1998: Morre o cantor e compositor Nelson Gonçalves, 78, o eterno boêmio
Há 20 anos, no Rio de Janeiro, morria o cantor e compositor Nelson Gonçalves, aos 78 anos, em decorrência de uma parada cardíaca. O “rei do rádio”, como chegou a ser chamado, morreu no apartamento da filha Margareth Gonçalves, no bairro da Gávea, zona sul do Rio.
Gaúcho de Sant’Ana do Livramento, ele imigrou para São Paulo com os pais logo após o nascimento, passando a morar no Brás. Trabalhou como engraxate, jornaleiro, mecânico, garçom (no bar que seu irmão tinha na avenida São João) e, aos 16 anos, tornou-se lutador de boxe, categoria peso médio —chegou a ser campeão paulista.
Em 1939, após ser dispensado da rádio Tupi, em São Paulo, foi tentar a sorte no Rio de Janeiro. Na antiga capital da República, bateu na porta de diversos programas de calouros. Na rádio Cruzeiro do Sul, o apresentador Ari Barroso recomendou que desistisse de ser cantor e voltasse a ser garçom.
Mas, dois anos depois, assinou contrato com a rádio Mayrink Veiga e gravou “Sinto-me”, um samba de Ataulfo Alves. A bem-sucedida gravação inaugurava uma longa sequência de sucessos.
A partir daí seguem-se “Pensando em Ti”, dele mesmo, “Caminhemos” e “Carlos Gardel”, as duas com Davi Nasser, e o sucesso “Maria Betânia” —que acabou por batizar a cantora baiana irmã de Caetano Veloso—, do pernambucano Capiba.
Os anos 40 e 50 foram promissores para Nelson. Ao lado de Adelino Moreira, um dos maiores compositores de samba-canção, gravou alguns de seus maiores sucessos como: “A Volta do Boêmio”, “Deus do Asfalto”, “Êxtase”, “Mariposa” e “Fica Comigo Esta Noite”.
DROGAS
Além da bebida e do cigarro, a partir de 1958 Nelson Gonçalves se envolveu com drogas ilícitas, especialmente a cocaína. Quatro anos mais tarde, o vício o tirou da cena musical.
Assim, ele só voltou às paradas de sucesso em 1965 com o LP “A Volta do Boêmio nº1”. Em maio do ano seguinte, foi preso em flagrante por porte de cocaína, porém em menos de 15 dias depois ele estava solto e absolvido da acusação de tráfico de entorpecentes.
A passagem pelo cárcere rendeu uma de suas muitas histórias de valentia e brigas. “Cheguei à prisão e logo dei um soco na cara do preso que mandava no local. Disse que dali em diante nós dois seríamos os chefes, e todo mundo passou a me respeitar”, disse.
A fama de durão e briguento foi recordada em 1995, quando declarou: “Levei tiro de traficante, mas dizia que era pedrada, porque nesse mundo ninguém entrega ninguém”.
A dependência só foi superada em 1973, quando o próprio anunciou que não consumia mais drogas.
MÚSICA E HOMENAGENS
Nelson brilhou no rádio nos anos 40 e 50 e, ao lado de Francisco Alves e Orlando Silva (que aliás era seu ídolo), é tido como um dos maiores cantores de todos os tempos.
Foram quase 60 anos de carreira, onde gravou 128 LPs e mais de 2.000 músicas, vendendo 78 milhões de discos.
Em 1981, a TV Globo exibiu o especial “Nelson Gonçalves – 40 anos” para celebrar as quatro décadas de seu trabalho.
Um ano antes de seu falecimento, ele mostrou fôlego ao renovar seu repertório com a gravação do álbum “Ainda é Cedo” com a música do Legião Urbana que dá nome ao disco, além de “Caso Sério”, de Rita Lee, de “Meu Erro”, dos Paralamas do Sucesso, e de “Faz Parte do Meu Show”, de Cazuza.
O produtor do disco Robertinho do Recife justificou o trabalho inusitado no repertório já conhecido do “rei do rádio”. “Ele é muito punk, diferente dos cantores certinhos da época dele. A carreira de Nelson é cheia de escândalos. Ele tem atitudes roqueiras.”
Em 1996, o cantor foi homenageado com a peça “Metralha”, estrelada por Diogo Vilela, que contava sua história. Cinco anos depois foi a vez do documentário “Nelson Gonçalves”.
O colunista da Folha Mario Sergio Conti ao resenhar a obra disse: “A poética de Nelson Gonçalves é punk. Talvez não caiba num documentário. Enquanto existir um foxe triste, um otário com dor de corno, um cabaré desolado, uma guitarra solitária, ela viverá”.
Nelson justificava assim seu talento: “Bebo e fumo. Quem cuida da minha voz é Deus”. E era enfático ao resumir sua importância à música brasileira. “Não apareceu mais nenhum cantor com voz. Eu uso um terço da potência da minha; não precisa mais”, afirmava.