Há 85, nascia Ary Fontoura, um dos atores cômicos de maior destaque na teledramaturgia do país
Ainda chamado nas ruas e aeroportos pelos nomes dos personagens “Nonô Correia”, “Silveirinha” e “Florindo Abelha”, o ator Ary Fontoura está completando 85 anos neste sábado (27), e já é um dos integrantes do elenco da próxima novela das 6h, “Orgulho e Paixão”, de Marcos Bernstein, que estreia em março na Globo.
Na emissora, onde é contratado há 53 anos, foram mais de 50 papéis entre telenovelas, especiais e séries. Suas últimas atuações foram na minissérie “Dois Irmãos” (2017), de Maria Camargo, e no folhetim das 6h, “Êta Mundo Bom” (2016), de Walcyr Carrasco, onde interpretou o fazendeiro “Quinzinho”.
Com cerca de 40 personagens representados no teatro, em dezembro do último ano encerrou uma temporada de nove meses da peça “Num Lago Dourado”, do filme homônimo de Mark Rydell, lançado em 1981, nos EUA. O espetáculo, protagonizado também pela atriz Ana Lucia Torre, e que trata da paixão entre um casal da terceira idade, deve voltar a cartaz em São Paulo neste ano.
No cinema, Fontoura fez cerca de 20 trabalhos. No mais recente deles, “Polícia Federal – A Lei é para todos” (2017), baseado na Operação Lava Jato, interpreta o ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em filme dirigido por Marcelo Antunez.
Em entrevista recente à colunista da Folha Mônica Bergamo, o ator comentou sobre as críticas recebidas por ter aceito o personagem.”Eu fui contratado para fazer um papel. Alguém tinha que interpretar o Lula. Já viu uma série chamada “House of Cards” [inspirada na política dos EUA]? Numa democracia séria isso é normal.”
ASPIRAÇÕES ARTÍSTICAS
Nascido em 27 de janeiro de 1933, na capital Curitiba (PR), Ary Beira Fontoura era filho de um professor e de uma dona de casa. Criado em meio à muita música, operetas e festas, desde pequeno já imitava tipos para a família.
Aos 10 anos, em 1943, quando faltavam sete anos para a chegada da TV no Brasil, Ary Fontoura já cantava em programas infantis na Rádio Clube Paranaense. No fim da adolescência, descobriu que incorporar personagens era o que queria para a sua vida.
A insegurança da profissão, porém, vista com desprezo pela sociedade da época, fez o ator seguir os preceitos da família em procurar uma carreira que lhe garantisse condições dignas de sobrevivência. Foi então que o jovem aspirante a ator, para agradar os pais, optou pela faculdade de Direito, a qual abandonou no último ano de curso.
Ary Fontoura preferiu enfrentar as mazelas da arte, que àquela altura já se tornara uma paixão incondicional. Logo, montou um grupo de teatro com amigos.
Antes chegou a trabalhar num dos circos mais populares de Curitiba, o “Irmãos Queirolos”, além de cantar músicas românticas em bordéis da capital paranaense.
TELEVISÃO
A trajetória de Ary Fontoura na televisão começou nos anos 1960, quando trabalhou para a TV Paraná, onde foi apresentador e diretor de novelas e séries.
O primeiro trabalho de destaque foi a participação que fez no seriado “O Vigilante Rodoviário”, exibido na Tupi entre 1962 e 1967. Com 28 anos na ocasião, Ary Fontoura ainda morava no Paraná, onde foram filmadas as cenas das quais atuou. Na série ele interpretou um um dos algozes do personagem central, interpretado pelo ator Carlos Miranda.
A veia cômica, quase sempre presente em seus personagens, veio, segundo o ator, do pai, que sempre tinha uma piada pronta até nos piores momentos da vida.
A CHEGADA AO RIO
Fontoura mudou-se para o Rio em 31 de março de 1964, data que marca o início do regime militar no Brasil. Naquele ano, para conseguir se manter financeiramente, chegou a fazer bicos como engraxate no prédio onde morava de aluguel. Foi também cozinheiro numa lanchonete, mas sempre mantendo o teatro como profissão.
