OUTROS 13 DE MAIO: Abdias do Nascimento explica o Quilombismo

Com uma vida dedicada à luta contra o racismo, Abdias do Nascimento (1914-2011) combateu a desigualdade, discutiu formas de elevar a autoestima do negro brasileiro e desconstruiu a ideia de democracia racial.

Num autoexílio durante o regime militar, Abdias ficou 13 anos fora do Brasil, de 1968 a 1981. No dia 9 de setembro de 1979, durante passagem pelo país, o criador do Teatro Experimental do Negro concedeu entrevista ao Folhetim.

Abdias do Nascimento falou da situação do negro na década de 1970 e, entre outros assuntos, explicou o que é o Quilombismo, movimento cultural e político. O Blog do Acervo Folha reproduz o texto “ABC do Quilombismo” na série Outros 13 de Maio, que vai até este domingo (13), quando serão completados 130 anos da abolição.

Leia o artigo completo abaixo:.

 

9.set.1979

ABC do Quilombismo

* Abdias do Nascimento

O Quilombismo pretende ser um método de análise, de interpretação de conceituação, de conscientização e de ação das massas afro-brasileiras. No livro que vai sair, editado pelas Vozes, toda essa sistematização que se caracteriza como ciência política do negro será amplamente exposta e documentada.

Nesta oportunidade, eu queria apresentar o ABC do Quilombismo, os Princípios do Quilombismo e a Semana da Memória Afro-Brasileira.

O ABC do Quilombismo na trajetória consignada no livro  “O Quilombismo: documentos de uma militância pan-africanista” nos ensina principalmente o seguinte:

 

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a) Autoritarismo de quase 500 anos, já basta. Não devemos tolerá-lo por mais tempo.

b) Bantu estava entre os primeiros africanos escravizados no Brasil. Estes foram os primeiros quilombolas e, desde o Quilombo dos Palmares, eles nos ensinaram a falsidade dos tratos do poder branco.

c) Cuidar e organizar nossa luta por nós mesmos. Cuidado com se aliar a outras forças políticas, sejam as ditas revolucionárias, reformistas ou promessistas. Qualquer aliança deve obedecer o interesse estratégico dentro do qual o negro precisa estar em posição de decisão, a fim de não permitir que massas negras sejam, mais uma vez, manipuladas por interesses e causas alheias.

d) Devemos ampliar nossa frente de luta, tendo em vista: 1º – Objetivos mais distantes da transformação radical das estruturas sócio-econômicas da sociedade; 2º – Os interesses táticos imediatos. Nestes últimos se inclui o voto analfabeto e a anistia aos prisioneiros políticos negros, maliciosamente fichados pela polícia como desocupados, vadios, malandros, marginais, etc.

e) Ejetar o supremacismo branco do nosso meio e ter sempre presente que o racismo o preconceito e a discriminação compõem o fator raça, a primeira contradição para as massas negras na sociedade brasileira.

f) Formar os quadros do quilombismo é tão importante quanto a mobilização e a organização das massas negras.

g) Garantir às massas seu lugar na hierarquia do poder de decisão, mantendo sua integridade etnocultural, é a motivação básica do quilombismo.

 

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h) Humilhados que fomos todos os negros africanos, com todos eles devemos manter íntimo contato, assim como também com organizações africanas independentes, tanto na diáspora, como no continente. São ajudas necessárias as relações com órgãos e instituições internacionais de direitos humanos, tais como a Unesco e a ONU, de onde podemos perceber apoio em casos de repressão. Não esquecer que sempre estivemos sob a violência da oligarquia latifundiária, da oligarquia industrial-financeira, ou da oligarquia militar.

i) Infalível como um fenômeno da natureza será a perseguição do poder branco ao quilombismo.

