Há 40 anos, Jararaca, autor da canção ‘Mamãe Eu Quero’, era sepultado no Rio de Janeiro

Luiz Carlos Ferreira

‘Jararaca’ era o nome artístico do cantor, compositor, comediante e folclorista alagoano José Luís Rodrigues Calazans, que por mais de 50 anos integrou a dupla caipira “Jararaca e Ratinho” – uma das primeiras do gênero -, ao lado do saxofonista recifense e eterno parceiro Severino Rangel de Carvalho (1896-1972).

Em junho de 1977, Jararaca passou por um momento duro quando teve que retirar o olho direito, por razão de um glaucoma causado por uma queda sofrida três anos antes, conforme informaram os médicos que o atenderam durante sua internação na Casa de Saúde Santa Teresinha, no Rio.

Três meses depois, em 9 de outubro, aos 82 anos, o cantor veio a óbito devido a complicações cardiovasculares. Jararaca foi sepultado no dia 10, no cemitério São João Batista, no Rio.

Cerca de 200 pessoas, entre familiares, artistas e fãs, compareceram no enterro do multi-artista. Quando morreu, Jararaca atuava no humorístico “Chico City”, na TV Globo, onde fazia o personagem “coronel Sucuri”, que deixou saudades no programa.

O cantor estava casado havia 14 anos com sua terceira mulher, Maria de Lourdes Ventura, com que teve seu último filho. Dos dois relacionamentos anteriores deixou outros três herdeiros.

Defensor das tradições regionais, Jararaca não teve tempo de concretizar um de seus maiores projetos de vida, que era o de criar um teatro inteiramente dedicado a uma grande paixão: o folclore.

Jararaca em 1961 atuando na peça “Porque me ufano de Bananal”
(1961 – UH/Folhapress)

A VIDA E A ARTE

Jararaca nasceu na capital Maceió, em 1896, oito anos após a abolição da escravatura no país. Na adolescência, em meados dos anos 1910, trabalhou como fiscal na fábrica de linhas de costura e fios de malha Estrela, do poderoso empresário cearense Delmiro Gouveia, que enfrentava o monopólio dos ingleses no setor.

O industrial, que tinha negócios por toda a América Latina, morreu em 1917, baleado numa misteriosa emboscada. Com Delmiro, trabalhava também o jovem e ainda desconhecido, Virgulino Ferreira da Silva (1897-1938), como condutor de besta de carga. Logo, o almocreve se tornaria o Rei do Cangaço brasileiro, o Lampião.

Uma ano após a morte brutal do patrão, Jararaca seguiu para Recife (PE), onde conheceu Ratinho em grupos artísticos da capital pernambucana. Lá, integrou o “Bloco dos Boêmios”.

Com Ratinho e outros quatro componentes do bloco, formaram os “Turunas Pernambucanos”, grupo musical humorístico de coco, embolada e baião, além dos trajes típicos. Foi nos Turunas que José Luís Rodrigues Calazans adotou o nome Jararaca, que o acompanhou na maior parte da vida. Assim como o amigo Ratinho, os demais integrantes também tiveram que ser batizados com nomes de bichos.

Jararaca (à esq.) e Ratinho (Crédito: Divulgação)

ATRAVESSANDO FRONTEIRAS

Em 1922, por influência de Pixinguinha, que fazia turnê no Recife com os Oitos Batutas, o grupo seguiu para o Rio. Depois, o bando excursionou pela capital argentina, Buenos, e logo se desfez, restando apenas Jararaca e Ratinho. A dupla, no entanto, só se oficializou em 1927, quando foi convidada para uma apresentação que celebraria a inauguração do Teatro Santa Helena, na Praça da Sé, em São Paulo.

No ano seguinte Jararaca e Ratinho gravaram a sertaneja “Vamos a ”, momento em que começam a excursionar pelo sul do país. Foi quando lançaram o primeiro sucesso, “Espingarda pá pá pá pá ” (1929). Na época o duo começou a se apresentar na cultuada rádio Mayrink Veiga, no Rio. Logo gravou “Saxofone, Porque Choras” (1930) e “Meu Pirão Primeiro” (1932). No ano de 1933 os dois atuaram no filme “A Voz do Carnaval”, dirigido por Adhemar Gonzaga e Humberto Mauro.

Jararaca, nos anos 50 (Crédito: Divulgação)

MAMÃE EU QUERO, O ESTADO NOVO E O COMUNISMO

Durante o Estado Novo de Getúlio Vargas (1937-1945), a dupla chegou a ser perseguida pelos getulistas, uma vez que muitas de suas canções satirizavam os políticos daquele período. E foi no início do governo de Getúlio, em 1937, que Jararaca compôs “Mamãe Eu Quero”, uma das músicas carnavalescas mais executadas no Brasil e no mundo há 80 anos.

Considerada vulgar pela Odeon, que a princípio não quis gravá-la, “Mamãe Eu Quero” só foi registrada em disco graças à decisão do coautor da música, o maestro e diretor artístico da gravadora, Vicente Paiva (1908-1964) e também pela insistência de Almirante (1908-1980), que fez parte do coral durante a gravação.

 

Em 1940, Carmen Miranda (1909-1955) levou a marchinha  para o mundo no filme hollywoodiano “Serenata Tropical”. A internacionalidade da música foi reafirmada com a versão em inglês de Bing Crosby. Outras interpretações vieram de Mickey Roodney e Jerry Lewis, dentre outros. O cantor brasileiro Bob Lester chegou a reivindicar a autoria da música dizendo a vendera a Jararaca porque não dispunha de dinheiro suficiente para gravá-la.

Com fortes ligações com o Partido Comunista Brasileiro e amigo de Luís Carlos Prestes, uma das principais lideranças da legenda, Jararaca costumava doar o seu talento ao cantar nos comícios do partido. Em 1947, dois anos após o fim da ditadura getulista, o cantor foi eleito vereador no então Distrito Federal.

Em 1952, a dupla lançou o sucesso “Picadinho” e, em 1955, estreou na Rádio Nacional. Na década de 1960, na TV Tupi, Jararaca e Ratinho fizeram parte do programa “A, E, I, O…Urca” e em humorísticos da TV Globo. Jararaca foi parceiro de Tom Jobim na música “Boto” (1975), também registrada pela cantora Elis Regina.

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