1998: Após França vencer Copa, Zidane revelou que Platini ligava para dar conselhos; leia entrevista
Depois de levar a França ao inédito título mundial, o então meia Zinedine Zidane afirmou em 1998, em entrevista exclusiva para a Folha, ter recebidos conselhos do ex-jogador Michel Platini, que era até então o nome mais badalado do futebol francês.
A entrevista, dada para o jornalista João Carlos Assumpção, foi publicada em 16 de agosto de 1998.
Platini participou de três Copas, foi campeão da Eurocopa-84 e ganhou três Bolas de Ouro (prêmio concedido pela revista France Football ao destaque de cada ano).
No Mundial disputado na França, o ex-meio-campista exerceu o cargo de presidente do Comitê Organizador da Copa.
Zidane disse que mantinha uma boa relação com Platini e que, mesmo depois do título, não se via superando o ex-jogador no coração dos franceses.
“No coração da torcida, não só eu, mas todo o grupo que ganhou a Copa e o técnico Aimé Jacquet, que soube como poucos aguentar uma pressão monstruosa, estaremos para sempre”, afirmou.
“Mas superar Platini é uma coisa que mesmo nós, campeões mundiais, não podemos fazer. Ele foi uma marca, um grande jogador e um bom amigo, que me telefonava de vez em quando, dava conselhos e torceu muito por nós”, continuou.
A França havia vencido o Brasil por 3 a 0, no Stade de France, em Saint-Denis, no dia 12 de julho.
Essa final ficou marcada para os brasileiros pelo mal-estar vivido pelo atacante Ronaldo ter passado mal antes do jogo e mesmo assim ter entrado em campo.
Segundo o Zidane, ter vencido o Brasil na final da competição, disputada em casa, foi algo muito especial.
“Melhor do que um sonho. Melhor do que um sonho, porque é uma realidade. Eu entrei com muita vontade de representar com dignidade o futebol francês, de motivar os torcedores. E o resultado foi melhor do que poderíamos imaginar, foi como um sonho. Enfrentar o Brasil na final era o que todo o francês sonhava. Vencer, então, nem se fala.”
2018
Na Copa-2018, o treinador da equipe francesa é Didier Deschamps, capitão do time campeão de 1998.
Com a saída de Zidane do comando do Real Madrid no fim de março, o nome do ex-meia chegou a ser cogitado para substituir Deschamps quando terminasse o Mundial da Rússia, apesar de o contrato do atual técnico com a seleção francesa ser válido até 2020.
Para acabar com os rumores, a federação francesa veio a público sinalizar que não mudará de técnico.
Enquanto isso, Zidane curte seu tempo livre.
No dia 12 de julho, quatro dias antes a estreia vitoriosa da França sobre a Austrália por 2 a 1, ele participou, com outros ex-atletas, de um jogo comemorativo para celebrar os 20 anos do título mundial.
Depois disso, o ex-técnico do Real Madrid publicou no dia 2 de julho, em sua rede social, uma foto mostrando suas férias em Ibiza, na Espanha.
Estava bem distante do estádio de Kazan, na Rússia, onde a seleção do seu país havia derrotado a Argentina por 4 a 3, em um dos melhores jogos da Copa, no último dia 30 de junho.
Leia abaixo a íntegra da entrevista dada por Zidane, com a grafia original.
16.ago.1998
Campeão, Zidane exige reconhecimento
João Carlos Assumpção
Carrasco do Brasil ele não foi, porque os carrascos da seleção talvez ainda possam ser encontrados dentro da equipe comandada por Zagallo, seja entre os jogadores, a comissão técnica ou os dirigentes que estiveram na França.
De qualquer forma, autor dos dois primeiros gols da decisão da Copa-98, ele ficou sendo, para os franceses, a personificação do herói nacional.
Ainda sem esconder a euforia pela conquista do Mundial, Zinedine Zidane, 26, ou simplesmente ”Zizou”, lamenta apenas o que chama de tentativa de tirar os méritos do título francês.
Para ele, o ”episódio Ronaldinho” colocou a equipe de Aimé Jacquet numa situação semelhante à vivida por Carlos Alberto Parreira, que ganhou o Mundial em campo, mas até hoje tem que ”justificar” a vitória, fora dele.
Em entrevista à Folha, por telefone, Zidane comentou a Copa, analisou a derrota brasileira, falou sobre a importância do título para o futebol francês e de seu futuro.
Folha – A Copa começou mal para você. Uma expulsão na primeira fase, dois jogos de suspensão, mas, no final, a volta por cima, principalmente os dois gols contra o Brasil, o título… Como está sendo para você viver estes momentos pós-Mundial? Parece um sonho?
Zinedine Zidane – Melhor do que um sonho. Melhor do que um sonho, porque é uma realidade. Eu entrei com muita vontade de representar com dignidade o futebol francês, de motivar os torcedores.
E o resultado foi melhor do que poderíamos imaginar, foi como um sonho. Enfrentar o Brasil na final era o que todo o francês sonhava. Vencer, então, nem se fala.
Folha – Mas a final foi sem graça, você não acha?
Zidane – É claro que o futebol fica mais bonito quando nosso time vence, mas quando perde, pode perder de pé. E não foi o que aconteceu com o Brasil, que não ofereceu a menor resistência. Para um torcedor neutro, nem brasileiro, nem francês, não houve espetáculo, foi um jogo de um time só…
Aí é que está o erro de muitas das análises que vi na imprensa mundial. O Brasil tinha certeza de que venceria e não venceu. E o mundo todo achava que os brasileiros ganhariam. Até muitos franceses.