 

Então vice-governador do Rio pelo PDT, Darcy Ribeiro participa da inauguração do CIEP Zumbi dos Palmares com o governador Leonel Brizola (à dir.) e o ativista negro e deputado federal Abdias do Nascimento (à esq.), no Rio. (Foto: 1º.abr.86 – Paulo Whitaker/Folha Imagem)

 j) Jamais as organizações afro-brasileiras deverão permitir acesso aos brancos não quilombistas a posições dentro do movimento, com autoridade para obstruir a ação ou influenciar as tomadas teóricas de posições em face da luta.

k) “Know-how” é a maneira em inglês de falar do conhecimento científico e técnico, o qual devemos urgentemente obter. E, com ele, dar um novo avanço de autonomia nacional. O quilombismo não aceita que se entregue nossa economia às corporações monopolistas internacionais, porém tampouco defende os interesses de uma burguesia nacional. O negro foi o principal artífice da formação econômica do país e a riqueza nacional pertence a ele e a todo novo brasileiro.

 

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l) Livrar o Brasil da industrialização artificial, tipo “milagre econômico”, é uma tarefa do quilombismo. Neste esquema, o negro tem sido explorado tanto pelo capitalista industrial, como pela classe trabalhadora classificada. O negro, como trabalhador desclassificado, ou qualificado, e também classe trabalhadora qualificada, é vítima dupla: da raça e da classe.

m) Mancha branca é o que significa a imposição miscigenadora do branco, ou seja, o estupro da mulher negra.

n) Nada de permitir mais confusões. Se no Brasil todos tivessem efetivamente igualdade de tratamento, de oportunidade, de respeito e de poder político e econômico e seu encontro sexual, entre pessoas e raças diferentes, ocorresse espontânea e livre dos condicionamentos repressivos atuais, a miscigenação seria um fenômeno positivo, capaz de enriquecer a sociedade, a cultura e a humanidade das pessoas.

o) Obliterar os ensinamentos genocidas do supremacismo branco é uma das metas do Quilombismo.

p) Poder quilombista quer dizer: a raça negra no poder. A raça negra é majoritária, portanto, o poder negro será um poder democrático.

q) Quebrar determinados “slogans” que atravessam nossa ação contra o racismo, como esse de que nossa luta se localiza unicamente no conflito de classes. Os privilégios raciais do branco em detrimento dos negros é uma ideologia que vem desde o mundo antigo, não importa a roupagem que usava ou usa.
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r) Racismo é a primeira contradição no caminho do negro. A esta se juntam outras, como a contradição de classes e de sexo.

s) Saber que é hipócrita a condenação pública e reiterada do racismo e da discriminação racial por parte das classes dominantes, se tornou uma arma eficaz, objetivando amortecer o ímpeto da luta da luta do negro e disfarçar a operação racista e discriminatória contra as massas afro-brasileiras.

t) Todo negro ou mulato que aceita a democracia racial como uma realidade brasileira e a miscigenação vigente como positiva está traindo a si mesmo e se considerando um ser inferior.

u) Unanimidade é impossível e não devemos perder nosso tempo e nossa energia com as críticas vindas de fora. Temos de nos preocupar e criticar a nós mesmos e as nossas organizações no sentido de ampliar nossa consciência negra e quilombista, rumo ao objetivo final: a ascensão das massas negras no poder.

v) Vênia é o que não precisamos pedir aos brancos para reconquistarmos os frutos do trabalho realizado pelos nossos ancestrais africanos.

x) Xingar não basta. Precisamos é de mobilização, organização e de luta sem pausa e sem descanso contra as instituições que nos atingem.

y) Yoruba somos também em nossa africanidade. Os Yorubas são parte integrante de nosso povo, de nossa cultura, de nossa religião de nossa luta.

z) Zumbi é o fundador do quilombismo.

 

* Abdias do Nascimento foi escritor e teatrólogo criador do Teatro Experimental do Negro e professor na Universidade de Nova York. Deputado federal (RJ), vice-presidente nacional do PDT e diretor do Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (Ipeafro) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Autor de livros sobre a questão racial, como “O Quilombismo: documentos de uma militância pan-africanista” e “O Genocídio do Negro Brasileiro”, Abdias morreu de insuficiência cardíaca aos 97 anos, no dia 23 de maio de 2011.

 

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