Mostra de literatura negra lança 9º livro de Carolina de Jesus, que faria 104 anos

Eu posso dizer que este livro é a realização de um sonho da escritora e do nosso sonho de ler Carolina de Jesus. Meu sonho é escrever é uma frase dela”, afirma Raffaella Fernandez.

Doutora em Teoria e História da Literatura pela Unicamp, ela é organizadora do nono livro de Carolina Maria de Jesus, “Meu sonho é escrever – Contos inéditos e outros escritos” (Ciclo Contínuo Editorial).

Raffaella pesquisa a obra de Carolina desde 1999, quando ganhou de um colega –que cursava filosofia e era bibliotecário– “Quarto de Despejo”, primeiro e principal livro da autora nascida em Sacramento (MG).

“Olha, achei este livro aqui no lixo da biblioteca e estou lhe entregando porque você gosta de coisas de favela, você é da favela. Você vai gostar”, disse o colega ao entregar o exemplar.

Quase 20 anos depois, a organizadora apresenta agora a nova obra de Carolina –que completaria 104 anos nesta quarta-feira (14)– na Mostra de Literatura Negra Ciclo Contínuo, evento com uma série de debates sobre literatura, jornalismo, ilustração e fotografia produzidos por autores negros, que será realizado a partir do dia 16 de março (sexta-feira), na Galeria Olido, no centro de São Paulo.

De acordo com Raffaella, “Meu sonho é escrever – Contos inéditos e outros escritos” vai além da autora estigmatizada, testemunhal, tida apenas como uma escritora de diários.

“Esta obra traz uma Carolina que está no centro de uma margem social e que faz uma literatura muito específica desse local e dessas condições. Eu até escrevi um artigo comparando Carolina ao [artista plástico] Bispo do Rosário [1911-1989], porque vejo uma poética comum nos dois, essa poética que se faz com os restos da sociedade, mas que resiste a partir deles e que cria o novo”, disse.

Segundo Raffaella Fernandez, a decisão de publicar uma nova obra de Carolina de Jesus se deu após diálogos com Vera Eunice de Jesus, filha da escritora, e articulações com o editor Marciano Ventura, da Ciclo Contínuo Editorial.

CAROLINA HOJE

Para Ventura, a importância e o significado que foram dados a Carolina desde “Quarto de Despejo”, publicado pela primeira vez em 1960, provocaram visões diversas. A autora foi reconhecida pelo alto teor crítico e pelo testemunho empírico sobre assuntos velados à nação brasileira, onde parcela significativa da população vivia assombrada pela fome, pela discriminação e pela pobreza.

“Ora tratavam seu trabalho literário como um grito de protesto que a sociedade não conseguia mais silenciar, ora como ‘fruto exótico’ para o deleite e paternalismo das classes abastadas”, afirma o editor.

A principal importância da obra da Carolina –que tem essa forte característica do discurso mesclado, dessa poética que eu chamo de resíduos, onde ela vai unir o literário com o não literário– hoje é justamente mostrar que todos têm direito à literatura, e que essas formas de racismo e intolerância que estamos vivendo e acompanhando no cotidiano precisam cessar. Por conta disso, não só Carolina, mas tantos outros artistas, escritores e pessoas comuns não são conhecidas e respeitadas devido à condição de simplesmente terem nascido negras”, explica Raffaella Fernandez.

Marciano Ventura –que também é curador da mostra de literatura negra que estreia no dia 16 de março– afirma que ler Carolina hoje nos remete a outros significados.

“Notamos isso pelo grande interesse que tem levado pesquisadores a se debruçarem em sua obra, estudando aspectos de ordem estético-filosófica, na intenção de retirar da invisibilidade, o rosto, as mãos e as letras dessa escritora que insiste em residir no imaginário da sociedade brasileira apenas como um retrato de uma realidade pungente das comunidades pobres deste país.”

Além de discussões e apresentações musicais, a Mostra de Literatura Negra Ciclo Contínuo terá outros lançamentos literários, como os livros “As Férias Fantásticas de Lili”, de Lívia Natália, “No Reino da Carapinha”, de Fausto Antonio, e a reedição de “O Beabá do Berimbau”, de Marcio Folha.

Livros que serão lançados na Mostra de Literatura Negra Ciclo Contínuo (Foto: Divulgação)

SERVIÇO
Mostra de Literatura Negra Ciclo Contínuo

Onde: Galeria Olido
Endereço: av. São João, 473, no Centro, em São Paulo

SEXTA-FEIRA
16h – Abertura da Feira de Livros (Corredor da Galeria Olido)
19h – Conferência “O Editor Paula Brito: uma história de resistência para novas gerações, com Oswaldo de Camargo”
21h – Entrega do prêmio Concurso Nacional de Contos Ciclo Contínuo.

SÁBADO
10h – Mesa: A escritura e a poética negra na literatura brasileira
Debatedor: Prof. Dr. Luis Silva (Cuti) (SP)
Debatedora: Profª. Dra. Livia Natália (BA)
Mediadora: Luciana Barrozo

13h30 – Clube Negrita de Leitura convida: Texto e Imagem – uma conversa sobre ilustração, design e literatura.
Debatedores: Edson Ikê, Junião, Silvana Martins, Mediadora: Brunata Mires – Clube Negrita de Leitura

16h – Dimensões didáticas da literatura negra para a infância e juventude
Debatedora: Profª. Dra. Heloisa Pires Lima (SP)
Debatedor: Prof. Dr. Fausto Antonio (BA)
Mediador: Leonardo Bento

18h15 – Lançamento dos livros:
“As Férias Fantásticas de Lili”, de Lívia Natália
“No Reino da Carapinha”, de Fausto Antonio
“O Beabá do Berimbau” (reedição), de Marcio Folha

19h – Apresentação musical: “PELAMÔ”, com Akins Kintê

DOMINGO
10h – Oficina “Família leitora – mediação de leitura para formação de leitores”, com Leonardo Bento e Luciana Barrozo

13h30 – Leitura do portfólio fotográfico de Antonio Terra (RJ) e workshop com o fotógrafo

16h – Debate “Carolina Maria de Jesus, desatando alguns nós!”
Debatedora: Doutoranda Fernanda Rodrigues de Miranda
Debatedora: Prof. Dra. Raffaella Fernandez
Mediador: Marciano Ventura

18h – Lançamento do livro “Meu sonho é escrever – Contos inéditos e outros escritos”, de Carolina de Jesus

19h – Encerramento
Renato Gama e as Pastoras do Rosário Cantam Carolina