1988: Folha desmascara banda fake do hit ‘Pipi Popô’, idealizada pelos Titãs
No final de 1988, um sucesso meteórico começava a fazer barulho nas FMs. Era o proibidão “Pipi Popô”, uma marchinha nonsense do grupo fake Vestidos de Espaço, feita para o Carnaval de 89.
Com referência clara à homossexualidade [“Seu pipi no meu popô, seu popô no meu pipi…”], o hit foi o escolhido para ser a faixa-título do único trabalho do grupo, um compacto de duas músicas.
No lado B do disco está a mais elaborada, porém menos difusa, “A Marcha do Demo”, feita em homenagem ao compositor popular Lamartine Babo (1904-1963), dos clássicos “O Teu Cabelo Não Nega” e “Linda Morena”.
O grupo era formado pelos “farsantes” Pepino Carnale, 37 –que assina as composições do disco–, Lola, 26, Zeno, 25, e Sebastian, 23, todos nomes fictícios para aumentar ainda mais o ar de mistério diante do então novo fenômeno musical.
O propósito era fazer com que o público acreditasse que o Vestidos de Espaço fosse uma banda real. Outra estratégia era salvaguardar as identidades dos músicos de estúdio e dos verdadeiros letristas.
Mas a brincadeira durou poucas semanas, já que em 3 de dezembro daquele ano, a Folha, por intermédio do repórter Mario Cesar Carvalho, tornou público o enigma.
“É tudo mentira. Vestidos de Espaço, o grupo que está nas rádios com a marchinha ‘Pipi Popô’, nunca entrou num estúdio de gravação”, revelou o jornal.
A reportagem mostrou que quem estava por trás das letras, dos instrumentos e vozes, eram os Titãs, à época em processo de gravação do seu 5° álbum de estúdio, “Õ Blésq Blom” (Warner), das músicas Miséria, Flores e O Pulso.
Os vocais tiveram também as contribuições secretas da então integrante do Kid Abelha, Paula Toller, do produtor musical e ex-Mutante Liminha, do engenheiro de som Vitor Farias e do traquejado músico, escritor e poeta Jorge Mautner, que foi quem batizou a banda. Segundo Mautner, a expressão “vestido de espaço” era usada na Grécia Antiga para dizer que uma pessoa estava despida.
A reportagem veio acompanhada de uma entrevista exclusiva com dois dos integrantes fake: Pepino Carnale, que o jornal revelou ser o artista plástico Fernando Zarif (1960-2010), e Lola, que era representada pela modelo Bronie, uma das mais requisitadas para desfiles entre os anos 70 e 80.
Na tentativa de mostrar a verdade dos fatos, o jornal perguntou aos falsos músicos se eles sabiam que as marchinhas do compacto eram cantadas e tocadas pelos Titãs, ao que Carnale respondeu: “Quem? Deve haver algum engano. Se isso for uma intriga, eu entro na justiça e processo. Os Titãs formam um grupo interessante. Mas nós fazemos outra coisa. Rock é coisa de colonizado”.
Antes, a Folha havia questionado a banda sobre a possibilidade de “Pipi popô” ser censurada por causa de sua conotação homossexual. Carnale rechaçou o cenário ao afirmar que a música “é muito casta” e que “não existe orgasmo e nem penetração na letra”.
Sobre o poder de influência da marchinha nas crianças, Carnale e Lola, num tom intelectualizado, responderam que “a cultura de massa infantil é onanística” e que a composição foi pensada para ser “uma coisa anti-onanística”.
Os porta-vozes do grupo aproveitaram a entrevista para reforçar que o Vestidos de Espaço não era uma banda de mentira, e sim um projeto que culminaria no lançamento de um LP para o ano seguinte, que não chegou a ser concretizado pelo grupo.
Conforme a biografia “A Vida Até Parece uma Festa – Toda a História dos Titãs” (Record), escrita pelos jornalistas Luiz André Alzer e Hérica Marmo, lançada em 2003, as marchinhas “Pipi popô” e “Marcha do Demo” começaram a ser trabalhadas entre setembro e outubro de 87, no estúdio Nas Nuvens (Rio).
As músicas foram feitas durante os intervalos das gravações do 4º LP dos Titãs, “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas”, dos sucessos “Comida”, “Diversão” e “Lugar Nenhum”, lançado em 88 pela Warner.
“Aproveitávamos o tempo para brincar com faixas e bagunças perdidas no estúdio”, disse Charles Gavin, em 1995, em entrevista para a MTV.
“Pipi Popô é uma composição super infantil, embora com uma certa tendência homossexual. Era uma brincadeira!”, disse Paulo Miklos, também para a MTV, anos após a produção do disco.
