1968 – A NONA BOMBA: Polícia prende garoto com coquetel molotov após espetáculo ser censurado

Na noite do dia 11 de junho de 1968, o quarto ano sob o comando da ditadura militar, o clima estava bastante tenso no Teatro Ruth Escobar, na Bela Vista, em São Paulo.

Com a ordem de impedir a apresentação da “1ª Feira Paulista de Opinião”, policiais foram ao teatro por volta das 18h.

Nesse espetáculo, com direção de Augusto Boal, os artistas levantavam a questão: “O que pensa o Brasil de hoje?”. E os militares não gostaram disso e proibiram a venda de ingresso e a apresentação.

Apesar do veto, os artistas conseguiram o aval do delegado regional do Departamento de Polícia Federal, o general Sílvio Correia de Andrade, para a realização de uma assembleia com a classe teatral no Ruth Escobar.

Por causa desse evento, a entrada do teatro estava cheia às 21h, quando uma agitação fora do prédio chamou a atenção. A polícia havia prendido um garoto, com uma bomba de fabricação caseira.

Essa é mais uma história, que está sendo recontada agora pelo Banco de Dados  no Blog do Acervo Folha, sobre a série de bombas naquele agitado período. Somente entre 19 de março e 11 de junho de 1968, foram registrados oito casos de explosões na cidade de São Paulo.

Clique aqui e confira o mapa das explosões em São Paulo em 1968

O rapaz preso pelos policiais no Teatro Ruth Escobar foi o estudante Eduardo Abramovay, de 17 anos, acusado de portar coquetel molotov, em cinco garrafas cheias, atadas por um estopim e camufladas num pacote de papel.

Prestes a completar 50 anos do episódio, ele falou que a sua vida mudou a partir daquele dia.

Segundo Abramovay, uma pessoa (ele diz não se lembrar o nome) havia lhe pedido para apenas transportar as bombas dentro de um embrulho até o teatro naquela noite e que alguém iria procurá-lo para recebê-la.

“Eu sabia que era coquetel molotov. Mas era muito moço, coloquei lá no carro, sem me preocupar em esconder direito”, disse.

Prisão

Ele afirmou que, assim que chegou ao teatro, os policiais olharam dentro do veículo e viram o pacote. Quando desceu do carro, acabou sendo enquadrado. “Não deu outra. Fui parar no Dops [Departamento de Ordem Política e Social]”, declarou.

Na época, agentes chegaram a divulgar que a bomba havia sido colocada ao lado do pneu direito da perua da Polícia Federal, mas ele nega essa versão. “Isso não aconteceu.”

Após ser levado pelos policiais, a assembleia da classe teatral acabou suspensa. Deputados que tinham ido prestar solidariedade aos artistas chegaram a dizer que o garoto era inocente.

Na entrada do teatro, o deputado estadual Fernando Perrone (MDB) gritava para multidão: “Alguém viu alguma bomba?”. A resposta vinha em coro. “Não!”

De nada adiantou o protesto. Abramovay ficou preso até o dia 4 de julho, quando o Superior Tribunal Militar concedeu um habeas corpus e o soltou.

“Não cheguei a ser torturado, mas apanhei. Levei uns tapas e socos no Dops”, comentou.

Ficou cerca de dois meses livre, mas teve que voltar para a prisão. Permaneceu detido por aproximadamente dois meses no Presídio Tiradentes.

Antes que fosse julgado, conseguiu outra vez uma liberdade provisória. “A minha família foi avisada que eu seria condenado, e, então, decidi mudar de país.”

Morou no Uruguai, na França, no Chile e novamente na França até que voltou para o Brasil em 1976, já sem chance de ser preso (ele havia sido condenado a três anos e meio de prisão).

Hoje, Abramovay tem 67 anos e é produtor audiovisual. “Não me arrependo de nada. Tudo o que eu vivi me serviu de aprendizado.”

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