Há 60 anos, Fangio foi sequestrado por guerrilheiros cubanos
Em uma ação ousada, um grupo de guerrilheiros cubanos, que lutava contra o ditador Fulgencio Batista, sequestrou no dia 23 de julho de 1958 o maior campeão da F-1 até então: o piloto argentino Juan Manuel Fangio.
O rapto durou cerca de 27 horas e, durante a ação, o esportista e os rebeldes criaram um vínculo de amizade.
Fangio chegou à ilha na condição de ídolo, pois já havia conquistado cinco títulos na principal categoria de automobilismo (só Michael Schumacher superou esse feito, na primeira década de 2000).
O piloto estava em Havana para participar de uma prova de Turismo –ele havia vencido a edição do ano anterior, o que aumentou ainda mais o seu prestígio entre os torcedores cubanos.
Essa corrida era considerada a principal competição esportiva no país, e o movimento rebelde havia ameaçado prejudicar o evento.
A ameaça foi concretizada, impedindo a sua participação da prova. No momento da abordagem, Fangio estava no salão do hotel, em Havana, conversando com o seu procurador e com um mecânico. Um homem se aproximou e apontou um revólver.
“Pensei que era uma brincadeira, porém, logo depois, convenci-me de que a coisa era séria”, declarou o argentino.
Logo depois do sequestro, jornais e agências de notícias receberam ligações telefônicas nas quais o interlocutor se identificou como integrante do grupo rebelde Movimento 26 Julho e que eles haviam raptado Fangio às 20h55.
A confirmação oficial foi dada pelo diretor-geral de Esportes de Cuba, Roberto Fernandez Miranda, cunhado de Fulgencio Batista: “Os miseráveis levaram Fangio” disse.
Na noite seguinte, depois da corrida, os rebeldes libertaram o piloto e avisaram o então embaixador da Argentina, Raul Lynch.
Sem queixas
Livre, Fangio contou que sempre foi muito bem tratado durante toda a ação. “Foi o mais cortês e luxuoso sequestro”, disse, em entrevista.
Ele revelou que os sequestradores pediram desculpas continuamente nesse período e que lhe explicaram que o rapto era necessário para a causa dos guerrilheiros.
Nessas 27 horas, o piloto foi levado a três diferentes casas. “As comodidades eram tão boas quanto às que eu tinha no hotel”, afirmou. “Até me serviram o café da manhã na cama. Não tenho queixa alguma sobre o modo como se comportaram comigo.”
Na hora da corrida, os sequestradores lhe perguntaram se queria escutar a prova pelo rádio, mas ele recusou. Porém, quando houve um grave acidente na corrida, ele pôde passar para uma outra sala para ver as imagens pela televisão.
Quando Fangio foi libertado, os rebeldes também mandaram uma carta para o embaixador argentino pedindo desculpas pela ação e destacaram a amizade entre os dois povos.
A polícia cubana tentou obter informações de Fangio sobre os sequestradores e pediu a ele que tentasse identificar os guerrilheiros em imagens, mas sem sucesso. “Mostraram fotografias e estavam todos lá, mas disse à polícia que não podia reconhecê-los”, falou o argentino.
Reencontro
Fangio voltou a Havana pela primeira vez em 1981. Ele, que estava com 70 anos, era o presidente da Mercedes Benz da Argentina e havia viajado para tentar vender 1.300 caminhões.
Logo que chegou a Cuba, encontrou-se com o diretor do Ministério do Comércio Exterior, Arnold Rodriquez, justamente um dos guerrilheiros que tinham participado do rapto de 1958.
“Fiquei muito feliz ao chegar ao aeroporto de Havana e ver um dos meus sequestradores”, brincou o ex-piloto, que durante a sua estada em Cuba de três dias também conversou com o chefe do grupo, Faustino Perez, em um almoço.
Em uma entrevista à Folha, em 1995, Arnold Rodriguez declarou que o grupo decidiu fazer o sequestro para divulgar a guerrilha para o mundo e porque achavam que a participação do popular esportista na corrida ajudaria a ditadura de Batista.
“Todos os jornais do mundo comentaram o caso e pela primeira vez se falou do que acontecia em Cuba”, afirmou o cubano.
Segundo Rodriguez, Fidel Castro não orquestrou aquele rapto. “Castro estava na guerrilha na Sierra Maestra, a mais de 1.000 quilômetros de Havana. Cuba é um país pequeno, mas muito longo. Não havia como perguntar a Fidel. O sequestro foi uma decisão do M-26 [Movimento 26 Julho], comandado por Faustino Peres.”
O ex-guerrilheiro comentou também que argentino logo entendeu o motivo do sequestro, e eles passaram a ter uma boa relação. “Eu estive em Buenos Aires e ele me levou à sua casa e me conduziu em seu carro pela cidade. Não foi à toa que, ao ser libertado, Fangio nos apresentou na embaixada como seus ‘amigos, os sequestradores’ ”, disse.
Em fevereiro de 1995, Rodriguez foi à Argentina na casa do ex-piloto que não estava bem de saúde. Conforme relatou o cubano, a única reação de Fangio ao vê-lo foi dizer o sobrenome do inimigo da guerrilha: “Batista”.
Fangio morreu em julho daquele ano.