1938: Com ‘Guerra dos Mundos’, Orson Welles leva pânico a ouvintes da CBS
Há 80 anos, um jovem diretor de cinema, com apenas dois curtas e um longa no currículo, causou pânico nos Estados Unidos com a transmissão de uma peça de radioteatro, “A Guerra dos Mundos”, do escritor inglês H.G. Wells, na véspera do Dia das Bruxas.
A notícia em edição extraordinária em que narra uma batalha entre terráqueos e marcianos foi transmitida pela rede de rádio CBS por um desconhecido Orson Welles —sua obra-prima, “Cidadão Kane”, seria lançada menos de três anos depois.
Welles adaptou, produziu e dirigiu a peça. De quebra ainda encarnou o papel do professor da Universidade de Princeton, que liderava a resistência à invasão marciana. A transmissão combinava elementos do radioteatro com os noticiários da época.
A primazia do trabalho estava na veracidade e seriedade com que a notícia foi transmitida nas ondas do rádio —na época o meio de comunicação de maior alcance.
O programa trazia boletins noticiosos, entrevistas, efeitos sonoros, opinião de peritos, declarações de autoridades sobre a “guerra” e a emoção dos supostos repórteres.
Como milhares de pessoas sintonizaram a estação com a narração de Welles já iniciada, a introdução em que ele explicou tratar-se de uma adaptação de um livro, tal como o programa fazia semanalmente, foi perdida, e o pânico foi total.
O medo e a sensação de realidade trouxeram pânico a várias cidades americanas próximas a Nova Jersey, de onde a CBS fazia a transmissão e de onde Welles ambientou a história. Houve fuga em massa e reações desesperadas de moradores também em Newark e Nova York.
No dia seguinte, o jornal Daily News estampou em sua capa “Guerra falsa no rádio espalha terror pelos Estados Unidos”.
Outros periódicos seguiram na mesma linha. O Boston Globe publicou “Brincadeira no rádio aterroriza nação” e o New York Times destacou em manchete “Ouvintes de rádio em pânico tomam drama de guerra como fato” e acrescentou “Muitos fugiram de suas casas para escapar de ‘ataque a gás de Marte'”.
Na época, a rede CBS calculou que o programa protagonizado por Welles chegou a ser ouvido por pelo menos 6 milhões de pessoas e que ao menos 1,2 milhão pessoas (algo como 20% de toda a audiência) acreditou que a história era de fato real.
O professor de Informação e Comunicação Rodrigo Cássio Oliveira, da Universidade Federal de Goiás, explica que a transmissão “pode ser vista como uma das histórias mais marcantes do século 20, especificamente em relação ao poder do rádio como meio de comunicação”.
FAKE NEWS
Para o colunista da Folha Luís Francisco Carvalho Filho, “a transmissão radiofônica de ‘A Guerra dos Mundos’ talvez seja o caso mais desconcertante do insuperável confronto entre verdade e mentira”.
“Em outubro de 1938, o jovem Orson Welles (1915-85) se consagraria por assustar um pedaço da América. Do ponto de vista estritamente burocrático, é adaptação teatral, anunciada, de obra preexistente. No entanto, décadas antes de se instalar a rede mundial de computadores, milhares de habitantes de New Jersey sentiriam verdadeiro pânico diante da notícia da invasão de marcianos”, explica Carvalho Filho.
Já para o professor Rodrigo Cássio a comparação com as fake news é indevida. “As fake news pertencem a outra lógica de produção e consumo de informações. O caso Guerra dos Mundos foi ocasionado por um problema de decodificação do conteúdo. Aquilo que se apresentava como ficção deveria ter sido assimilado como tal, mas não o foi. Já as fake news são produzidas, na maior parte das vezes, a partir de uma intenção deliberada de simular a verdade”, explica.
OUTROS ‘GUERRA DOS MUNDOS’
Passado o pânico que o programa causou, o romance de ficção científica do britânico Herbert George Wells ainda rende lembranças e referências.
No cinema ganhou duas versões, em 1958 e em 2005 —a primeira pelas mãos do diretor Byron Haskin e que ganhou o Oscar de melhor efeitos especiais e a segunda com direção de Steven Spielberg e Tom Cruise no papel principal.
Além dos filmes, há ainda inúmeros HQs, novas edições de livros e está sendo produzida uma série de três episódios na Inglaterra com distribuição pela BBC. Por enquanto, sem data de estreia.