Infarto tirou vida do indigenista Claudio Villas Bôas há 20 anos
Em 1º março de 1998, um infarto fulminante matava Claudio Villas Bôas, aos 82 anos, o desbravador de terras indígenas que, ao lado dos irmãos Orlando e Leonardo, participou da expedição Roncador-Xingu, criada e patrocinada pelo então presidente Getúlio Vargas, em 1943.
Nascido em 8 de dezembro de 1916, em Botucatu (a 238 km de São Paulo), filho de um advogado, é difícil falar de Claudio sem citar seus irmãos e dissociar a imagem de mateiros que, jovens, decidiram partir para “aventuras tão ousadas e generosas que seriam impensáveis, se eles não as tivessem vivido”, como definiu o antropólogo Darcy Ribeiro.
A aventura que marcou a vida de Claudio e o colocou, juntos aos irmãos, na história indígena do Brasil começou na década de 1940 quando, inspirada no modelo americano de ocupação, a ditadura de Getúlio Vargas planejou explorar os vazios do centro-oeste e norte do país.
A convocação para a expedição que buscava caboclos, de preferência sem instrução, para adentrar o Brasil central chegou ao interior de São Paulo e animou os Villas Bôas. Mas, para garantir uma vaga num projeto grandioso –e desconhecido–, vestiram roupas de peão e se declaram analfabetos. Os “classificados” para a empreitada eram mateiros fortes, não jovens de braços finos. Foram reprovados na primeira tentativa, mas aceitos na segunda.
A expedição começou em 1943 e terminou em 1951. Os Villas Bôas uniram-se a garimpeiros, aventureiros e militares para conquistar uma região até então habitada principalmente por índios xavantes. Tiveram contatos com diversas tribos, pacíficas e hostis, abriram picadas e mapearam a região. Juntos, os três irmãos, contraíram malária mais de 200 vezes.
Seis anos depois da primeira expedição, o cérebro da família –Orlando, o mais velho dos três, dizia que Claudio era “homem das ideias”, e ele, o agitador– chefiou nova expedição, desta vez partindo da serra do Cachimbo (sul do estado do Pará).
PARQUE INDÍGENA DO XINGU
Com as experiências adquiridas e a constatação da vulnerabilidade dos índios, decidiram criar um parque que preservasse suas terras, identidade e etnias. Segundo Orlando, “os índios do Xingu foram privilegiados porque os demais povos indígenas no Brasil tinham sempre o primeiro contato com aventureiros e predadores”.
Em 14 de abril de 1961, no curto mandato de Jânio Quadros (durou de 31 de janeiro a 25 de agosto daquele ano), o decreto nº 50.455 criava o Parque Indígena do Xingu, em Mato Grosso, e subordinado à Presidência da República.
No mesmo ano de criação do parque, morria o mais novo dos Villas Bôas, Leonardo, aos 43 anos, de miocardite reumática.
O parque possui uma área de 26 mil quilômetros quadrados, preserva 16 etnias e mais de 6.000 índios. Sua fundação é considerada a grande vitória dos irmãos Villas Bôas, que lutavam desta 1952 pela criação de um espaço que garantisse a sobrevivência dos índios.
Em agosto de 2017, o STF (Supremo Tribunal Federal) manteve a demarcação do território (por 7 votos a 0) em ação que o estado do Mato Grosso pedia indenização de desapropriação de terras indígenas do Xingu.
‘HOMEM DAS IDEIAS’
Claudio passou praticamente 40 anos em complicadas expedições, desbravou regiões desconhecidas abrindo mais de 1.500 quilômetros de picadas de mata virgem, fez o reconhecimento de inúmeros acidentes geográficos e ajudou na construção de pelo menos 30 campos de aviação.
O sertanista registrou ao lado do irmão Orlando suas aventuras da expedição Roncador-Xingu na obra “A marcha para o Oeste”, em 1994, que no ano seguinte venceu o Prêmio Jabuti como melhor livro-reportagem.
Por seu trabalho com comunidades indígenas, Claudio e Orlando foram indicados duas vezes ao Prêmio Nobel, em 1971 e em 1975.
Orlando sempre fez questão de mostrar o quanto o irmão foi importante em todos os projetos. “Claudio era o homem das ideias, da inspiração, a alma de todos os nossos livros”, declarou.