1978: Rodovia dos Bandeirantes é inaugurada para ligar São Paulo a Campinas e desafogar Anhanguera
Após cerca de dois anos de construção, a rodovia dos Bandeirantes (conhecida popularmente com Via Norte), com 88,46 quilômetros, entre São Paulo e Campinas, foi inaugurada em 28 de outubro de 1978.
Conforme a Folha noticiou nesse dia, em reportagem de Jane Soares, a estrada ficou pronta dentro do prazo estipulado, mas custou quase três vezes a mais que o previsto inicialmente. Isso sem contar as desapropriações que ainda seriam pagas.
A via tinha duas pistas e seis faixas de tráfego, cada uma com 3,6 metros de largura. Sua capacidade estipulada era de 70 mil veículos por dia.
A ideia era que o trânsito na via Anhanguera, apontada então como uma das mais perigosas do estado de São Paulo, fosse desafogado.
Quando foi construída, a Bandeirantes tinha duas posições de pedágio, quatro postos de gasolina e dois postos de polícia rodoviária.
Houve queixas sobre a prioridade dada para a obra, a maneira como foi feita a concorrência e a falta de acessos para a nova estrada (eram somente três, além da entrada e saída em São Paulo e Campinas).
Hoje, a rodovia possui 159,7 quilômetros de extensão. Ela liga a marginal Tietê, em São Paulo, à via Anhanguera, em Cordeirópolis. De acordo com a concessionária CCR AutoBAn, que administra a estrada desde 1º de maio de 1998, são realizadas 500 mil viagens por dia.
Leia, na íntegra, a reportagem publicada à época:
28.out.1978
Via Norte será entregue ao tráfego hoje à tarde
Jane Soares
“Conseguimos.” Esta é a expressão mais ouvida nos últimos dias na Via Norte. Doze mil homens, entre engenheiros, técnicos e pessoal da produção ainda não acreditam que conseguiram entregar a estrada no prazo previsto de 26 meses.
A corrida contra o tempo começou no dia 11 de agosto de 1976, quando as cinco firmas ganhadoras da concorrência para a construção da rodovia dos Bandeirantes assinaram contrato com a Dersa – Desenvolvimento Rodoviário S. A. E terminará hoje à tarde quando o presidente Ernesto Geisel, acompanhado por seu sucessor, o general João Batista Figueiredo percorrer os 88,46 quilômetros da estrada, durante a solenidade de inauguração.
Já no governo de Abreu Sodré, em 1968, foi determinada a necessidade de construção de uma nova rodovia ligando São Paulo a Campinas. O projeto demorou oito anos para ser iniciado e, justamente por esse motivo, tornou-se depois prioritário.
A maior obra do governo Paulo Egydio Martins custou, até o final de setembro deste ano, 4,862 bilhões de cruzeiros [o que equivaleria hoje a cerca de R$ 3,6 bilhões], sem levar em consideração os gastos com as desapropriações. A previsão inicial era de 1,8 bilhão de cruzeiros [aproximadamente R$ 1,3 bilhão], quase três vezes menos que o custo final.
Este se elevará ainda mais quando forem somados os valores com as desapropriações, que, até o momento, já se elevaram a mais de 300 milhões de cruzeiros [cerca de R$ 220 milhões], segundo informações de Manoel Ferrari, responsável pelo serviço. Mas ainda existem 500 propriedades que não foram pagas, esperando a decisão da Justiça.
A Dersa conseguiu fazer 970 acordos amigáveis e, em um ano, 95% da área de 14 milhões de metros quadrados estava liberada.
Neste momento entrou em ação o engenheiro Lourenço Cecchi, responsável pela remoção das interferências, constituídas, entre outras coisas, por oleodutos, gasodutos, adutoras, linhas de transmissão de energia elétrica e de telefones e linhas férreas.
Para que as máquinas começassem a abrir a estrada, esse trabalho deveria ser feito em “ritmo de Brasil grande”, como explicou Cecchi. E ele conseguiu fazer 290 remoções em 440 dias úteis.
Orgulhoso, Cecchi afirma ter percorrido 110 mil quilômetros, “o equivalente a duas voltas em torno do eixo equatorial e uma volta e meia do polo Norte ao polo Sul”.
Removidas as interferências, homens e máquinas começaram a transferir o traçado da estrada dos mapas para a terra. Em cada um dos cinco trechos em que ela foi dividida, as empreiteiras montaram laboratórios completos para a preparação do concreto, para exames de solo e material de pavimentação.
Para Heitor Castro, gerente do trecho que vai de São Paulo a Jundiaí, as dificuldades foram “minimizadas porque adotou-se o critério de soluções homogêneas e todos os recursos foram programados”.
Para a Dersa, a execução dos trabalhos em apenas 26 meses, só foi possível devido “aos critérios adotados na fase de concorrência pública para a contratação das obras, admitindo-se apenas habilitação de empreiteiras que comprovaram condições técnicas e financeiras satisfatórias”.
Mas a canalização de recursos para a construção da Via Norte e as concorrências públicas realizadas são justamente os dois pontos que receberam as críticas mais duras.
Para a Associação dos Empreiteiros de Obras Públicas, as normas contidas nos editais de convocação foram elaboradas de forma a indicar os ganhadores da concorrência, em prejuízo dos pequenos empreiteiros.
Para Bernardino Pimentel Mendes, presidente do Instituto de Engenharia, a construção da Via Norte sacrificou o plano rodoviário do estado, já que grande parte dos recursos financeiros foi canalizado para sua execução. Mendes contesta não só o prazo estabelecido como a própria prioridade da obra.