Em 1965, por indicação do ator e produtor de TV, Graça Mello, estreou na TV Globo no seriado “Rua da Matriz”, de Lygia Nunes, Hélio Tys e Moysés Weltman.
TELEDRAMATURGIA
O primeiro folhetim em que Ary Fontoura atuou na Globo foi “Passo dos Ventos” (1968), de Janete Clair (1925-1983). Em 1970, o ator quebrou barreiras ao interpretar o costureiro homossexual Rodolfo Augusto, na novela “Assim na Terra como no Céu”, de Dias Gomes (1922-1999).
Com o autor, trabalhou também em “O Espigão” (1974), onde personificou o sinistro professor de botânica, Baltazar Câmara, que colecionava pedaços de cabelos das mulheres que assediava.
Ainda com Dias Gomes, fez outro professor, o personagem Aristóbulo Camargo, em “Saramandaia” (1976), que nas noites de lua cheia se transformava em lobisomem para a satisfação da amante Risoleta, interpretada pela atriz Dina Sfat (1939-1989), uma de suas parceiras preferidas.
Um ano antes, Ary Fontoura havia participado de “Gabriela” (1975), uma adaptação de Walter George Durst para o romance “Gabriela, Cravo e Canela”, de Jorge Amado. Na novela interpretou o dr. Pelópidas, conhecido como “Doutor”. Em 2005, trinta anos depois foi escalado para a segunda adaptação da obra, desta vez escrita por Walcyr Carrasco, onde fez o fazendeiro desconfiado e ciumento, Coriolano Ribeiro.
NONÔ CORREIA, FLORINDO ABELHA E SILVEIRINHA
Em 1984 representou um de seus papéis mais memoráveis, não só de sua carreira, mas da história da teledramaturgia brasileira: o protagonista “Nonô Correia” de “Amor com Amor se Paga”, de Ivani Ribeiro. “Foi a novela mais popular que fiz. Se tivesse que ter outro nome, seria “seu Nonô’; até hoje me chamam assim nas ruas”, disse o ator à Folha, em 2011.
Inspirado em “O Avarento”, de Molière, “Nonô Correia” era um pai de família que, para economizar nas despesas de casa, colocava cadeados na geladeira e na despensa. A audiência foi tamanha que durante anos o nome do personagem foi sinônimo da expressão “mão-de-vaca”.
Um ano depois, esteve no papel do prefeito Florindo Abelha, da fictícia cidade de Asa Branca, na novela “Roque Santeiro” (1985), de Dias Gomes e Aguinaldo Silva. Seu personagem era nada mais do que um “pau-mandado” que obedecia às ordens do coronel mandão do município, o Sinhozinho Malta”, interpretado por Lima Duarte.
Outro personagem de grande destaque foi o coronel “Arthur da Tapitanga”, em “Tieta” (1989), uma adaptação de Aguinaldo Silva, Ricardo Linhares e Ana Maria Moretzsohn para o romance “Tieta do Agreste”, de Jorge Amado. Na trama, Ary Fontoura faz o papel de um velho galanteador que oferece casa e comida para meninas pobres em troca de favores sexuais.
Depois vieram personagens como o do deputado corrupto “Pitágoras”, em “A Indomada” (1997), papel do qual faturou o prêmio de melhor ator pela Associação Paulista de Críticos de Arte, a APCA.
Em 2007, ao lado de Nicette Bruno formou o casal Romeu e Julieta, em “Sete Pecados”, de Walcyr Carrasco. Depois, Ary Fontoura voltou a se destacar com o personagem “Silveirinha”, o mordomo de Donatela, interpretada pela atriz Cláudia Raia na novela “A Favorita”. Fontoura esteve ainda em “Caras e Bocas” (2009) e “Morde e Assopra” (2011).
Entre especiais, séries e humorísticos, atuou em “O Matador” (1966), “Plantão de Polícia” (1979), “Carga Pesada” (1979), “Você Decide” (1992), “A Farsa da Boa Preguiça” (1995) e “Sai de Baixo” (2000).
O ator diz ser um homem realizado em sua trajetória artística e de vida, pois, como ele mesmo sempre afirma em entrevistas, “atuar é pura diversão, e receber para se divertir é melhor ainda”.