bebop e embaixador da ‘Diplomacia do Jazz’
Como promover a democracia e o estilo de vida americano em regiões do Oriente Médio e do Terceiro Mundo mesmo com uma realidade interna marcada pela segregação e pelo racismo? Nos anos 1950, esta foi uma das principais questões do governo dos EUA.
Para combater o avanço do comunismo promovido pela União Soviética e apagar a imagem de um país repleto de conflitos raciais, o então presidente Dwight D. Eisenhower investiu na diplomacia cultural e decidiu que a Guerra Fria seria travada e vencida no campo das ideias.
Nesse momento da história das duas superpotências mundiais, o jazz, que se tornou símbolo de criatividade artística e de dinamismo cultural nos EUA, passou a ter papel fundamental na política externa americana. O trompetista Dizzy Gillespie, um dos criadores do bebop, morto em 06 de janeiro de 1993, foi o escolhido para representar seu país e liderar músicos de jazz —que tinham como diretor musical um jovem de 23 anos chamado Quincy Jones— numa turnê por Europa, Oriente Médio, Ásia e América do Sul.
Nascido em 21 de outubro de 1917, na Carolina do Sul, além representar a novidade na cena cultural e ser o maior divulgador do bebop, Gillespie ficou conhecido como o primeiro embaixador do jazz. O músico teve sua turnê financiada pelo governo de Eisenhower, que manteve o alinhamento político iniciado por seu antecessor, o presidente Harry S. Truman. A sugestão veio de um fã de jazz, o deputado Adam Clayton Powell, Jr., do Departamento de Estado dos EUA. Mas alguns obstáculos precisavam ser superados.
JAZZ CONTRA O COMUNISMO
Se de um lado a sociedade racista americana associava o jazz aos negros, à sua suposta inferioridade e ao consumo de drogas pelos artistas, os líderes soviéticos definiam o gênero musical como “o barulho do Ocidente decadente”. Além disso, grande parte da população dos países do Oriente Médio, da África e da Ásia, em meio aos processos de transformações políticas, conflitos e independência, desprezavam a supremacia branca e o colonialismo.
No final do ano de 1955, preocupado com o alcance da mensagem pró-democracia de seu país e conhecedor do racismo americano, que era sempre denunciado pelos comunistas como uma praga capitalista, Adam Clayton Powell teve a ideia de promover uma banda de jazz especialmente formada com músicos negros e brancos para diluir a influência da União Soviética nas regiões em que Dizzy Gillespie e sua orquestra tocariam.
A partir de março de 1956, foram realizados shows para levar o “american way of life” à cidades de Irã, Líbano, Síria, Paquistão, Peru, Grécia, da antiga Iugoslávia e, depois, da América do Sul. Dizzy Gillespie veio ao Brasil em agosto. Durante a turnê da “Diplomacia do Jazz”, a banda americana convidou músicos locais para participarem dos shows.
O estilo bem-humorado de Dizzy Gillespie nas apresentações e a inovação trazida pelo bebop representavam a liberdade de pensar e de ter voz independente, este conceito foi utilizado pelo governo Eisenhower para mudar a imagem dos EUA no exterior. Pessoas que tinham aversão ao estilo de vida imposto pelos americanos passaram a ter interesse pelo jazz apresentado por personagens negros e brancos. Entretanto Gillespie, na biografia “To Be or Not to Bop: Memórias de Dizzy Gillespie”, afirmou que “não estava indo pedir desculpas pelas políticas racistas da América, mas se sentia muito honrado por ter sido escolhido como primeiro músico de jazz a representar os EUA em uma missão cultural”. O músico afirmou ter gostado da ideia de ter uma banda financiada.
Em sua passagem por diferentes países, Dizzy e seus músicos fizeram concertos para apresentar um histórico do jazz de 1922 até 1956. Além da diversidade racial na banda de Gillespie, a presença da trombonista Melba Liston causou estranhamento e perplexidade em países de tradição islâmica ortodoxa.
Em 2006, durante a comemoração dos 50 anos da “Diplomacia do Jazz”, a secretária de Estado dos EUA, no governo George W. Bush, Condoleezza Rice, disse que “a música de Dizzy Gillespie ofereceu a esperança da liberdade em um momento em que a liberdade foi negada a muitos em casa”. Para Condoleezza, o jazz transmitiu uma promessa futura de liberdade que ressoou em milhões de pessoas.
“Nossa tarefa era fazer uma turnê de boa vontade pelo Oriente Médio, Europa e América do Sul, mas na realidade éramos uma banda kamikaze enviada para acalmar a turbulência civil em locais como Chipre, Beirute e Teerã”, recordou o produtor Quincy Jones em 2009.
DIZZY CANDIDATO
O trompetista criador do bebop, com Charlie Parker e Thelonious Monk, foi candidato independente à Presidência dos EUA em 1964, disputando com o democrata Lyndon Johnson e o republicano Barry Goldwater. “Na verdade, tudo começou meio de brincadeira. Uns amigos meus fizeram umas camisetas com a frase “Dizzy for President”, só pra sacanear a eleição, mas aí percebi que eu não sou uma opção tão ruim assim. Os outros candidatos são Barry Goldwater e Lyndon Johnson! Cara, falando sério, eu sou muito melhor do que eles!”, disse Dizzy Gillespie –que acreditava e defendia os direitos civis– em entrevista publicada na revista “Down Beat”. O trompetista ainda prometeu mudar o nome da Casa Branca (White House) para Blues House e nomear Miles Davis para ser o diretor da CIA.
DIZZY BRASILEIRO
Dizzy Gillespie veio oito vezes ao Brasil. Numa dessas passagens pelo país, em agosto de 1974, o trompetista gravou um disco com o Trio Mocotó, no Estúdio Eldorado, em São Paulo. “Dizzy Gillespie no Brasil com Trio Mocotó” passou 36 anos perdido e foi lançado em 2009.