Há 95 anos, nascia Sérgio Porto, criador do satírico inimigo da ditadura Stanislaw Ponte Preta

Jair dos Santos Cortecertu

Humorista, apresentador de televisão, jornalista, funcionário público, cronista e crítico musical, Sérgio Marcus Rangel Porto deixou sua marca na imprensa brasileira. Carioca do bairro de Copacabana, nascido em  11 de janeiro de 1923, ele criou o famoso personagem Stanislaw Ponte Preta em 1951, quando trabalhou no “Diário Carioca”. Na metade da década de 1950, passou a escrever para o jornal “Última Hora” e manteve sua coluna até sua morte, em 30 de setembro de 1968, quase três meses antes do AI-5,  ato que deu mais poderes à ditadura militar.

“Stanislaw é internacional, esse realmente não nasceu em lugar nenhum. Aliás, o berço de Stanislaw é o ‘Diário Carioca’, foi na maternidade do ‘Diário Carioca’ que ele nasceu”, afirmou Sérgio Porto em entrevista que reuniu Rubem Braga, Vinicius de Moraes, Fernando Sabino e José Carlos de Oliveira na redação da revista “Realidade”, em janeiro de 1968. O jornalista ainda revelou que o ilustrador Tomás Santa Rosa teve a ideia de colocar o “S” no começo e o “W” no fim do nome Stanislaw, personagem de críticas ácidas ao regime militar e que ultrapassou a popularidade de seu criador.

“Gosto mais do Sérgio porque ele é muito mais gente, né? Mas é tudo muito natural. O que acontece é que o Stanislaw é popular e vende tudo muito bem: livro, disco, show, piada.  Aí, ele parece existir mais. Antigamente, por exemplo, muita gente não sabia quem era Stanislaw. […] Hoje todo mundo sabe que um é o outro, não tem mais aquele mistério. Quer dizer, o Stanislaw resiste ao Sérgio, entende? Mas não acaba com ele não”, disse Porto em entrevista reproduzida no livro “Revista do Lalau, organizado por Luíz Pimentel e lançado em 2008.

A “Revista do Lalau também registra a seleção “As Certinhas do Lalau”, feita pelo “mulherólogo” Ponte Preta. “Nascidas como ‘As Mais Bem Despidas do Ano’ na revista ‘Manchete’, em 1954, as ‘certinhas’ se tornaram uma ‘coqueluche’ nacional, uma expressão da época”, afirma o jornalista Caio Jobim em reportagem da Folha.

Durante sua trajetória, Sérgio Porto utilizou seu heterônimo para publicar livros como “Tia Zumira e Eu”, “Primo Altamirando e Elas”, “Bonifácio, o Patriota”, “O Garoto Linha Dura” e a série “Febeapá (Festival de Besteira que Assola o País)”, entre outros. Com seu nome, Porto escreveu “Pequena História do Jazz”,  “O Homem ao Lado” e “As Cariocas”, que em 2010 foi adaptado pelo diretor Daniel Filho para uma série de dez episódios da TV Globo,  e “A Casa Demolida”, livro que aborda as mudanças em Copacabana e em sua própria residência.

Com histórias repletas de sátiras, as colunas e crônicas de Stanislaw Ponte Preta desconstruíam o discurso do regime militar com exemplos simples de resistência no cotidiano dos cariocas. As representações da realidade criadas pelos oficiais da ditadura sempre estavam na mira de Ponte Preta.  A série “Febeapá (Festival de Besteira que Assola o País)”, sucesso de vendas no país,  mostram a acidez e o humor do cronista.

“Se vivo fosse, Stanislaw teria hoje material para uns 500 festivais por dia, tal o nível de besteiras que caracteriza a política brasileira”, disse o jornalista Clóvis Rossi na coluna “Saudades do Stanislaw, de 2005, em que aborda a atualidade da obra de Sérgio Porto em meio ao cenário político brasileiro do século 21.

CRIOULO DOIDO

Em 1968, Sérgio Porto compôs o  “Samba do crioulo doido” para o musical “Pussy Pussy Cats”. A música é uma crítica ao Departamento de Turismo da Guanabara que obrigava as escolas de samba a desfilarem só com enredos inspirados em fatos históricos. “É difícil encaixar nomes, datas e acontecimentos passados dentro de uma melodia”, explicou Porto no espetáculo “O Show do Crioulo Doido”.

“Este samba é o samba do crioulo doido. A história de um compositor que durante muitos anos obedeceu ao regulamento e só fez samba sobre a História do Brasil. E tome de Inconfidência, Abolição, Proclamação, Chica da Silva e o coitado do crioulo tendo que aprender tudo isto para o enredo da escola. Até que, no ano passado, escolheram um tema complicado: a atual conjuntura. Aí o crioulo endoidou de vez e saiu este samba…”, fala o locutor na introdução da música de Sérgio Porto.

“Samba do crioulo doido” virou um clássico da música brasileira e foi interpretado pelos grupos Quarteto em Cy e Demônios da Garoa, entre outros. A música de Sérgio Porto tornou-se sinônimo de confusão e falta de discernimento.

Em maio de 2005, o Governo Lula lançou a cartilha “Politicamente Correto, manual que lista expressões do dia-a-dia que devem ser evitadas pela conotação pejorativa ou discriminatória para determinados grupos da sociedade.

A expressão “Samba do crioulo doido” entrou no manual. De acordo com a cartilha, a frase passou também a ser usada para discriminar os negros, atribuindo-lhes confusões e trapalhadas.

HOMEM TÍMIDO

Totalmente inserido na mídia de massa que crescia no Brasil, Sérgio Porto participou da programação da TV Rio, TV Tupi, TV Excelsior e TV Globo, além de trabalhar na rádio Mayrink Veiga. O cronista também é lembrado por sua energia, discrição, timidez e entrega ao trabalho. “Nunca consegui saber o segredo: como é que ele conseguia dosar uma tal capacidade de trabalho com aquela tranquilidade de monge. Era impecável na aparência e só os muitos íntimos o conheciam por dentro”, afirmou o poeta e amigo Paulo Mendes Campos (1922-1991).

“Papai nasceu, viveu e morreu na rua Leopoldo Miguez, em Copacabana. Era um homem muito bem-humorado, brincalhão, de uma ironia que surpreendia e a todos fazia rir, mas, paradoxalmente, tímido para determinadas situações em que tivesse que se expor. Aqueles que acompanhavam suas divertidas crônicas pelos jornais não podiam imaginar que, por trás de suas páginas, escondia-se um homem acanhado com o público”, contam as filhas de Sérgio Porto, a historiadora Ângela Porto e sua irmã Gisela Porto, no caderno Ilustríssima de 2013.