1968 – A 11ª BOMBA: Após general criar desafio, carro com dinamite é lançado em QG e mata soldado de 18 anos
A sequência de bombas jogadas em São Paulo em 1968 provocou uma vítima fatal no dia 26 de junho, por volta das 4h50.
O soldado Mário Kozel Filho, de 18 anos, morreu com a explosão de um carro-bomba no quartel-general do 2º Exército, no Ibirapuera.
Depois do atentado ao Consulado dos Estados Unidos, no dia 19 de março daquele ano, outras nove bombas, pelo menos, foram registradas na cidade. Mas nenhum desses casos tinha provocado morte.
O Brasil vivia um período bastante conturbado. Os militares estavam no poder desde 1964, quando instalaram um regime ditatorial com a deposição do presidente João Goulart, e enfrentavam a resistência de grupos armados.
A bomba que matou Kozel acirrou mais a situação no país.
O Banco de Dados tem resgatado as histórias de bombas jogadas em 1968 em São Paulo no Blog do Acervo Folha.
Kozel era o soldado nº 1803, do então 4° Regimento de Infantaria. Sua ficha no Exército indicava que era de bom comportamento e que não tinha sofrido nenhuma punição.
“Não ia seguir a carreira de militar. Ele sonhava em concluir o Exército e montar uma oficina mecânica”, disse o pai dele, Mário Kozel, em entrevista para a Folha em 2007.
No dia do atentado, o rapaz havia assumido a posição de sentinela na guarita do Posto 5, perto da rampa de uma das entradas do QG.
Ele estava prestando serviço na rua Abílio Soares, mas, cerca de dez minutos antes de o carro-bomba aparecer, pediu para trocar de lugar porque estava com frio, conforme relatou o soldado José Maria Pereira Relva Júnior para a Folha da Tarde, publicada no dia seguinte ao ataque.
Depois da mudança de posição, Relva Júnior foi fazer o trabalho na rua e viu uma perua Chevrolet verde e um veículo Volkswagen vermelho se aproximando. Tentou pará-los para uma averiguação, mas a sua ordem não foi obedecida e quase foi atropelado.
O soldado reclamou que tanto ele como outros companheiros ainda não estavam acostumados com o novo modelo de fuzis usados naquela época.
“Logo à primeira vista notei que a perua Chevrolet ia entrar na rua do quartel. Apontei meu FAL [fuzil automático leve] e fiz sinal para que parasse. O motorista não diminuiu a marcha. Apontei para ele e acionei o gatilho. Tinha certeza de que, se o acertasse, deteria o veículo. Fiquei alguns segundos a esperar pelos estampidos, mas não houve nenhum. Não sei se a arma enguiçou ou se eu esqueci de destravá-la”, afirmou.
Outros soldados viram e começaram a atirar. Só que o Chevrolet verde seguiu pela rampa de acesso à instalação militar. O motorista acelerou e saltou do veículo, que estava carregado com cerca de 50 quilos de dinamite. O carro, desgovernado, bateu em um poste e depois chocou-se com a parede do quartel.
Com a ação, o alarme soou. Kozel se aproximou do local onde estava o veículo e, logo em seguida, houve a explosão que lhe tirou a sua vida.
Os estilhaços da bomba atingiram, sem gravidade, outros cinco militares. Já o motorista, que pulou do carro verde em movimento, foi resgatado pelo veículo vermelho e saiu em fuga.
A explosão fez com que ruísse a parede lateral do QG, onde tinha uma agência da Caixa Econômica Federal. Um cofre, de cerca de uma tonelada, foi jogado a vários metros de distância. O veículo virou somente destroços. Também houve um pequeno incêndio, que logo foi apagado.
Resposta a desafio
O grupo responsável pelo ataque foi a organização que mais tarde viria ser batizada de VPR (Vanguarda Popular Revolucionária). Segundo integrantes, o lançamento do carro-bomba foi uma resposta ao general Manuel de Carvalho Lisboa, comandante do 2º Exército.
O militar havia lançado uma provocação depois de membros do grupo roubarem, no dia 22 de julho daquele mesmo ano, fuzis no Hospital do Exército, no Cambuci.
“Essa foi uma iniciativa subversiva. Nela, não houve heroísmo algum. Desafio os subversivos a roubar armas dos meus quartéis, e não de hospitais”, disse o general Lisboa para os jornalistas.
Ele afirmou que os soldados estavam prontos para combater as “vanguardas comunistas”. “Desafio que usem essas armas contra nós. Mas previno que usem bem, usem pelas costas.”
Em depoimentos publicados no livro “Mulheres Que Foram à Luta Armada” (1998), do jornalista Luiz Maklouf Carvalho, as ex-guerrilheiras Renata Guerra de Andrade e Dulce Maia (as duas integraram a organização que atacou o QG do Ibirapuera) afirmaram que o objetivo não era matar Kozel nem outros soldados.
“Nós aceitamos a provocação do general. Depois a gente se autocriticou por ter feito isso, que não serviu para nada. A não ser para matar o rapazinho. Eu participei num carro de apoio, onde o motorista entrou depois de saltar. A fuga foi muito rápida. Nós nem ouvimos a explosão”, disse Renata a Maklouf.
“O Kozel realmente foi um azar nosso. Se quiséssemos matar, não jogaríamos o carro-bomba de madrugada, uma hora em que o quartel estava vazio”, afirmou Dulce, que ainda apontou “ingenuidade” do soldado por se aproximar do veículo naquela situação.
O general Lisboa estava no Rio de Janeiro e voltou a São Paulo após ao atentado. Ao regressar e ser questionado pela imprensa sobre o desafio que havia feito aos militantes, o comandante disse que não via nenhuma relação.
“Não é uma resposta ao desafio. Trata-se de um tumor que está arrebentando. É um plano preparado, longamente preparado. Os autores são elementos teleguiados, decaídos da revolução”, afirmou, referindo-se a grupos insatisfeitos com o golpe de 1964.
Segundo o comandante do 2º Exército, a tendência era que houvesse um endurecimento do governo. “Eu tenho para mim que sim. Acho que é o caminho. Não tenho dúvidas, esse é o caminho.”
O endurecimento previsto pelo general Lisboa culminou com o Ato Institucional número 5. Decretado em 13 de dezembro de 1968 pelo presidente Arthur da Costa e Silva, o AI-5 deu poderes extraordinários para o governo, como o de fechar o Congresso, as Assembleias e as Câmaras e o de suspender a garantia de habeas corpus em crimes políticos.
Pensão
Em 2003, durante o governo Luiz Inácio Lula da Silva, foi preciso elaborar uma lei específica para conceder pensão especial aos pais do soldado morto, pois o caso não pôde ser amparado na Comissão de Anistia do Ministério da Justiça (que analisou a situação de ex-integrantes das Forças Armadas perseguidos durante o regime militar).
O valor inicial da pensão mensal era R$ 330, mas a quantia foi reajustada para R$ 1.140 a partir de janeiro de 2004, com a criação de outra lei.
Só que a família ficou sabendo dessas leis apenas em 14 de junho de 2007. “Nunca soube de nada disso. E, se não nos avisaram, como é que a gente poderia saber?”, disse Mário Kozel para a Folha na época.
O Exército não pagava pensão à família porque Kozel Filho não pertencia ao quadro efetivo do órgão.