Relembre textos de Ricardo Bonalume Neto na Folha
O jornalismo perdeu neste sábado (24) Ricardo Bonalume Neto, 57, um dos maiores repórteres de ciência e especialistas em assuntos militares de sua geração.
Natural de São Paulo, ele escreveu para a Folha desde 1985.
O Blog do Acervo Folha relembra abaixo algumas das principais coberturas realizadas por Ricardo Bonalume Neto (1960-2018):
OS PRIMEIROS TEXTOS
A reportagem “Gatos e gatas embelezam o festival”, no dia 14 de janeiro de 1985, marcou a estreia de Ricardo Bonalume Neto na Folha.
Publicado na página 30 da Ilustrada, o texto falava sobre o público presente no Rock in Rio.
Ele voltaria a publicar um texto no dia 19 de janeiro de 1985, sobre uma descoberta de uma obra de Mozart numa pequena cidade dinamarquesa.
A estreia numa das áreas em que mais se notabilizou, a de ciências, ocorreu em 27 de outubro de 1985, com o texto “Espaço se abre para produção industrial”.
AS GRANDES COBERTURAS
Em 1987, como lembra o jornalista Leão Serva, uma cobertura protagonizada por Ricardo Bonalume Neto ganhou repercussão mundial. À época, ele participou de uma expedição que reconstituía a primeira viagem de colonizadores da Austrália.
A embarcação tinha partido de Poutsmouth em 11 de maio de 1987. Passou por Tenerife e por Salvador, onde Bonalume embarcou. “As embarcações eram réplicas das originais dois séculos mais antigas, e os convidados também tinham de ser marujos –limpar o convés, cozinhar, entre outras atividades. Durante uma tormenta na travessia do Atlântico, antes da chegada à África do Sul, um tripulante morreu. Foi uma notícia que ganhou muito destaque em todo o mundo e a cobertura do Bona foi excepcional”, afirmou Serva.
O morto no caso era o imediato Henrik Nielsen, diante dos olhos de Bonalume, durante um turno de trabalho no veleiro norueguês Anna Kristina. O dinamarquês caiu no mar em 22 de agosto, na metade da rota entre o Rio de Janeiro e a Cidade do Cabo.
Em outra reportagem, de 17 de março de 1994, com “Turismo ‘hard’ corta a Transamazônica“, ao lado do fotógrafo Antônio Gaudério, Ricardo Bonalume Neto escreveu sobre um dos grandes temas de cobertura de sua carreira, a Amazônia.
À época, após percorrer a Transamazônica, ele escreveu: “O primeiro erro da estrada é o seu nome. Ela não é ‘transamazônica’, já que o trecho final pelo estado de Amazonas não foi concluído. O segundo é a própria estrada, uma invenção do regime militar para resolver o problema fundiário no Nordeste e povoar a Amazônia, transportando levas de camponeses sem-terra para o meio do mato, que foram praticamente abandonados em alguns anos, sem ajuda para praticar a agricultura e nem meios de transportar sua produção por uma estrada que a floresta teima em reclamar. O próprio traçado da rodovia parece ter sido feito à lápis em um atlas escolar, cortando áreas indígenas pelo meio.”
Escreveu também sobre os mais variados temas, desde “Mulher implanta pênis e agora é pai“, em 1994, até coberturas de assuntos internacionais, como a queda do ditador do Zaire.
De 16 a 22 de maio de 1997, publicou uma série de reportagens que marcaram a queda do ditador Mobutu Sese Seko no Zaire, que se transformaria em República Democrática do Congo, iniciada com o texto “Rebeldes estão a 20 km de Kinshasa” até “Kabila negocia com oposicionistas”.
A cobertura foi tensa, com o repórter em meio a tiroteios e mortes. Na volta à sede da Folha, contou a experiência aos colegas de trabalho. “Ele narrou a viagem, os tiroteios, as mortes. No meio da fala, abriu uma caixa. ‘Agora vou mostrar uns souvenires’. E sacou algumas balas douradas e pontiagudas, enormes, do tamanho da palma de uma mão. ‘Isso aqui eu resgatei do chão em frente o palácio do Mobutu. Felizmente, nenhuma me atingiu”, contou Fábio Zanini, editor de Poder da Folha.
Essas e outras reportagens tornaram Bonalume, além de um repórter humor ácido e irônico, o jeito brincalhão e a rabugice, um expert em assuntos internacionais e militares, afinal ele era capaz de escrever sobre países, mísseis e fuzis, bombas, tanques e canhões, planos da CIA, ações de guerra no Iraque e no Afeganistão, Exército e outros assuntos que lhe pedissem. Capaz de retardar o fechamento de uma edição, já que como ele dizia: “O atraso é o preço da qualidade”.