“Por causa da Via Norte, foram preteridas realizações importantes, como o alargamento da Washington Luis”, dizia Pimentel, em abril deste ano. “Todos dizem que sua realização era prioritária. Se ela era tão prioritária, por que não foi inciada no começo do governo? Os prazos seriam dilatados e os recursos, distribuídos de maneira a servir a outros empreendimentos.”
Mas as críticas não conseguiram impedir a execução da rodovia dos Bandeirantes. A principal justificativa do governo foi a necessidade de desafogar o trânsito na via Anhanguera, uma das mais perigosas do estado. A média diária de carros que circularam por ela no ano passado foi de 56.708, a maior do país.
A Via Norte, com suas duas pistas e seis faixas de tráfego, cada uma com 3,60 metros de largura, tem capacidade para suportar 70 mil veículos por dia.
Com 112 obras de arte, perfazendo um total de 9.470 metros, a rodovia possui dois postos de pedágio, quatro postos de gasolina, duas balanças, dois postos de polícia rodoviária e três passarelas.
Os motoristas das empreiteiras e firmas prestadoras de serviços, que circularam pela estrada antes de sua inauguração, são unânimes em salientar as suas condições de segurança. Ela possui rampas de no máximo 4%, significando que as subidas não ultrapassarão, em média, a quatro metros em cada cem, e curvas onde o raio mínimo é de 600 metros.
A única preocupação destes usuários é a possibilidade do aparecimento de neblina, e as próprias placas de sinalização alertam para esse perigo.
A estrada conta ainda com 34 placas de sinalização aéreas, 679 placas de sinalização vertical, 72.800 metros de defensas, 70 mil tachas refletivas e 40 pórticos e semipórticos.
Nela será instalado o Sistema de Ajuda ao Usuário – SAU, a exemplo do que acontece no sistema Imigrantes-Anchieta e na própria Anhanguera. Para esse trabalho, foram comprados 48 veículos e treinados 246 funcionários.
O Centro de Controle Operacional, instalado no km 60 da Anhanguera, poderá ser acionado por telefones, as “caixas de chamada”, instalados ao longo da rodovia. Inicialmente, serão colocados apenas seis aparelhos, fabricados pela Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico de Engenharia, até que a concorrência para aquisição de mais 164 telefones, feitos por indústrias nacionais, seja julgada pela Dersa.
Falta de acessos, uma das críticas
Construída para ser uma via expressa bloqueada, a Via Norte possui apenas três acessos , além das entradas e saídas de São Paulo e Campinas: entre Jordanésia e Jundiaí, através do trevo de transposição no km 49 da Anhanguera; na intersecção com a Marechal Rondon, onde um trevo de diversas alças permitirá conversões no sentido Jundiaí e Itatiba, de um lado, e Itu, Porto Feliz e Tietê, de outro; no cruzamento com a rodovia Campinas-Viracopos, na chegada de Campinas.
Essa orientação motivou novas críticas, desta vez, por parte dos prefeitos das cidades que não serão servidas pela estrada, como Jarinu, Cajamar, Campo Limpo Paulista, Francisco Morato e outras.
Para elas, a ligação com a Via Norte significaria a atração de novas indústrias para a região e a consequente fixação da mão de obra. Além disto, a produção agrícola e industrial seria facilitada.
Para os prefeitos, não tem sentido a construção de uma estrada que não vai beneficiar as cidades próximas a ela. Eles ainda têm esperanças de conseguir mudar a orientação principalmente após a troca do governo do estado.
Totalmente pronta, a rodovia dos Bandeirantes apresenta uma paisagem diferente das demais estradas do estado.
A ausência de indústrias deixa um lugar para área dominada pelo verde. Apesar da Dersa enfatizar que na execução do projeto de paisagismo “limitou ao mínimo possível o prejuízo à vegetação ambiente e, em muitos trechos, conservou árvores e arbustos para posterior replantio”, a aceitação dessa política custou muito esforço a Rodolfo Geiser, autor do trabalho.
Depois de muita discussão, Geiser conseguiu convencer a Dersa a desenvolver um trabalho pioneiro de preservação da natureza. E a implantação do projeto foi motivo de pressão, por parte das empreiteiras encarregadas do serviço que pediam o afastamento de Geiser, conforme os próprios funcionários.
À custa de muita fiscalização, os engenheiros agrônomos conseguiram evitar que os trabalhos de terraplanagem fizessem destruições desnecessárias, como enfatizava o projeto de Geiser.
Apesar de não conseguir que a totalidade de seu trabalho fosse aceito, Geiser se diz satisfeito, pois considera que as modificações feitas não têm grande importância. O principal -a reconstrução de um ambiente o mais possível do original, dando condições para que o terreno seja recuperado e para própria natureza se manifestar- foi conseguido.
Com esse trabalho, foram plantadas 55 mil árvores, de 70 espécies diferentes, 270 mil arbustos, de 40 espécies e 1,64 milhão de metros quadrados receberam revestimento vegetal. Cerca de 80% deste revestimento foi feito pelo processo de hidrossemeadura, onde foram usadas quatro espécies de gramíneas e quatro de leguminosas.
Segundo João Antunes, o engenheiro agrônomo responsável pelo trecho 2, essa diversidade é fundamental para a manutenção do equilíbrio biológico. Em consequência da seca, a estrada não estará totalmente verde no dia da sua inauguração, embora o trabalho já esteja concluído.
A equipe deverá permanecer mais seis meses na rodovia dos Bandeirantes, acompanhando o desenvolvimento de recuperação da natureza, fazendo, inclusive, o replantio das espécies que não brotaram.