Como não foi o que aconteceu, ficou todo mundo procurando explicações para o resultado na seleção brasileira, quando poderiam estar procurando explicações entre os franceses.
Nós optamos pela tática certa, exploramos deficiências do Brasil nas bolas altas, paramos o Roberto Carlos, dominamos o meio-campo e jogamos com muita garra…
Folha – O Brasil, então, menosprezou os franceses?
Zidane – Isto não sei dizer. O que sei é que vimos, pela TV, o senhor Zagallo dizer que o Brasil ganharia, que a França sentiria a pressão da torcida por jogar em casa, mas nós sabíamos que não era exatamente assim.
Na final, pelas próprias declarações dos brasileiros, a pressão e a obrigação de vencer estavam com vocês, não conosco.
Folha – A França, então, não sentiu a pressão de jogar em casa?
Zidane – Sentiu, mas não na final. Este foi o erro da comissão técnica do Brasil. Sentimos a pressão nas oitavas-de-final, contra o Paraguai, e nas quartas-de-final, contra a Itália. Porque nossa obrigação era chegar entre os quatro.
Tínhamos que vencer o Paraguai, e quase não conseguimos, e depois a Itália, quando acabamos indo para os pênaltis. Contra a Croácia e contra o Brasil, não havia mais pressão, porque já estávamos entre os quatro melhores. Jogamos muito mais relaxados.
Folha – E o caso Ronaldinho, que teve uma crise nervosa… O que você acha que aconteceu?
Zidane – Não sei, não estava lá, não acompanhei o caso. A única coisa que acho é que nós, franceses, não temos nada que ver com isso. Nós estávamos concentrados para o jogo, respeitamos o Brasil, entramos cautelosos, dispostos a enfrentá-los da maneira que nosso treinador achava a melhor e deu certo. Isto é o que importa.
Se começarmos a procurar explicações para o resultado entre os brasileiros, não chegaremos a lugar algum e estaremos nos esquecendo de nossos méritos.
É o mesmo que aconteceu com vocês em 94. Vi uma entrevista do ex-treinador brasileiro (Carlos Alberto Parreira) em que ele lamentava que tinha de explicar o porquê de ter ganho a Copa. Jogou com as regras, foi o time com melhor campanha, não perdeu um jogo, não tinha que ficar se justificando.
Conosco é a mesma coisa. Tivemos o melhor ataque do torneio, a melhor defesa, terminamos invictos, ganhamos de 3 a 0 na final, fizemos o maior número de pontos, merecemos o título…
Vocês, brasileiros, são fantásticos, têm um futebol maravilhoso, mas tiveram duas derrotas na Copa. Acontece.
Fomos obstinados, um grupo fechado, unido, isto é importante. Ganhamos e não temos que pedir desculpas, porque foi de acordo com a regra. Isto é o futebol.
Folha – A Copa-98 foi considerada a melhor dos anos 90. Fora do campo, porém, em termos de organização, perdeu feio para a de 94. Qual é o seu balanço?
Zidane – É difícil falar do ponto de vista da organização fora do campo, porque nós, os jogadores, estávamos muito concentrados nas nossas partidas, não pensávamos em outras coisas.
No campo, acho que o nível técnico melhorou, alguns jogos foram emocionantes, mas houve o problema da arbitragem, que não teve um critério. Eu mesmo peguei dois jogos de suspensão, o que achei um pouco exagerado. Mas pelo menos a Fifa tentou corrigir as falhas durante o torneio.
Para o futebol, o fato de a França ter vencido foi importante. Motiva mais o esporte a entrada de um sétimo país como campeão mundial.
Folha – Qual foi o jogo mais difícil para a França?
Zidane – O contra o Paraguai. Se não tivéssemos marcado na morte súbita, seriam eles os favoritos nos pênaltis, não só pelo aspecto psicológico, mas por terem o Chilavert, um goleiro excepcional.
Folha – A França eliminou nos pênaltis a Itália, pelas quartas-de-final. Há algum receio em retornar ao futebol italiano?
Zidane – Não, pelo contrário, muito pelo contrário mesmo. Apesar de ter carinho pelos italianos, não só eu, mas outros jogadores franceses, como o Deschamps, entramos motivados, porque é uma maneira de mostrar que eles fizeram bem em nos contratar.
Folha – Então é uma forma de vocês voltarem por cima?
Zidane – Sim, mas é bom lembrar que nossa experiência no futebol italiano foi decisiva para que tivéssemos sucesso no Mundial.
Aprendemos na Itália a lidar melhor com a pressão. Como me disse Michel Platini certa vez, a relação entre jogadores e imprensa na Itália parece um jogo, uma guerra constante que ensina muitas lições, que faz os atletas crescerem.
Folha – E já que você citou o Platini, antes da Copa você era citado como seu provável sucessor no futebol francês. Agora, com um título que ele nunca teve, já o superou no coração da torcida?
Zidane – No coração da torcida, não só eu, mas todo o grupo que ganhou a Copa e o técnico Aimé Jacquet, que soube como poucos aguentar uma pressão monstruosa, estaremos para sempre.
Mas superar Platini é uma coisa que mesmo nós, campeões mundiais, não podemos fazer. Ele foi uma marca, um grande jogador e um bom amigo, que me telefonava de vez em quando, dava conselhos e torceu muito por nós.
O que espero é ter o mesmo sucesso na Juventus (Itália). Lá ele se transformou num mito.
Estou apenas engatinhando. Tive um começo difícil, mas já estou acostumado e pronto a apresentar meu melhor futebol. Vamos ver se nesta temporada eu tenho a mesma sorte que tive no Mundial.
Pelo menos é o que desejo, porque acomodar… Acomodar é uma coisa que você não deve fazer nunca, certo?