Em janeiro de 1989, com o estouro de “Pipi Popô” nas rádios, um manifesto organizado por um estudante de nome Fábio Moura, de 24 anos e estagiário de uma agência de publicidade, pedia a censura da marchinha nas rádios.
A ideia do estudante, segundo a Folha publicou na ocasião, surgiu após o seu retorno dos EUA, onde cursou marketing por dois anos na universidade estadual do Missouri, em Springfield.
Fábio disse ter ficado chocado ao voltar para o Brasil, onde, na sua visão, “tudo estava indo para pior”, até que ele resolveu se manifestar contra um estado de coisas, entre as quais a execução de “Pipi Popô” na mídia.
Empenhado em manter a “ordem”, o estagiário reuniu alguns colegas do Mackenzie e do Anglo, onde havia estudado, para coletar assinaturas em oposição a marchinha, que ele classificou como “símbolo da corrupção no país”.
O estudante, que contou à Folha ser da Igreja Batista e confessou então ser grande admirador de Paulo Maluf, disse que sua principal oposição era ao efeito maléfico que a audição da música poderia causar aos mais velhos e, principalmente, às crianças.
Para Fábio, que conseguiu 244 assinaturas, “Pipi Popô” estimulava o homossexualismo infantil. “Quem já tem a tendência, vai virar de qualquer jeito. Mas ouvindo essa música, a criança, que é ingênua e pura, vai querer brincar de ‘Pipi Popô’ com os amiguinhos”, afirmou.
Em 14 de janeiro, uma semana após a publicação da reportagem, a leitora da Folha Duane Barros da Fonseca, do Rio, que teve sua carta publicada na coluna “Painel do Leitor”, retrucou o manifesto do estagiário ao chamá-lo de “ridículo”. “O manifesto que pede a censura da música é simplesmente ridículo. Seu organizador devia se preocupar com problemas mais sérios. Manifestos políticos não irão melhorar a moral do país”, escreveu Fonseca.
No mesmo dia em que revelou o segredo dos Titãs e da Warner, o jornal relembrou outros episódios envolvendo bandas fake pelo mundo, como foi o caso do conjunto Klaatu, que, quando do lançamento em 1976 do seu primeiro LP (sem créditos e fotos), deixou rumores de que quem estaria por trás das gravações do álbum seriam os Beatles, por causa de similaridades com a sonoridade do álbum “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, gravado pelo quarteto inglês em 1967.
As identidades dos componentes do Klaatu eram desconhecidas até pela própria gravadora da banda. A verdade só veio à tona dois anos depois, em 1978, quando foi revelado que o conjunto era formado por quatro músicos canadenses de estúdio, que acabaram entrando no ostracismo.
Outra história citada pela reportagem é a dos célebres roqueiros Robert Plant e Jimmy Page, ex-membros do Led Zeppelin, que em 1985 gravaram um disco com “baladinhas açucaradas” sob o nome de Honeydrippers, “provavelmente, tentando escapar à fúria dos fãs conservadores do Led”.
Confira as letras das duas marchinhas do compacto “Pipi Popô”
Pipi Popô
(Arnaldo Antunes e Branco Mello)
Seu popô no meu pipi
Seu pipi no meu popô
Meu pipi no seu popô
Meu popô no seu pipi
Seu pipi no meu popô
Seu popô no meu pipi
Meu popô no seu pipi
Meu pipi no se popô
Pipi popô, popô pipi,
Pipi popô popô pipi popô pipi
Pipi popô
A Marcha do Demo
(Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer, Branco Mello e Paulo Miklos)
Não foi por falta de aviso
Não foi por falta de alarde
Agora nas chamas do inferno
O seu corpo arde
Já dizia o Capitão Nemo
Cuidado com o Demo, cuidado com o Demo
Já dizia Pero Vaz
Cuidado com o Satanás
Não foi por falta de aviso
Não foi por falta de alarde
Agora nas chamas do inferno
O seu corpo arde
Já dizia Maria Antonieta
Cuidado com o Capeta, cuidado com o Capeta
Já dizia pai Jeú
Cuidado com o Belzebu
Não foi por falta de aviso
Não foi por falta de alarde
Agora nas chamas do inferno
O seu corpo arde
Já dizia Napoleão
Cuidado com o Cão, cuidado com o Cão
Já dizia Santo Antônio
Cuidado com o Demônio
Não foi por falta de aviso
Não foi pro falta de alarde
Agora nas chamas do inferno
O seu corpo arde
Já dizia Lamartine Babo
Cuidado com o Diabo, cuidado com o Diabo
Já dizia Simbá o Marujo
Cuidado com o Dito Cujo
Não foi por falta de aviso
Não foi por falta de alarde
Agora nas chamas do inferno
O seu corpo arde
Agora nas chamas do inferno
O seu corpo arde