Há um ano, gafe histórica marcava cerimônia de entrega do Oscar

Mateus Luiz de Souza

Segunda-feira de Carnaval, 27 de fevereiro de 2017, 2h09 (horário de Brasília). Quem não estava na folia e resistia acordado à cerimônia de entrega do Oscar no Dolby Theatre, em Los Angeles, mal sabia que estava prestes a testemunhar a história sendo escrita.

Quando o ator Warren Beatty, um dos responsáveis pelo anúncio dos vencedores, abriu o envelope, titubeou. Ele percebeu algo estranho no ar e chamou sua colega de premiação, a atriz Faye Dunaway, para ajudá-lo a conferir. Ela, sem hesitar, anunciou o musical “La La Land” como ganhador de melhor filme de 2017.

Houve a euforia de sempre na plateia, e a equipe de “La La Land” subiu ao palco. Três pessoas chegaram a discursar por um minuto e dez segundos quando uma movimentação anormal tomou conta dos bastidores e olhares inseguros eram trocados por quem estava lá em cima. Até aparecer um produtor do Oscar com um envelope na mão e revelar o erro.

Movimentação é prenúncio de gafe

O vencedor havia sido “Moonlight”, e o papel de melhor atriz para Emma Stone em “La La Land” havia parado, por engano, nas mãos da dupla Beatty e Dunaway.

Os produtores do musical ficaram perplexos, atônitos. Emma Stone, que também estava no palco, repetia incrédula “no way, no way” (não é possível, em inglês).

O produtor Fred Berger interrompeu sua fala. “A propósito, nós perdemos.” Jordan Horowitz, o primeiro a discursar, retoma o microfone. “Houve um erro. ‘Moonlight’, vocês ganharam melhor filme. Isso não é uma piada.” Para confirmar, arrancou o papel, agora correto, da mão de Beatty e mostrou às câmeras.

A equipe de “Moonlight” subiu então aos palcos e comemorou timidamente. Ninguém sabia muito bem como reagir e por muito tempo plateia, audiência, apresentadores, equipes pensavam (ou nutriam alguma esperança) que tudo fosse apenas uma pegadinha ou um mal-entendido.

Não, o que houve mesmo foi uma gafe histórica. Se você, leitor, é daqueles que sentem vergonha alheia, deve ter ficado com o rosto corado.

O diretor de “Moonlight”, Barry Jenkins, afirmou que nem mesmo em sonhos pensava que isso se tornaria realidade. “Mas danem-se os sonhos, porque isso é verdade. Meu amor para ‘La La Land’, meu amor a todos”. E, na saída do Dolby Theatre, completou. “Somos humanos, não somos perfeitos. Foi um jeito imperfeito de atingir um resultado perfeito.”

Jordan Horowitz, produtor de “La La Land”, reagiu com elegância. “Foi uma honra entregar o prêmio aos meus amigos de ‘Moonlight’, fiquei muito feliz.”

A repercussão mais imediata foi uma inundação de memes na internet. O mais lembrado foi a gafe de proporções parecidas na entrega do Miss Universo 2015, em 21 de dezembro daquele ano, em Las Vegas. O apresentador Steve Harvey anunciou a Miss Colômbia Ariadna Gutiérrez como vencedora. Já com a coroa na cabeça, ela teve que retirá-la e ceder para a Miss Filipinas Pia Wurtzbach, verdadeira ganhadora daquele ano. “É meu erro”, afirmou Harvey na sequência, ao explicar que leu errado os papéis.

‘La La Land’ perde Oscar para ‘Moonlight’

AFINAL, O QUE HOUVE?
Na noite da própria segunda-feira, 27, a PricewaterhouseCoopers, empresa que audita o Oscar, divulgou um comunicado responsabilizando o funcionário Brian Cullinan, que entrega os envelopes aos apresentadores, pelo erro na entrega do prêmio de melhor filme.

A empresa também disse que os protocolos para que o erro fosse corrigido não foram seguidos de maneira rápida o suficiente, e assumiu a culpa.

“A PwC é a responsável pela série de erros e de quebras de protocolo durante a noite do Oscar. O funcionário da PwC Brian Cullinan por engano deu o envelope reserva de melhor atriz no lugar do envelope de melhor filme aos apresentadores Warren Beatty e Faye Dunaway. Assim que o erro ocorreu, protocolos para corrigi-lo não foram seguidos de forma rápida o suficiente por Cullinan ou por sua colega”, declarou.

Mas por que haviam dois papéis de melhor atriz para Emma Stone (um que estava nas mãos da própria atriz e o outro que causou toda a confusão)?

Isso é um procedimento padrão. A PricewaterhouseCoopers disponibiliza dois funcionários para a entrega, um de cada lado. Eles portam uma maleta com os papéis de todas as categorias, e dividem-se na hora de repassar aos apresentadores. A ideia é que saibam todos os vencedores e confiram se tudo está indo bem. Na fatídica noite, Martha Ruiz compartilhava o palco com Cullinan.

Cullinan, contador por formação, aparentemente não foi a pessoa mais concentrada naquela noite. Segundo a agência de notícias “AFP”, ele usou o Twitter durante toda a cerimônia do Oscar, tendo até publicado uma foto de Emma Stone, depois apagada.

A revista “Variety” revelou que Cullinan havia pedido a produtores da Academia para participar de um esquete cômico durante a cerimônia com o apresentador da noite, Jimmy Kimmel. E ele passou a noite inteira em busca de holofotes, como pedidos de selfies com celebridades hollywoodianas e a lembrança de suas semelhanças com o ator Matt Damon.

Alguns dias depois da gafe, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, que organiza a premiação do Oscar, anunciou que não trabalharia mais com os dois funcionários da PricewaterhouseCoopers responsáveis pela gafe no anúncio de melhor filme.

IMAGEM ICÔNICA
Se a cerimônia de entrega do Oscar de 2016 ficou marcada pela presença majoritariamente de brancos entre os premiados (dando origem ao movimento #OscarSoWhite, Oscar tão branco, em inglês), a intenção em 2017 era a de um Oscar com mais diversidade e mais politizado, afinal ocorria pouco após a posse de Donald Trump como presidente dos EUA.

Mas a gafe, a maior de todos os tempos da Academia, ofuscou qualquer movimento nesse sentido, e a lembrança que se tem hoje, um ano depois, é a do erro na hora de anunciar os vencedores, que escancarou uma Hollywood em crise.

E é ela que continuará presente no futuro, muito embora toda essa trapalhada tenha produzido uma imagem icônica: o elenco e produtores de “La La Land”, brancos em sua maioria, de orçamento milionário, com protagonistas brancos em um universo indissociável da cultura negra, o jazz, passando o bastão de melhor filme para elenco e produtores de “Moonlight”, negros em sua maioria, de orçamento modesto e sobre a história de um jovem negro, gay e pobre que enfrenta a dureza das ruas de Miami.