Há 85 anos, Nina Simone nascia para lutar e brilhar na música
Todas elas estiveram entre as melhores músicas de todos os tempos. E principalmente relevaram o virtuosismo de Eunice Kathleen Waymon.
O talento para a música surgiu logo aos três anos, quando passou a tocar piano de ouvido. Apoiada pela mãe, que era empregada doméstica e pastora metodista, e pelo pai, biscateiro, Nina Simone caminhava para se tornar uma pianista clássica.
As primeiras aulas de piano foram pagas com ajuda da comunidade de Tyron, onde nasceu na Carolina do Norte, nos Estados Unidos, em 21 de fevereiro de 1933. Como retribuição, tocava na igreja.
Mas já aos 12 anos sentiu que não bastava ter talento na música, isso porque viu seus pais serem alvo de discriminação em seu primeiro concerto –os primeiros assentos eram destinados aos brancos.
Ela reagiu. Só tocaria mediante mudança dos pais para mais perto do palco.
E essa personalidade forte foi equivalente a seu talento.
Tanto que é difícil rotular Nina Simone em um estilo musical.
Desde que deixou sua cidade natal para seguir os estudos, quando que dar aulas de piano e passar a tocar num bar para se manter financeiramente, ela se moldou.
“Eu estudei piano clássico por 22 longos anos e teria seguido carreira se tivesse dinheiro para isso. Acontece que eu era pobre e fui rejeitada pelo Curtis Institute of Music da Filadélfia [por ela ser negra]. Então, eu não tive outra alternativa além de cantar em clubes noturnos para sustentar a família [ela tinha sete irmãos]”, afirmou à Folha em setembro de 1988.
Primeiro, foi desafiada a cantar, caso contrário perderia o emprego no bar de Atlantic City. Queriam que cantasse à altura de como tocava piano. E ela o fez. “Até eu fiquei surpresa”, disse ela, que até então não notava a voz.
E que voz ela tinha. Eletrizante que era, rapidamente fez sucesso, o que a levou a se transformar em Nina Simone –Nina, porque um namorado porto-riquenho a chamava de menina em espanhol (niña), e Simone, porque era fã da atriz Simone Signoret e “soava bem”.
O batismo artístico servia para preservar os pais do preconceito que seria destilado contra eles por ela estar cantando na noite e se afastando da figura única de pianista clássica.
Até estudou na respeitada Julliard School of Music, mas foi além e se tornou, como escreveu o repórter da Folha Thales de Menezes, em 2017, uma grande cantora de jazz e também de soul, rhythm’n’blues, pop, folk, gospel. Além de exímia pianista, tornou-se uma compositora inspirada e engajada na luta pelos direitos civis.
Essa última vertente rendeu-lhe amizades com Malcom X e Martin Luther King e um discurso forte, como o da música “Mississippi Goddam” (Maldito Mississippi), que escreveu em minutos após o assassinato de quatro meninas negras numa igreja em Birmingham (Alabama), em 1963. Tão forte que a aversão ao racismo a fez deixar os EUA e a ajudou a amealhar mais fãs.
Em meio a casamentos, problemas financeiros e vários endereços –Barbados, Suíça, Libéria, Guiné, Reino Unido e França–, a “suma sacerdotisa do soul”, como é descrita em seu site, lutou até quando pôde, contra o racismo, contra fãs barulhentos, contra um câncer de mama, contra sua própria birra e até mesquinharia.
Registrou isso em suas músicas, em livros e em documentários e filmes, como “What Happened, Miss Simone“.
Nada, porém, que apagasse a imagem da cantora imponente, que visitou o Brasil em 1960, em 1988, em 1997 e em 2000. A passagem de 1997 marcou uma série de “encenações” para envolver a cantora sobre o horário do show –ela tocava às 16h acreditando ser 17h– e mostrou ao público e aos produtores brasileiros o quanto eletrizante era Nina Simone.
Na última, 2000, em entrevista à Folha, revelou que “não era fácil ser Nina Simone“.
Como escreveu Sérgio Dávila, hoje editor-executivo da Folha, em 23 de abril de 2003, quando da morte da cantora (no dia 21 daquele ano), Nina “nos abandonou primeiro, antes que começássemos a abandoná-la, enxergando-a como uma ‘velha exótica'”.