1968: Servílio ganha 1ª medalha olímpica do boxe brasileiro após susto e amor
Há duas semanas, o ex-pugilista Servílio de Oliveira participou na Cidade do México de um evento de celebração de 50 anos da Olimpíada de 1968. Durante a comemoração, ele disse que um filme passou em sua cabeça.
Sua vida mudou muito naquele ano. Conheceu a sua mulher no Chile. Ganhou o Torneio Latino-Americano, que serviu como uma espécie de seletiva para ir ao México. Viu o COB (Comitê Olímpico Brasileiro) cogitar não mandar nenhum boxeador aos Jogos por falta de dinheiro.
E, depois de muitas emoções, conquistou a primeira medalha olímpica na história do boxe do país, um bronze, no dia 24 de outubro de 1968 (o Brasil só voltou a ganhar medalha em Olimpíada nesse esporte em 2012).
“As minhas histórias parecem as de cinema. Só que são verídicas. Foi incrível tudo o que aconteceu”, disse o ex-pugilista, em entrevista, para a Folha.
Servílio tinha 20 anos, competia pela categoria peso-mosca (até 51 kg) e era apontado como uma revelação.
A medalha olímpica veio em três lutas. Mas o caminho que percorreu foi bem mais longo.
No começo de 1968, os dirigentes falaram para os pugilistas que usariam o Torneio Latino-Americano do Chile, em março, para definir os representantes brasileiros para os Jogos Olímpicos de outubro.
Com o pensamento em se classificar, Servílio viajou para o Chile. Na parte esportiva, acabou como um dos quatro brasileiros que foram campeões. Fora dos ringues, conheceu a sua atual esposa, Victoria Charlot Del Campo. Entre lutas e treinamentos, o namoro começou.
“Eu conhecia o tio dela e, quando fui disputar esse torneio, a encontrei. Hoje, ela é a mãe dos meus cinco filhos”, afirmou.
O pugilista voltou ao Brasil, a namorada permaneceu no Chile, mas a relação continuou.
Susto
Depois do êxito no Latino-Americano, surgiu a notícia de que o Brasil não ira incluir nenhum atleta do boxe em sua delegação para a Olimpíada. “Diziam que não tinham dinheiro”, relatou.
Foi um grande susto. Mas, após protestos e muitas reuniões, ficou definido que dois boxeadores viajariam para competir nos Jogos. Ele e Expedito Alencar foram os escolhidos.
“A reação foi de felicidade, a gente estava com muita expectativa de participar do maior evento esportivo do mundo”, relatou.
Ao desembarcar na Cidade do México, Servílio inicialmente não deu importância para a altitude do local (2.250 m). Depois, quando foi fazer uma atividade física, mudou de opinião. “Senti que faltava ar para respirar.”
Durante a sua preparação de cerca de 15 dias, adaptou-se e, quando subiu ao ringue para a sua estreia, a altitude não lhe atrapalhou.
Combates
A primeira luta foi contra o turco Engin Yadigar. Segundo o brasileiro, o duelo foi muito equilibrado, e a expectativa para saber o resultado persistiu até o final. O alívio só veio quando os juízes anunciaram o resultado.
“Quando levantaram o meu braço [para indicar o vencedor], vibrei bastante. Foi uma luta muito parelha”, comentou.
O próximo passo foi encarar nas quartas de final o ganense Joe Destimo, que estava embalado após vencer bem a luta anterior.
“Ele tinha enfrentado um canadense [Walter Henry] e tinha vencido, sendo muito superior. Aí, ele veio para cima de mim, para tentar me nocautear.”
Não deu para Destimo. O brasileiro ganhou por pontos e já assegurou a façanha histórica. Conforme o regulamento, não havia disputa entre terceiro e quarto lugares, e os dois perdedores da semifinal levariam o bronze.
“Fiquei com a sensação de missão cumprida. Os caras [do COB] não queriam me trazer e eu já era medalhista olímpico”, declarou Servílio.
A próxima meta era tentar se classificar para a disputa do ouro. Para isso, precisava superar o mexicano Ricardo Delgado. Um rival duro que competia em casa.
O mexicano acabou como vencedor do confronto (também ganharia a final).
“A luta foi equilibrada. Ele fala que ganhou bem. Eu acho que, se fosse em outro país, o resultado talvez não teria sido favorável a ele”, afirmou.
Servílio e Delgado se encontraram neste mês durante o evento da comemoração dos 50 anos da Olimpíada da Cidade do México.
“Ele é meu amigo. Falou que eu era ‘entrão’ por ter procurado o combate, ter tomado a iniciativa daquela luta. Eu gosto dele, é um bom homem”, disse o brasileiro.
Descolamento de retina
Depois do bronze, o medalhista olímpico decidiu trocar o amadorismo pelo boxe profissional. Foi uma sequência de 15 vitórias.
Em dezembro de 1971, durante um combate contra o americano Tony Moreno, o adversário acertou uma cabeçada involuntária em seu olho direito.
Servílio sofreu um descolamento de retina: “Perdi a visão total desse olho”.
Com isso, ele se aposentou do boxe e foi para o Chile, onde ainda vivia Victoria, com quem se casou. Lá, trabalhou com a família da mulher, em um galpão onde consertava-se móveis de repartições públicas.
“No início, foi difícil viver longe do boxe. Com a fama, você é afagado, recebe tapinhas nas costas. Quando essa situação muda, isso para de ocorrer. Aí, se você não tiver estrutura, se não tiver apoio familiar, você dança”, relatou.
Com o golpe de Estado no Chile, em 11 de setembro de 1973, eles perderam o emprego. Servílio ainda permaneceu no país até 1975, quando optou por voltar para o Brasil.
Achando estar em condições de lutar, mesmo sem a visão em um dos olhos, ele retomou a carreira no boxe. Foram cinco vitórias.
“Eu me sentia bem fisicamente, e era uma necessidade fazer esporte para melhorar o orçamento da minha família.”
Quando foi lutar fora do país, em Santiago, os médicos vetaram a sua participação justamente por causa de visão. Servílio não pôde mais subir aos ringues.
“Tive que parar. Mas fiquei invicto no profissional, com 20 lutas e 20 vitórias.”
Nova geração
Continuou no esporte, em outras atividades, como técnico, supervisor e manager. Hoje, vê o seu neto Luiz Gabriel de Oliveira, de 17 anos, seguir os seus passos e começar brilhar.
O garoto foi o porta-bandeira da delegação brasileira dos Jogos Olímpicos da Juventude, em Buenos Aires, de 2018, e conquistou a medalha de bronze nesta competição.
“Meu neto é inteligente, é um menino tranquilo. É espetacular. Ele escuta muito o pai, que é o técnico dele, e escuta o vô também”, declarou.
Ele está muito animado e acredita que o neto possa superar a sua façanha.
“Se na Argentina ganhou o bronze [nos Jogos da Juventude], acho que ele vai me ultrapassar e ganhar ouro ou prata em Olimpíada de 2020.”