Há 5 anos, Kevin Espada morreu em partida do Corinthians na Libertadores

A noite de 20 de fevereiro de 2013 registrou um dos capítulos mais tristes da história do futebol.

Na cidade de Oruro, a 230 km de La Paz, o Corinthians realizava sua primeira partida na Taça Libertadores-2013, diante do boliviano San José.

E o que tinha tudo para ser uma empolgante estreia, já que o time defendia o título sob o comando do técnico Tite e tinha aberto o placar aos 5 min de jogo –gol de Guerrero–, transformou-se em pesadelo.

Guerrero festeja com Ralf após abrir o placar contra o San Jose em Oruro (Foto: Aizar Raldes – 20.fev.2013/AFP)

Isso porque um sinalizador lançado da torcida corintiana contra fãs do time local presentes no estádio Jesús Bermúdez atingiu Kevin Douglas Beltrán Espada, 14.

Os ferimentos provocados pela explosão do artefato no rosto do jovem foram fatais. Kevin, torcedor fervoroso do San José, chegou a ser levado ao hospital, mas não resistiu. O caso causou comoção imediata.

Por segurança, já no intervalo do jogo, a polícia retirou integrantes da comissão técnica, jogadores não relacionados para a partida e membros da diretoria do Corinthians das tribunas –eles foram levados ao vestiário–, a fim de evitar que fossem alvos de reação da torcida local.

A notícia se espalhou tão rápido, que, ao mesmo tempo em que o Corinthians sofria o empate em campo, aos 15 min do 2º tempo, um grupo de pessoas já gritava fora do estádio chamando os brasileiros de “assassinos”.

“Eu trocaria meu título mundial pela vida desse menino”, disse o técnico Tite, após o jogo. Emocionado, ele não comentou a partida. Mesma atitude de Edu Gaspar, então gerente de futebol corintiano, que chorou ao falar de Kevin.

Kevin Espada, à direita, que morreu em estádio da cidade de Oruro (Foto: Arquivo Pessoal)

A delegação alvinegra teve que ficar por mais de uma hora no vestiário após o jogo.

Enquanto isso, a polícia boliviana efetuava a prisão de 12 torcedores corintianos —alguns deles levaram cerca de seis meses para deixar a prisão.

RESPONSABILIDADES

Apesar de o presidente Mário Gobbi ter considerado a morte do jovem uma fatalidade, no dia seguinte ao jogo o Corinthians, recebeu a notícia de que a Conmebol punia o clube, destinado-o a jogar sem torcida nas partidas em casa e impedindo-o de levar torcedores como mandante.

Ao mesmo tempo, o inquérito policial afirmou que a morte de Kevin foi provocada por “traumatismo craniano facial aberto pela ação do projétil”, de plástico, com 2,5 cm de diâmetro e 20 cm de comprimento, que entrou pelo globo ocular e atravessou o crânio”.

Infográfico publicado pela Folha em 22 de fevereiro de 2013 (Folhapress)

Com base nessas informações, a polícia de Oruro informou que os 12 corintianos presos, alguns ligados a Gaviões da Fiel e a Pavilhão Nove, iriam responder por homicídio.

Em meio a recursos do Corinthians e pedidos de soltura dos torcedores, o corpo de Kevin foi sepultado no dia 22 de fevereiro, acompanhado de uma multidão, em Cochabamba, onde morava.

Naquele momento, como descreveu Xico Sá, colunista da Folha à época, o exercício de se colocar no lugar da família, que recebeu o filho morto, no do torcedor corintiano que comprou ingresso e não pôde testemunhar o time em campo, no da Conmebol cobrada a punir alguém e no do próprio autor do disparo, que poderia jamais imaginar que provocaria um óbito, àquela altura “é nada”, quando um caixão é fechado para sempre.

Mas eis que surgiu então o autor do disparo, apresentado pela Gaviões da Fiel. Então com 17 anos, Helder Alves Martins assumiu ter lançado o sinalizador.

“Peço perdão, para a família do Kevin e para a dos meninos presos. Eu me sinto a pior pessoa do mundo, me arrependo amargamente”, afirmou. Antes, explicou: “Estávamos comemorando o gol, e eu fui acender o sinalizador, como se fosse igual aos outros. Apertei a parte de baixo e não aconteceu nada. Quando puxei de novo, disparou para a torcida”, disse Martins.

Ele reforçou à época que a confissão não visava proteger ninguém.

Torcedores pedem a libertação dos 12 presos em Oruro, na Bolívia, durante partida do Corinthians contra o San Jose, no Pacaembu (Foto: Ricardo Nogueira – 10.abr.2013/Folhapress)

Em 11 de abril, o Ministério Público de São Paulo decidiu processar Martins por homicídio.

Mesmo com a confissão e o processo no Brasil, só em 6 de junho –o Corinthians deixou a Libertadores em 15 de maio, em arbitragem polêmica contra o Boca Juniors–, 7 dos 12 torcedores foram libertados –eles chegaram ao Brasil três dias depois.

Em 2 de agosto, a Justiça da Bolívia rejeitou apelação da família de Kevin e libertou os cincos torcedores ainda presos em Oruro. Na ocasião, o pai do adolescente, Limbert Beltrán, disse que a confissão de Martins “foi uma armação”.

Para piorar, 22 dias depois o processo no Brasil contra Martins foi arquivado após a Justiça boliviana abrir investigação com o mesmo teor. Como ele não pode ser extraditado, não corre o risco de ser punido.

Martins, porém, acabou sendo preso mais tarde. Em 3 de abril de 2016, foi detido após uma briga nas Clínicas após o clássico Palmeiras x Corinthians. Na ocasião, 29 torcedores foram detidos. Entre eles também estavam Tadeu Macedo de Andrade e Leandro Silva, que ficaram 156 dias detidos na Bolívia.

Doze dias depois, porém, em 15 de abril, na maior ação contra torcidas organizadas em São Paulo, chamada de Cartão Vermelho, o DHPP prendeu 26 pessoas, entre elas Martins, acusado de participar da briga entre organizadas na av. Doutor Arnaldo.

À época as torcidas e integrantes da operação disseram que a ação, liderada pelo então secretário de Segurança Pública Alexandre de Moraes, teve motivação política.

O certo é que, cinco anos depois da morte de Kevin Espada, a violência entre as torcidas está bem viva.