1968 – AS 28ª E 29ª BOMBAS: Avião da praça 14 Bis e multinacional viram alvos

Quatro dias após o então presidente do Brasil, Arthur da Costa e Silva, ter baixado o Ato Institucional nº5 e endurecido o regime ditatorial, duas bombas explodiram na região da Grande São Paulo na madrugada de 17 de dezembro de 1968.

Um dos alvos foi o avião da FAB (Força Aérea Brasileira) que ficava exposto como um monumento na praça 14 Bis, perto da avenida 9 de Julho, na Bela Vista, região central de São Paulo.

O outro ponto de ataque foi  na  seção de classificação de algodão da multinacional americana Anderson, Clayton & Company, em São Caetano do Sul. As duas ações não deixaram feridos.

Essas foram as últimas duas das 28 bombas em 1968 na região metropolitana de São Paulo que foram contabilizadas em um levantamento do Banco de Dados da Folha. As histórias de todos os casos foram relatados no Blog do Acervo em 2018.

Clique na imagem e confira o mapa das bombas em São Paulo em 1968

A bomba na praça 14 Bis não teve grande poder destrutivo. Danificou a fuselagem e a asa direita do avião C-3, que havia sido transformado em um monumento para homenagear os pracinhas da FEB (Força Expedicionária Brasileira).

O veículo aéreo, utilizado em combates na Itália durante a Segunda Guerra, foi adaptado e colocado sobre uma armação de cimento para que pudesse ser visto com maior facilidade. Em sua volta, para isolá-lo, foi colocada uma corrente presa a cápsulas usadas também na guerra. Porém as crianças costumavam entrar na área para brincar.

O autor do atentado, assim como faziam as crianças nas brincadeiras, passou pelas correntes. Deixou o artefato junto ao pedestal do monumento e fugiu.

A explosão não fez com que o avião caísse, mas provocou a quebra de vidros em vários prédios vizinhos. O barulho foi ouvido até da delegacia que funcionava na rua Marques de Paranaguá (a aproximadamente um quilômetro do local).

Os agentes foram à praça e recolheram panfletos com mensagens atribuídas ao ex-deputado Carlos Marighella. Ele lutava contra a ditadura e era líder de um grupo armado que viria a receber o nome de ALN (Ação Libertadora Nacional).

O texto divulgado nos panfletos negava a participação de Marighella em assaltos, mas o ligava aos movimentos contra o regime militar. Também havia a reclamação de que os Estados Unidos tinham se transformado em donos do Brasil.

Em 18 de maio de 1992, a Folha publicou uma reportagem, assinada pelo jornalista Mario Cesar Carvalho, relatando que o arquiteto e artista plástico Sérgio Ferro participou do ataque contra o avião da FAB.

Na época da ditadura, Ferro integrava o “Grupo de Arquitetos”, que tinha ligação com a ALN. Também chegou a fazer a ponte com a VPR (Vanguarda Popular Revolucionária). Ficou preso por um ano, entre dezembro de 1970 e dezembro de 1971, e foi torturado.

Da França, onde radicou-se no exílio, Ferro comentou a ação na praça 14 Bis. “Isso foi ridículo. O avião não caiu, coitado, ficou lá”, declarou.

Na mesma reportagem de 1992, o arquiteto fez uma revelação, bem mais séria. Disse ter colocado, junto com o arquiteto Rodrigo Lefévre (1938-1984) e com uma outra pessoa que ele não contou o nome, a bomba no Consulado dos Estados Unidos na madrugada de 19 de março de 1968.

A explosão atingiu o estudante Orlando Lovecchio Filho, que passava pelo local e teve que amputar o terço inferior de sua perna esquerda.

A reportagem do Banco de Dados Folha não conseguiu entrar em contato com Ferro.

São Caetano do Sul

Assim como ocorreu na praça 14 Bis, panfletos com mensagens que seriam de Marighella foram encontrados onde explodiu a outra bomba da madrugada de 17 de dezembro de 1968.

O petardo foi colocado na porta do prédio da Anderson, Clayton & Company no centro de São Caetano do Sul. Com a detonação, a porta de ferro foi bastante danificada. Vários vidros do edifício também ficaram quebrados.

Antes disso, os agentes estavam empenhados em averiguar uma falsa ameaça.

Uma ligação telefônica anônima, por volta das 23h, informava que uma bomba seria jogada na empresa Matarazzo Rayon (a cerca de 2,5 quilômetros da Anderson) em dez minutos.

Com isso, viaturas da Rádio-Patrulha, dos Bombeiros e da Polícia Civil se dirigiram para o local para realizar as buscas, tomando um drible.

A polícia só ficou sabendo do verdadeiro ataque por volta das 3h30 com um telefonema de um morador da região.

O Dops (Departamento de Ordem Política e Social) foi avisado do ataque pela delegacia de São Caetano, mas o delegado de plantão não pôde ir ao local de prontidão, porque estava ocupado no caso da praça 14 Bis.

O chefe da Polícia Federal em São Paulo, o general Silvio Correia de Andrade, disse acreditar que foi o mesmo grupo que realizou as duas ações.

Independentemente de quem foi o autor da ação em São Caetano, o fato foi que mais uma vez a ditadura voltou a ser desafiada em 1968.

Prédio da Anderson, Clayton em São Caetano depois do ataque – Reprodução

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